“É verdade que falhou a final da Taça dos Vencedores das Taças em 1993 porque se envolveu numa luta com um condutor de autocarros na Colômbia?”. A pergunta, em outubro de 2017, surgiu de um leitor da reputada revista FourFourTwo. O que costumam responder os futebolistas “normais”, que se tentam resguardar dos episódios extra relvados? 1) “Não, tive um problema físico”; 2) “Não, não foi por isso”; 3) “Não, cheguei atrasado”. O número de frases a desviar do assunto podiam multiplicar-se mas o desporto também tem aquelas personagens que assumem tudo o que fazem sem pensarem muito nisso – e um deles é Faustino Asprilla, antigo avançado colombiano que era também conhecido como o “Polvo” e que cumpre este domingo 50 anos.

“Sim, isso aconteceu em Tulua. Um condutor de autocarros bateu no meu carro e quando saí para entrar no autocarro ainda me fechou a porta na cara. Era uma daquelas portas de segurança. Então, dei um pontapé nessa porta, o meu pé entrou pelo vidro e cortou-me quando tirei o pé. Estava furioso. Se tivesse entrado no autocarro tinha-lhe batido mas ele conseguiu fugir. Nestes dias estou mais calmo mas naquela altura costumava ficar louco. E foi por causa disso que fiquei de fora da final”, assumiu perante a pergunta supracitada.

Tino, como também era conhecido, nunca foi um daqueles goleadores com médias próximas de um golo por jogo mas também não era daqueles avançados que gosta de começar na linha e vir para dentro. Tinha explosão, tinha velocidade, tinha técnica, tinha inteligência, tinha rasgo. Tinha tudo isso jogando entre os centrais ou a fugir deles, a explorar a profundidade ou a jogar em apoio. Em 1993, na antecâmara do Mundial dos Estados Unidos, chegou a ser nomeado o sexto melhor jogador do mundo mas a marca que deixou no futebol ficou muito para lá dos golos, das assistências e dos prémios que foi recebendo. E ainda hoje é recordado com saudade por onde passou.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Depois de ter começado a jogar na escola que frequentava, foi descoberto pelo Cúcuta Deportivo antes de saltar para o Atlético Nacional com apenas 18 anos, numa altura em que já jogava nos seniores. Em 1992, cobiçado por vários clubes sobretudo italianos, deixou-se levar pela melhor oferta do Parma (então apostado em chegar ao topo do futebol europeu, com vários internacionais assegurados pelo forte apoio financeiro da Parmalat) e superou todas as expetativas em quatro anos: nesse período, ganhou uma Taça dos Vencedores das Taças, esteve ainda em mais uma final da prova, conquistou a Supertaça Europeia e venceu ainda uma Taça UEFA (ganharia outra numa segunda passagem pelo clube, em 1998/99). Na Serie A, a equipa comandada por Nevio Scala nunca passou do terceiro lugar mas não mais o conjunto da região de Emília-Romanha voltou a ganhar tanto.

Com nomes como Thomas Brolin ou Gianfranco Zola no plantel, Asprilla era uma espécie de menino querido do balneário e nem mesmo as asneiras e azares fora de campo lhe retiravam essa característica. Como no dia em que foi à pesca com o pequeno avançado italiano. “Fomos à casa do Zola na Sardenha com o Apolloni, o Georges Grun e penso que o Matrecano. Deram-me uma cana para quando o barco estivesse em movimento mas estávamos a pescar parados e quando atirei a linha ficou tudo enrolado, passei um dia inteiro a desfazer nós. Todos pescaram menos eu, que só fazia asneira mas foi por acidente…”, contou numa das muitas histórias em Parma.

Em 1996, depois de já ter recebido propostas de clubes como o Real Madrid, o Inter ou o B. Dortmund, estava mesmo de saída do Parma que, nessa fase, não recusava ofertas pelo colombiano. E a razão era simples: Fabio Capello tinha um pré-acordo para treinar o Parma na época seguinte e não contava com o avançado. Asprilla saiu mesmo, para o Newcastle, mas Capello… acabou por ir para o Real Madrid. No entanto, a experiência na Premier League acabou por não ser a melhor, sendo mesmo acusado de ter sido a causa para o falhanço do título em 1996, quando chegou em fevereiro e o Manchester United estava atrás na classificação. Em 1998, voltou ao Parma, depois do melhor (hat-trick ao Barça na Champions) e do pior (muitos jogos no banco de suplentes).

A carreira de Asprilla começava então a entrar numa curva descendente, com passagens por Brasil (Palmeiras e Fluminense), México (Atlante), Colômbia (Atlético Nacional), Chile (Universidad) e Argentina (Estudiantes) sem o andamento de outrora até acabar no modesto Cortuluá, numa Colômbia que nunca o deixou de ter como herói pelas prestações na Copa América de uma geração que tinha ainda nomes como Higuita, Valderrama ou Rincón mas que falhou sempre que chegou às fases finais do Campeonato do Mundo entre um momento marcante para o avançado: o assassinato de Andrés Escobar. “Chorei muito, era um bom amigo. Uma pessoa excelente, com muita piada, sempre a brincar. Quando estávamos a ir dos Estados Unidos para a Colômbia, disse-me no avião: ‘Não andes na rua, é perigoso. Tu gostas de farras mas pode acontecer-te alguma coisa, podem matar-te. Fica em casa’. Fiquei em casa e quem saiu foi ele, não seguiu o conselho que meu deu…”, lamentou à FourFourTwo.

Fora de campo, Asprilla continuou a ser Asprilla e nunca deixou de aparecer nas notícias ao longo de 15 anos, com armas ao barulho como tinha acontecido quando jogava no Chile e entrou nos balneários com uma a ameaçar os companheiros a brincar até fazer manchetes como se fosse a sério. Em 2008, chegou a ser acusado de disparar contra polícias na sua fazenda e ficou em prisão domiciliária. E a irmã teve problemas por levar na bagageira várias armas compradas por Tino, ou “Rei do Gatilho”, em Itália. Mas nunca ficou por aí.

Depois de ter feito uma produção nu para uma revista colombiana (que esgotou nessa edição) e mais tarde também uma italiana, Asprilla tornou-se numa espécie de sex symbol do país. Em entrevista, negou que tenha alguma vez recebido algum convite milionário para entrar em filmes pornográficos (algo que referiu só ponderar se fosse com a atriz brasileira Juliana Paes) mas deu a cara por marcas de preservativos e pensou mesmo criar o seu próprio negócio. “Quando era jogador, um dia os meus calções caíram e isso tornou-me um símbolo sexual. Desde então que tinha esta ideia”, revelou na apresentação da linha “El Tino” (com vários cores e sabores), em 2016, vendidos em pacotes de três… em homenagem ao hat-trick pelo Newcastle com o Barça. Mais recentemente, Asprilla publicou uma imagem num hospital da Colômbia após ser operado à mão lamentando que na sua vida nem tudo fosse… rumba, a música que mais aprecia e que gosta de dançar.

Das melhores discotecas em Itália quando era jogador às perseguições e tentativas de extorsão quando regressou a Tuluá, passando pelo gosto por armas, cavalos e mulheres, Asprilla foi uma figura que marcou uma geração na década de 90 pelo que fazia em campo e pela forma como se comportava fora dele, tendo sido obrigado a fugir da sua cidade pelas ameaças de uma rede de narcotraficantes já depois de ter sido investigado (e ilibado) por suspeitas de tráfico de droga. E ainda hoje pode gostar-se mais ou menos do antigo avançado de 50 anos mas ninguém consegue passar ao lado da figura de um dos melhores jogadores colombianos de sempre.