Literatura e redes sociais estiveram em discussão este sábado no evento Arquipélago de Escritores, que decorre nos Açores, tendo Joel Neto afirmado que se a literatura “não vencer os grilhões do seu tempo” então “não serve para nada”.

“Se a literatura não conseguir reclamar para si o espaço onde seja capaz de viver e resistir, então ela não foi literatura. Não foi capaz de superar os entraves do seu tempo. Não consegui tocar as pessoas, por um lado e em primeiro lugar, em segundo lugar, também não conseguiu vencer os grilhões do seu tempo. Se a literatura não vencer os grilhões do seu tempo, não serve para nada”, avançou à agência Lusa o escritor no final da conversa intitulada “Tempo da literatura ‘versus’ tempo das redes sociais”, que decorreu em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel.

O autor de “A Vida no Campo” e “Arquipélago” disse que, apesar de os escritores poderem “viver perfeitamente sem redes sociais”, no seu caso, a utilização destas plataformas significou um aumento do número de leitores.

“Para alguns de nós, em abstrato, é uma ferramenta que propicia chegar a mais leitores e para alguns de nós, em concreto, tem sido uma ferramenta que tem somado leitores. A mim, tem-me somado leitores. Eu tenho mais leitores em resultado das redes sociais e isso é importante para mim, porque eu entendo que os meus livros se completam nos leitores”, assinalou.

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Sobre a possibilidade de as redes sociais roubarem potenciais jovens leitores de literatura, Joel Neto frisou a importância de existir “uma educação mediática” para crianças.

“É essencial haver uma educação mediática porque as crianças são confrontadas com coisas para as quais não estão preparadas e a formação, apesar dos seus solavancos, deve procurar ser harmoniosa, caso contrário acabará assimétrica e a pessoa nunca se concretizará”, apontou.

Outro dos escritores presente, João de Melo, em declarações à Lusa, frisou que o “problema do uso” das redes sociais depende de cada um dos utilizadores.

“Nos é que podemos dar destinos diferentes às redes sociais, porque elas, em si, são espaços de inocência: cada um faz delas o uso que muito bem entender. O problema do uso, isso depende da pessoa, é uma decisão pessoal”, destacou o vencedor do prémio Virgílio Ferreira em 2016, assinalando que se as redes sociais servirem para promover o “puro mexerico” têm “pouco interesse”.

O autor de “Gente Feliz com Lágrimas” (1988) e de “O Meu Mundo Não É Deste Reino” (1983) assinalou que a “literatura permanece” enquanto a “tecnologia da comunicação trabalha sobre o imediato”.

“Enquanto o mundo avança, a literatura permanece. Foi em substância o que se disse aqui. A literatura tem um código muito seu que vem da sua história anterior, desde do princípio da humanidade, e na sua forma mais recente, enquanto que todos os apelos, toda a tecnologia da comunicação trabalha sobre o imediato”, apontou, considerando ser importante um escritor abrir-se à modernidade: “Ai do escritor que não se abre à modernidade e às possibilidades que a técnica vai dando, sobretudo de gerir um pouco este novo conceito de humanidade e de sociedade que nós temos”.

Na sessão também participaram os escritores Leonor Sampaio da Silva, que destacou a importância das redes sociais para divulgar excertos literários (como forma de “higienizar” o conteúdo presente nas redes), e João Pedro Porto, que relevou a “reação imediata” que estas plataformas permitem ao contrário do que acontecia “no tempo passado”.

O evento literário Arquipélago de Escritores, que vai na segunda edição, depois da estreia em 2018, teve início na passada quinta-feira e decorre até domingo, na ilha de São Miguel, nos Açores.