Era o primeiro dia de audições da fase inicial do processo de tentativa de impeachment (destituição forçada) de Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos da América disse que não ia assistir a uma “caça às bruxas”, mas a sua atividade no Twitter indicia o contrário. Já as duas testemunhas ouvidas — um diplomata que trabalhou na embaixada dos EUA na Ucrânia e um alto funcionário do Departamento de Estado — estiveram quase sempre de acordo: a ação de Trump e do seu advogado pessoal durante os contactos de diplomacia com a Presidência da Ucrânia “infetaram” a política do país.

Um diplomata e um alto funcionário contra Trump

A primeira revelação, e mais forte, veio do diplomata que trabalhou como representante dos EUA na Ucrânia — é encarregado de negócios na embaixada de Kiev, ou seja, funcionário do corpo diplomático norte-americano no país e substituto do Embaixador na sua ausência —, William B. Taylor Jr. Taylor, que é atualmente o embaixador em funções porque a sua antecessora, Marie Yovanovitch (que também vai ser ouvida), foi afastada, contou um episódio que pode contribuir para reforçar a teoria do partido Democrata: a de que Trump usou ligações de Estado para tentar atacar adversários políticos internos nos EUA.

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O diplomata denunciou na sua audição uma conversa telefónica ouvida por um elemento do seu staff — da qual só recentemente ficou a par — na qual Trump terá mencionado “as investigações” (a Biden) quando falava com o embaixador dos Estados Unidos da América na União Europeia, Gordon D. Sondland. Depois da chamada, um assessor do diplomata terá perguntado a Sondland o que pensava Trump da situação na Ucrânia e este respondeu que “o presidente preocupa-se mais com as investigações a Biden, para as quais o Giuliani tem exercido pressão”, refere o The New York Times.

O Giuliani em causa seria Rudy Guiliani, advogado pessoal de Trump, a quem o diplomata que testemunhou esta quarta-feira atribui a liderança de um processo de definição de políticas norte-americanas para a Ucrânia “altamente irregular”, mais centradas nos interesses próprios do Presidente do que na boa governação do país.

A revelação da chamada telefónica foi a maior novidade de relevo trazida por William B. Taylor para a sua audição de esta quarta-feira, já que já tinha sido ouvido no mês anterior, quando denunciou que Trump condicionou “por completo” a relação dos EUA com a Ucrânia — incluindo apoio militar e uma receção na Casa Branca — mediante a disponibilidade do sistema judicial e político ucraniano para investigarem o antigo vice-presidente democrata Joe Biden, um então possível adversário de Trump nas futuras eleições presidenciais de 2020.

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Questionado ainda esta quarta-feira sobre se já alguma vez tinha visto outro exemplo de apoio e boas relações diplomáticas condicionados à persecução dos interesses pessoais ou políticos de um Presidente dos Estados Unidos da América, Taylor respondeu: “Não vi”. Já inquirido por um republicano sobre a hipótese de Rudy Giuliani ter atuado apenas para “promover os interesses nacionais dos EUA ou a política norte-americana na Ucrânia”, Bill Taylor respondeu: “Não me parece”. George Kent, outro dos inquiridos esta quarta-feira, acrescentou: “Não, não estava”.

“Se quando falamos de influência política estamos a falar de tentativas de obter informação que só é válida para campanhas políticas, não nos devíamos habituar a isso”, apontou Taylor.

Além do diplomata, também George P. Kent, este último um alto funcionário do Departamento de Estado, foi ouvido esta quarta-feira. Na sua audição, Kent afirmou ter percebido em meados de agosto que o advogado pessoal de Trump, Giuliani, tinha desenvolvido esforços para pressionar o chefe de Estado da Ucrânia a investigar adversários políticos de Trump. Segundo Kent, essa interferência estava “a infetar a ligação dos EUA com a Ucrânia” e Rudy Giuliani, de acordo com a sua convicção, atuou no sentido de “escavar e encontrar lama política para prejudicar um potencial rival [de Trump] no ciclo eleitoral que se seguiria”, as presidenciais de 2020.

