Na imprensa inglesa, a antevisão do encontro deste domingo entre Liverpool e Manchester City foi feita com uma premissa comum a quase todos os meios de comunicação social: de repente, em 2019, o melhor, mais antecipado e maior jogo do futebol inglês era entre o histórico clube da cidade dos The Beatles e o clube que esteve de 1968 a 2012 sem conquistar a Premier League. De repente, devido à estratégia de contratações do Liverpool e à injeção de confiança que Jürgen Klopp garantiu desde que chegou, devido à hegemonia do City que começou com Mancini e progrediu com Guardiola, devido aos últimos anos sofríveis de Chelsea, Manchester United e Arsenal, o melhor jogo do futebol inglês era entre reds e citizens.

À entrada para a 12.ª jornada da Premier League, Liverpool e Manchester City estavam separados por seis pontos: o que significava que uma vitória de Klopp abria uma vantagem que já se tornava importante e uma vitória de Guardiola encurtava a distância para três pontos e a reabria (ainda mais) a luta pela liga inglesa que se vai arrastar até maio. Na antecâmara do encontro deste domingo, o Liverpool venceu em casa o Genk para a Liga dos Campeões e o City empatou em Itália com a Atalanta, no culminar de uma exibição pouco conseguida em que o conjunto inglês pareceu sempre estar mais preocupado em não deixar que os italianos marcassem do que em chegar perto da baliza adversária. Esta última semana era por isso o espelho daquilo que tem sido a temporada das duas equipas: os reds sempre mais constantes, mais regulares e mais implacáveis e os citizens mais resultadistas, longe das prestações asfixiantes da época passada e da qualidade global e individual dos últimos anos.

Na hora de escolher o onze inicial para o jogo deste domingo, Jürgen Klopp não surpreendeu e lançou o habitual trio ofensivo, Firmino, Salah e Mané, apoiado por Henderson, Wijnaldum e Fabinho no setor intermédio. As surpresas estavam guardadas para o outro lado: Mendy, habitual dono da esquerda da defesa do Manchester City face à lesão de Zinchenko, não estava sequer no banco de suplentes e era substituído no onze pelo espanhol Angeliño, sem que o clube tivesse dado indicação de qualquer lesão ou problema com o jogador. Rodri e Gundogan formavam uma dupla mais recuada logo depois da defesa, De Bruyne atuava nas costas de Agüero e Bernardo e Sterling, respetivamente na direita e na esquerda, jogavam mais junto aos corredores e a procurar espaços interiores para desequilibrar. Os primeiros minutos em Anfield foram dominados pelos citizens, que colocaram a primeira fase de construção muito subida e exploraram principalmente as subidas pelas alas que terminavam em cruzamentos atrasados para entradas de jogadores vindos de trás.

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O arranque forte do Manchester City, porém, não provocou qualquer tipo de timidez ao Liverpool. O jogo em estilo acórdeão, em que a equipa inteira rapidamente se estica do setor mais recuado para o mais adiantado através de poucos passes longos e certeiros, é a praia preferida do Liverpool, que não precisou de mais do que uma tentativa para inaugurar o marcador. Mané conduziu a transição pela esquerda, enquanto Agüero e companhia ficaram a reclamar uma alegada grande penalidade de Alexander-Arnold, cruzou mas o passe foi intercetado pela defesa adversária; na recarga, ainda longe da grande área, Fabinho deu um toque na bola, levantou a perna e atirou sem qualquer hipótese para colocar o Liverpool em vantagem (6′). Claudio Bravo, que este domingo substituía Ederson, que se lesionou a meio da semana com a Atalanta, ainda voou mas não chegou ao remate do médio brasileiro.

Logo depois do golo, a partida regressou àquilo que tinha sido até ao remate de Fabinho: o Manchester City mais adiantado, a procurar o empate de forma mais evidente e o Liverpool a assentar na frieza de Van Dijk e Lovren e na capacidade de explosão de Alexander-Arnold e Robertson para entrar nas costas dos citizens. Foi dessa forma, seguindo o modelo do primeiro golo, que a equipa de Klopp aumentou a vantagem e gelou Guardiola, que não escondeu a desilusão e sentou-se visivelmente desanimado no banco de suplentes. Alexander-Arnold, com um passe brilhante que rodou o flanco da direita para a esquerda e abriu por completo o baralho de cartas do Manchester City, encontrou Robertson, que cruzou para o segundo poste e viu Salah finalizar com um cabeceamento (13′).

Até ao intervalo, o Manchester City praticamente assentou arraiais no meio-campo adversário mas raramente conseguiu abrir espaço entre as linhas bem organizadas do Liverpool, beneficiando de oportunidades que apareciam principalmente de remates de fora de área ou de lances individuais de Sterling e Agüero, que tentavam sozinhos fazer aquilo que a equipa não estava a fazer enquanto entidade global. Guardiola não caiu na tentação de fazer alterações ao intervalo, mesmo a perder por dois golos de diferença, e as equipas voltaram para a segunda parte tal e qual como tinham entrado na hora do apito inicial. A estratégia de parte a parte, mesmo a partir de um olhar mais rápido e imediato, era semelhante àquilo que tinha sido demonstrado na primeira parte: o Manchester City a procurar mais o último terço do que o Liverpool, principalmente através do pendor ofensivo de Angeliño que fazia a diferença na esquerda, e os reds a manter a calma da partida com a seriedade de Fabinho e o critério de Wijnaldum.

Mané fez o terceiro golo do Liverpool já na segunda parte depois de um grande cruzamento de Henderson

O que aconteceu na primeira parte, em que o Liverpool concretizou com os primeiros dois remates que fez na partida, repetiu-se pela metade na segunda. Nos instantes iniciais do segundo tempo, a equipa de Jürgen Klopp só precisou de um cruzamento quase perfeito de Henderson, a partir da direita, para Mané aparecer ao segundo poste a cabecear para o 16.º golo da conta pessoal durante o ano civil de 2019, pelo menos mais três do que qualquer outro jogador em Inglaterra (51′). O elevar da vantagem para três golos levou a um partir do jogo que acabou por não ter remédio: Klopp trocou Henderson por James Milner para ganhar músculo no meio-campo e, pela primeira vez na partida, o Liverpool assumiu por completo a posse de bola e agarrou o controlo das ocorrências, sem permitir sequer que o Manchester City chegasse perto da grande área de Alisson. A equipa de Guardiola conseguiu reduzir já no último quarto de hora, por intermédio de um grande remate de Bernardo na direita depois de um passe de Angeliño (78′), mas não conseguiu utilizar o reduzir da desvantagem como catalisador para ainda lutar pelo resultado nos instantes finais.

Fabinho garantiu à equipa uma função de controlo e regulação da vertigem, Wijnaldum e Henderson anularam a capacidade de criação e construção de Gundogan e Rodri, Alexander-Arnold e Robertson foram tampões exímios e autênticos trampolins para a transição rápida da equipa de Van Dijk e Lovren engoliram a presença de Agüero na grande área. O Liverpool de Jürgen Klopp deu uma autêntica lição de futebol ao Manchester City de Guardiola em Anfield, cavou uma vantagem de nove pontos para os bicampeões ingleses e empurrou os citizens para o quarto lugar da Premier League, atrás de Leicester e Chelsea. Depois de conquistar a Liga dos Campeões na temporada passada e de perder a liga inglesa por um ponto, o Liverpool — em novembro — pode ter dado um passo de gigante rumo à vitória em Inglaterra exatamente 30 anos (!) depois da última vez. E a hegemonia de Guardiola e do City pode ter tido na época passada uma espécie de canto do cisne.