“Não posso ver o país que construimos ser destruído”. Depois de ser libertado na sexta-feira, o ex-presidente brasileiro Lula da Silva falou aos milhares de apoiantes que este sábado o receberam em São Paulo. Garantiu que quer voltar a dar o Brasil ao povo e à cultura e atirou críticas a Jair Bolsonaro, um Presidente que, diz, “nunca fez um discurso que prestasse”.

“Se as pessoas tiverem onde trabalhar, se tiverem salário, se tiverem onde estudar, se tiverem acesso à cultura, a violência vai cair. Temos de viver contra a distribuição de armas do Bolsonaro. Vamos distribuir livros, vamos distribuir emprego, vamos distribuir o acesso à cultura“, discursou Lula em frente a uma multidão. Este, acrescenta, é o país que o Brasil quer “e sabe construir”.

Lula criticou ainda o Presidente brasileiro por se ter encontrado com o príncipe saudita Mohammed bin Salman, associando-o à morte do jornalista Jamal Khashoggi. “Esse príncipe matou e esquartejou e fez carne moída de um jornalista”, afirmou, acrescentando de seguida: “Queremos que esta gente saiba que este país é nosso”.

O antigo Presidente garantiu que o objetivo é chegar às próximas eleições presidenciais, marcadas para 2022. “Tenho certeza que tivermos juízo e soubermos trabalhar direitinho em 2022, a chamada esquerda que o Bolsoanro tem tanto medo vai derrotar a ultradireita que nós tanto queremos derrotar”, sublinhou ainda, apontando o Chile e a Bolívia como exemplo de resistência. “Temos de atacar. Não apenas defender. Estamos muito tranquilos”.

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Ainda antes do discurso, Lula da Silva enviou uma mensagem em vídeo dirigida a líderes da esquerda latino-americana reunidos em Buenos Aires, onde disse estar com “muita disposição para lutar contra o lado podre da Justiça, da polícia e da imprensa brasileira”.

Estou com muita disposição de andar pelo Brasil, com muita vontade de viajar pela América Latina. E estou com muita disposição de combater o lado podre do Poder Judiciário, o lado podre da Polícia Federal, o lado podre da Receita Federal, o lado podre do Ministério Público e o lado podre da imprensa brasileira”, diz Lula no vídeo enviado à reunião do Grupo de Puebla, em que participam líderes da política latino-americana, reunidos em Buenos Aires.

Lula acrescenta que é preciso ter coragem de enfrentar esses poderes porque “a elite latino-americana é muito conservadora e não aceita a ideia de um povo pobre subir um degrau na escala das conquistas sociais”. “Finalmente estou livre”, anuncia Lula. “E estou com muito desejo de lutar”, prossegue.

O ex-Presidente brasileiro diz aos líderes da esquerda regional que “continua com o sonho de construir uma grande América Latina” que melhore a vida dos povos da região e que a recente vitória de Alberto Fernández na Argentina “pode servir de exemplo para outros países”.

“Acredito que (Alberto) Fernández possa fazer isso na Argentina e que possa servir de exemplo para outros países”, destaca Lula, em sintonia com a esperança da esquerda regional de que a vitória do peronista argentino signifique um caminho para o retorno da esquerda ao poder depois de uma onda de direita que ganhou as eleições desde 2015.

“Agradeço a Fernández por ter ganho a eleição. Foi como se eu tivesse ganho aqui no Brasil”, comparou, fazendo, porém uma advertência sobre o que ocorre na Bolívia. “Estou feliz com a eleição do Evo (Morales) apesar da canalhice que estão a fazer com ele na Bolívia”, diz, solidarizando-se com o líder boliviano de esquerda cuja eleição em 20 de outubro foi marcada por acusações de fraude que ainda são motivo de auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A exibição do vídeo de Lula fez parte da cerimónia inaugural da região do recém-criado Grupo de Puebla que, além do próprio Lula, tem como integrantes ex-Presidentes como a brasileira Dilma Rousseff, o uruguaio José Mujica e o colombiano Ernesto Samper.

Depois da participação em vídeo de Lula, o Presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, revelou que na visita que fez a Lula na prisão em julho passado durante campanha eleitoral argentina, Lula deu-lhe uma ordem: “Você tem de ganhar na Argentina”. “Então, eu cumpri, Lula. Ganhei na Argentina. E vamos colocar a América Latina de pé”, anunciou.

Alberto Fernández revelou que conversou este sábado com o Presidente francês Emmanuel Macron. “Uma conversa esplêndida na qual eu lhe expliquei o que está acontecer na América Latina”, disse.

“Também disse ao Presidente Macron que, com Lula Livre, sopram outros ventos no Brasil. E disse-lhe que confio nesses ventos”, em alusão a uma mudança em relação à atual política do governo Bolsonaro, que ameaça romper com o Mercosul se a Argentina tiver uma postura protecionista contra a tendência de abertura comercial aplicada pelo governo de Mauricio Macri que deixa a Presidência na Argentina em 10 de dezembro. O atual Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, não felicitou Fernández pela vitória há duas semanas e avisou que não irá à sua posse. Fernandez, por seu lado, convidou Lula para a posse.

“Vamos trabalhar muito para que essa união entre Brasil e Argentina não se rompa. Essa união é o eixo da unidade da América do Sul”, defendeu Alberto Fernández. “O Grupo de Puebla será a voz para contar ao mundo o que acontece na América Latina e de onde sairão os dirigentes que voltarão a colocar de pé a América Latina”, afirmou.