Falta ouvir uma ex-embaixadora

Já na sexta-feira, será ouvida Marie L. Yovanovitch, a ex-embaixadora americana para a Ucrânia, que afirma ter sido afastada depois de ter estado envolvida num escândalo de suposto encobrimento de um caso relacionado com a campanha Clinton na Ucrânia. Uma das pessoas que defendeu esta teoria foi Rudy Guiliani, advogado pessoal do presidente.

O The New York Times já tinha denunciado que Donald Trump pedira diretamente ao seu homólogo ucraniano, Volodymr Zelensky, para influenciar a Procuradoria-Geral da República ucraniana no sentido de abrir uma investigação a Joe Biden: “Fala-se muito sobre o filho de Biden, que Biden interrompeu a acusação, e muitas pessoas querem descobrir isso. Portanto, o que você conseguir com o procurador-geral seria espetacular”, terá dito Trump a Zelensky, numa chamada telefónica alegadamente ouvida pelo jornal.

Donald Trump terá mesmo chegado a pedir ao presidente ucraniano para que o país “fizesse um favor” porque os EUA já tinham “passado por muito” e “a Ucrânia sabe muito sobre isso”. “Gostaria que descobrisse o que se está a passar com toda esta situação com a Ucrânia, com a Crowdstrike [a empresa contratada pelo Partido Democrata para investigar o acesso ao seu sistema informático, durante as eleições presidenciais, em 2016]”, disse.

Trump, recorde-se, está acusado de pressionar Zelensky a investigar Hunter Biden, filho de Joe Biden, vice-presidente no mandato de Barack Obama e atual candidato à Casa Branca pelo Partido Democrata, por suspeita de irregularidades na sua ligação com uma empresa ucraniana.

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Trump disse que não assistiria. Mas tweetou

Face às declarações de William B. Taylor Jr., o líder do partido Democrata no Comité de Informação, Adam Schiff, questionou: “Se esta conduta não justifica um impeachment, que conduta o justificará?” Já Jim Jordan, do Partido Republicano, contrapôs: “O povo americano vê para além de tudo isto. As pessoas percebem que os factos suportam o presidente. Percebem que este processo é injusto. E veem através de toda a farsa”. O republicano acrescentou, citado pela CNN, acreditar que este “é um capítulo triste na história do país mas um bom dia para os factos e para o presidente dos Estados Unidos”.

Donald Trump, antes de um encontro de trabalho com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, afirmou que a audição era “uma caça às bruxas, um embuste” e que estava “demasiado ocupado para assistir” às sessões,  de acordo com o The New York Times. No entanto, acabou por ir comentando tudo através do Twitter, partilhando dezenas de tweets de outros utilizadores relativos à sessão e escrevendo por exemplo: “NUNCA FORAM TRUMPERS [apoiantes de Trump]”

Desde então que Donald Trump só tweetou para elogiar o novo livro do filho, que terá chegado ao primeiro lugar da lista de bestsellers do The New York Times. E para agradecer a Franklin Graham, um ministro evangelista de referência nos Estados Unidos que adjetivou o primeiro dia de audiências de “um dia vergonhoso” para o país. “Obrigada, Franklin Graham. É um dia de vergonha para o país. Os democratas sabem que o que estão a fazer é errado”, comentou Trump.

Mas tweetar pouco não significa estar quieto. Donald Trump republicou várias vezes as mensagens deixadas por outras contas no Twitter, como a do diretor de redes sociais da Casa Branca (Dan Scavino Jr.), os deputados republicanos Jim Jordan, Steve Scalise e Mark Meadows. Além disso, Donald Trump republicou as mensagens do Comité de Supervisão Republicano e da página oficial dos republicanos no Twitter.