“Cada um é seus caminhos / Onde Sancho vê moinhos / D. Quixote vê gigantes / Vê moinhos? São moinhos / Vê gigantes? São gigantes” (António Gedeão, “Movimento Perpétuo”). Miguel Repas começou também por ser uma espécie de D. Quixote, um académico da área da biologia que “nunca trabalharia numa empresa”, admite. “A minha ambição era ser investigador académico. Trabalhar no setor empresarial era muito mal visto e nada desejado. Mas agora as coisas são diferentes, pois vejo na atividade empresarial uma liberdade e uma capacidade de executar projetos com impacto significativo na vida das pessoas, o que é muito aliciante. Traz-me também a possibilidade de viajar, de ter contacto com pessoas e conhecer os ecossistemas do mundo inteiro, o que, de outra maneira, não tinha sido possível. Isso é muito recompensador”.

Há cerca de 20 anos, a Strix dava os primeiros passos a caminho da especialização na implementação e monitorização de parques eólicos. Hoje, dá cartas no setor. Em 2008 desenvolveu uma aplicação pioneira, que permitiu viabilizar um parque eólico junto à aldeia de Barão de São João, no barlavento algarvio. Localizado numa via por onde passam mais de 4000 aves migratórias no outono (como aves de rapina e cegonhas) e que sobrevoam o parque em mais de 25.000 movimentos de voo individuais, o projeto de construção do parque já tinha sido chumbado algumas vezes.

Se o ponto de partida de implementação destes projetos é sempre o afastamento de zonas ambientalmente sensíveis, quando não há essa alternativa, a missão passa a ser conseguir que a fauna e flora e o parque coexistam. “Como tínhamos a reputação de ter uma taxa de aprovação de projetos de quase 100%, vieram ter connosco. Começámos a fazer estudos muito específicos e a olhar para o problema da migração das aves naquela zona, para tentar compreender com rigor a dimensão do problema e perceber se havia solução. Nunca tinha sido feito. Foi um trabalho muito exaustivo, estivemos mais de um ano a recolher dados no terreno e descobrimos coisas muito interessantes: esta população crítica só aparecia num período específico do ano muito delimitado (no outono), não vinham todos os seus elementos ao mesmo tempo e havia alturas do dia em que não se detetava qualquer movimento”. Sabiam agora que chegavam em grupos e que, se houvesse possibilidade de serem vistas à distância, antes de se aproximarem da zona do parque, poderiam fazer com que os aerogeradores deixassem de rodar. “Desta forma, aqueles não passariam de um poste inofensivo. Teríamos, então, de arranjar uma forma de ligar e desligar o parque eólico, na presença de risco de colisão”.

A solução foi encontrada: paragem seletiva de geradores com tecnologia de radar acoplada ou, em inglês, Radar Assisted Shutdown On Demand (RASOD). “O projeto nasceu e está em operação há 11 anos. Neste momento, o RASOD tem a maior taxa de proteção de aves do mundo. É um caso de sucesso reconhecido em todo o lado, e aparece nas guidelines internacionais. A metodologia de paragem dos aerogeradores está identificada como a melhor prática do setor. Isto pôs-nos no mapa, ganhámos reconhecimento e visibilidade internacional. Passámos a trabalhar para todo o mundo”, acrescenta.

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No início eram palavras

“Quando arranquei na empresa havia termos muito simples e elementares que eu não conhecia, como proposta ou adjudicação (uma palavra que fui ver ao dicionário para perceber do que se tratava). Foi com esse nível de conhecimento que comecei: não sabia palavras-chave e necessitei de passar por todo um processo de aprendizagem”. Era um biólogo a aproveitar uma oportunidade, sem abdicar dos seus valores. “Tive de mudar a minha linguagem, a minha maneira de olhar para os problemas, houve mudanças de paradigma e de mentalidade. Tiras o foco de ti e colocas no cliente que tem uma necessidade. Esta mudança óbvia, não estava pensada no início da atividade, em que era muito novo, inexperiente, vindo da academia. A mudança foi dura, abriu feridas, mas foi fundamental”. De qualquer forma, acrescenta ainda que o facto da empresa ser sua faz com que seja possível imprimir um cunho muito pessoal à atividade. “Há serviços que são feitos de uma determinada forma e não aceito que sejam feitos de outra maneira, porque não me revejo. Isso consigo fazê-lo e quem trabalha comigo partilha os mesmos valores, é uma equipa forte e isso ajuda a sentirmo-nos alinhados”.

Ventos de mudança

No decorrer dos projetos que foram desenvolvendo, adquiriram um manancial de informação impressionante. “Temos muito bem identificadas as zonas do planeta que são os principais corredores de migração das aves. Sabemos onde há recursos eólicos e interesse no investimento, e apontamos todas as nossas baterias para angariar trabalho nessas áreas, assim como dar apoio aos projetos e aos investidores que querem desenvolver projetos nessas regiões. Estamos a falar de toda a zona do Médio Oriente: Turquia, Líbano, Jordânia, Israel, Egito, Djibouti, Quénia, Tunísia. No Brasil e na República Dominicana também há muito interesse. Nós temos a solução que resolve o problema da colisão das aves e de aves migratórias, temos a experiência de a pôr em prática e podemos demonstrar que é possível em parques eólicos altamente produtivos parar as turbinas. Além disso, temos a experiência operacional. Agimos num hiper nicho muito especializado, somos procurados diretamente pelo cliente final. Esse é o nosso elemento diferenciador. Não precisamos de estar em todos os momentos em todos os projetos, mas temos soluções e serviços para todas as fases do projeto. Somos, sobretudo uma empresa ligada à inovação e à prestação de serviços muito especializados para o setor das energias renováveis. Acrescentamos valor porque sabemos até onde os projetos podem dar”, descreve Miguel Repas.

E o futuro?

O CEO da Strix acredita que a energia eólica é uma forma de aproveitamento energético muito eficiente, com um imenso potencial de crescimento e um papel fundamental na substituição da geração fóssil. Além disso, “é essencial para garantir a autonomia energética de países, como Portugal, que dependem energicamente do estrangeiro. É uma tecnologia mais madura e eficiente”. E não hesita em afirmar que “a nossa missão –aquilo que nos ocupa diariamente – é ajudar os projetos dentro do setor das renováveis a conseguir ultrapassar os desafios que enfrentam, a contribuir para a sustentabilidade global do planeta”. Agora que conhecemos, acreditamos que é uma missão ambiciosa, mas possível, para este biólogo de corpo e alma.