O fenómeno Jorge Jesus no Brasil é especialmente e especificamente notório por um motivo: não se fala do treinador português quando o Flamengo joga, não se fala do treinador português quando ele fala, não se fala do treinador português na véspera das partidas. Fala-se do treinador português todos os dias, quer o Flamengo jogue ou não, quer o assunto esteja diretamente relacionado com o Flamengo ou não, quer o treinador português esteja diretamente envolvido ou não. E a passada sexta-feira foi o exemplo disso mesmo.

Na sexta-feira, a seleção brasileira perdeu um particular com a Argentina na Arábia Saudita. Mesmo sendo um jogo que para nada contava, os adeptos brasileiros não admitem que a seleção perca qualquer encontro com os argentinos: e atribuíram toda a responsabilidade a Tite, o selecionador que ainda não conseguiu ganhar qualquer jogo desde a conquista da Copa América (três empates e duas derrotas). Na ESPN brasileira, o comentador Jorge Nicola defendeu que é tempo de mudar a liderança da seleção brasileira e deixou desde logo o nome de Jorge Jesus, assim como o de Sampaoli, como um dos principais favoritos à sucessão.

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“Acho que já deu para o Tite e eu, se fosse presidente da Confederação Brasileira de Futebol, começaria a pensar na possibilidade de ter um treinador estrangeiro. Sugestões? Entre Sampaoli e Jesus, qualquer um deles seria capaz de, coletivamente, apresentar mais do que o que temos visto hoje em dia”, atirou o comentador. Até numa semana em que empatou no Maracanã com o Vasco da Gama e afastou a possibilidade de ser campeão já este domingo, Jorge Jesus é a principal carta a saltar do baralho para ser o substituto de Tite.

Este domingo, em Porto Alegre com o Grémio, o Flamengo encontrava a equipa que goleou há menos de um mês, na segunda mão das meias-finais da Libertadores. Meia-final que deu acesso a uma final que tem data marcada para o próximo sábado, dia 23 com o River Plate, e que era um dos principais motivos que explicavam o porquê de Jorge Jesus ter empreendido uma autêntica revolução no onze contra o Grémio. Sem possibilidades de festejar a conquista do Brasileirão em Porto Alegre, Jesus fazia oito alterações face à equipa que na quarta-feira empatou com o Vasco — ainda que cinco fossem forçadas. Arão, Gerson e Bruno Henrique estavam todos suspensos por acumulação de amarelos, PabloMarí e Vitinho tinham problemas físicos e Rodrigo Caio, Éverton Ribeiro e Rafinha também saíam do onze, onde estavam Gabigol, Arrascaeta, Reinier e Diego (mas uma defesa pouco rotinada, com Renê, Rhodolfo, Thuler e Rodinei).

O veterano Diego, que passou grande parte da temporada lesionado, foi titular contra o Grémio

Do outro lado, Renato Gaúcho tinha como objetivo vingar a goleada sofrida no Maracanã e roubar pontos ao Flamengo pela segunda jornada consecutiva, deixando a equipa do Rio de Janeiro com menos margem de manobra em relação ao Palmeiras. Na primeira parte, era visível que o Flamengo tinha o bloco bem mais recuado do que aquilo que é habitual e estava mais recuado, preocupado em defender bem primeiro e pensar em atacar depois. O Grémio tomou a iniciativa da partida, com mais posse de bola e a linha inicial de construção no meio-campo, e ia criando perigo principalmente a partir da procura da profundidade: as bolas entravam nas costas de Reinier e obrigavam Rhodolfo, aquele que era provavelmente este domingo o jogador mais modesto do Flamengo, a sair da posição em que se sente confortável. A velocidade de Everton, muito solto nas costas de Tardelli, ia sendo o principal problema da defesa de Jorge Jesus.

