“Não sou um grande piloto, sou um campeão”. A frase, na primeira pessoa, está gravada no capacete de Jorge Lorenzo. A frase, na primeira pessoa, está também gravada na cabeça do próprio Jorge Lorenzo. O piloto espanhol, o anti-herói, o vilão que apareceu para envergonhar Valentino Rossi e ter desavenças com Dani Pedrosa, caiu para o lado errado da opinião pública precisamente por não ter medo nem receio de afirmar que era um dos melhores. Mas a frase gravada no capacete não serve só para que os outros a leiam. A frase gravada no capacete serve também para que Jorge Lorenzo não se esqueça de que é um campeão.

Esta quinta-feira, aos 32 anos, o piloto espanhol anunciou o fim da carreira. Na antecâmara do último Grande Prémio da temporada de Moto GP e já com Marc Márquez enquanto campeão do mundo, Lorenzo aproveitou o facto de estar em Espanha, em Valencia, para se despedir do motociclismo, da competição e do desporto. A decisão acaba por não ser surpreendente: o último ano do piloto foi um calvário de lesões, desilusões e frustrações. Que há onze meses parecia totalmente impensável.

Os dois pilotos espanhóis foram apresentados como uma dupla de sonho na Repsol Honda

Nessa altura, a Repsol Honda apresentou a dupla de pilotos mais mediática dos últimos anos — uma autêntica dream team, como rapidamente lhe chamaram. A Marc Márquez, há seis anos na equipa, juntava-se Jorge Lorenzo, depois de dois anos pouco felizes na Ducati. Os dois pilotos, os dois espanhóis mais bem sucedidos da história recente do motociclismo, uniam forças para garantir à Repsol Honda uma hegemonia sem precedentes dentro de pista. Mas a hegemonia ficou pela metade e tombou para um lado. Pela primeira vez numa carreira ao mais alto nível que começou em 2008, Lorenzo não conseguiu terminar qualquer corrida nos dez primeiros (o melhor que conseguiu foi um 11.º lugar), nunca terminou uma qualificação nos cinco primeiros (o melhor foi uma oitava posição) e nunca ficou à frente do colega de equipa. Aos resultados desapontantes juntavam-se as dificuldades físicas, entre duas fraturas na mão, uma outra com luxação no pé direito, uma fissura numa costela e duas operações, uma à mão e outra ao joelho.

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Lorenzo viveu uma rivalidade intensa com Rossi na Yamaha

Para trás ficam os três Mundiais conquistados, em 2010, 2012 e 2015, e o facto de este último ter sido o único título que escapou a Marc Márquez desde que este chegou ao Moto GP. O período de afirmação na Yamaha ficou também marcado pelo início oficial da quebra de Valentino Rossi, que não só começou a ter dificuldades em competir com a Ducati de Casey Stoner e a Repsol Honda de Márquez como também foi afetado no processo de passar a ser segundo e não primeiro piloto. A relação entre espanhol e italiano esteve longe de ser a melhor e Rossi chegou mesmo a pedir que fosse construído um muro na garagem da equipa para que as áreas de trabalho de um e de outro estivessem totalmente delimitadas e separadas.

“Há quatro ou cinco dias importantes para um piloto: o dia da estreia, a primeira vitória, o primeiro Mundial, que nem todos conseguem, e quando anuncias a tua retirada. Esse dia chegou para mim e estou aqui para anunciar que esta será a minha última corrida de Moto GP e que me retiro enquanto piloto profissional. Tudo começou quando tinha três anos, foram 20 anos de dedicação exclusiva à minha profissão. Ser tão perfecionista requer muita motivação e por isso, depois de nove anos na Yamaha, os melhores da minha carreira, senti que necessitava de uma mudança para manter esse compromisso. Decidi ir para a Ducati e isso deu-me um grande impulso, ainda que os resultados não tenham chegado logo. Não me rendi até chegar a essa primeira e maravilhosa vitória em Mugello perante todos os adeptos”, disse o piloto espanhol ao início da tarde desta quinta-feira, na conferência de imprensa em que tornou oficial o fim da carreira.

Até Márquez, Jorge Lorenzo foi o melhor piloto espanhol de sempre. Competiu com Pedrosa, destronou Rossi com a mesma mota que o italiano, foi campeão do mundo três vezes e nunca deixou que ninguém se esquecesse de que não era apenas um grande piloto. Esta quinta-feira, Lorenzo deixou as pistas depois de um ano em que ele próprio se esqueceu que não era apenas um grande piloto. E vai ter olhar para o capacete para recordar que foi e é um campeão.