A estratégia do Flamengo passava por procurar as transições rápidas e uma espécie de jogo em formato elástico, em que o setor intermédio atuava junto à defesa mas depressa se estendia e tentava colocar a bola em Gabigol. Foi numa dessas investidas, através do corredor esquerdo, que a equipa de Jorge Jesus chegou à vantagem um pouco contra a corrente da partida: Gabigol cavou uma grande penalidade, por mão na bola de Léo Moura, e converteu o penálti (37′). Na ida para o intervalo, o Flamengo estava a ganhar apesar das diversas poupanças, apesar do bloco médio-baixo e apesar da escassez de oportunidades de golo — e até passou os últimos instantes da primeira parte totalmente embrenhado no meio-campo adversário, aproveitando a ausência de reação do Grémio ao golo sofrido.

Gabigol marcou o golo da vitória mas acabou expulso de forma inexplicável na segunda parte

Na segunda parte, o Flamengo entrou com as linhas mais subidas e com o objetivo de colocar algum gelo na partida, de forma a conseguir gerir a vantagem e não cometer erros desnecessários que pudessem colocar em causa a vitória. Jorge Jesus trocou Lucas Silva por Éverton Ribeiro, de forma a oferecer um músculo adicional a um meio-campo onde Reinier estava algo apagado e permeável e sem capacidade para desequilibrar. O encontro partiu por volta da hora de jogo — e o Flamengo, nesta altura, sentiu a falta de Bruno Henrique, o avançado que tantas vezes decide igualdades ou engrossa vantagens perigosas com lances rápidos em que é procurado na profundidade e nas costas das defesas adversárias.

O Grémio, que tinha visto Pepê — um dos melhores jogadores da equipa — entrar logo ao intervalo para o lugar de Tardelli, estava a aproveitar a crescente falta de discernimento do Flamengo, tendo em conta da falta de competitividade da maioria dos jogadores em campo, e Everton estava muito mais influente no segundo tempo do que havia estado até ao intervalo. No banco, Jesus percebeu que a equipa estava a perder todo o controlo da linha intermédia e a recuar cada vez mais para junto da própria baliza e ofereceu apoio a Piris da Motta, o elemento que estava a atuar no eixo da equipa e que estava a ser o pêndulo do grupo. Saiu Diego, totalmente esgotado, e entrou Vinícius Souza, o médio de 20 anos que é uma das grandes apostas do treinador português.

A 15 minutos do apito final, numa altura em que o Flamengo já mostrava dificuldades não só táticas e técnicas como também físicas, Gabriel Barbosa tornou a tarefa da equipa do Rio quase hercúlea ao ver dois cartões amarelos no espaço de segundos e deixar o grupo reduzido a dez elementos. O avançado viu o primeiro cartão ao protestar com o árbitro assistente e acabou por bater palmas à decisão, sendo expulso de imediato. Ao sair em direção ao balneário, enquanto era assobiado pelos adeptos do Grémio, provocou os adversários ao mostrar uma mão aberta, em referência à goleada por 5-0 que o Flamengo impôs à equipa de Porto Alegre na Libertadores. Ainda assim, e apesar do esforço total da equipa de Renato Gaúcho e da asfixia à defesa de Jorge Jesus, o Grémio não conseguiu chegar ao golo do empate até ao apito final e voltou a perder com o Flamengo, que jogou com uma equipa quase totalmente secundária.

Com esta vitória, o Flamengo igualou o Corinthians de 2015 enquanto equipa com mais pontos na história do Brasileirão (81), sendo que, quando ainda falta cinco jornadas, o mais provável é que esse recorde fique exclusivamente entregue à equipa do Rio. Em dia de aniversário, já que o Flamengo assinalava este domingo 124 anos de existência, tornou-se ainda o clube com mais jogos sem perder numa só edição do Campeonato (24, contra as 24 do Cruzeiro em 2014, do Corinthians em 2015 e do Palmeiras em 2016). E graças ao empate do Palmeiras, que não conseguiu vencer o Bahia, pode ser campeão brasileiro já no domingo, um dia depois da final da Libertadores e sem entrar em campo para o Brasileirão: para isso, basta que o Palmeiras empate ou perca com o Grémio nesse mesmo dia. Entre Libertadores e Campeonato, Jorge Jesus pode conquistar dois títulos com o Flamengo em 24 horas.