O pianista Fausto Neves lança na próxima sexta-feira, em Espinho, o livro Em torno de Lopes-Graça — Pensamento, Resistência, Criação, que aborda aspetos da vida do maestro, compositor e democrata português, cuja obra “subversiva” ainda não está devidamente explorada.

É essa a perspetiva de Fausto Neves, que, depois de analisar na sua tese de doutoramento a “imagem estética e expectativa musical” na obra de Fernando Lopes-Graça (1906-1994), aprofundou essa pesquisa para revelar agora, em 246 páginas e dezenas de fotografias, a mente criativa que tanto influenciou a sua própria carreira.

“Lopes-Graça foi um nome grande da música portuguesa, um cidadão e democrata exemplar, e um pensador ‘subversivo’ para os seus e para os nossos tempos — ainda à espera impaciente de cumprimento”, declara à Lusa o autor do livro editado pela Página a Página.

Fausto Neves parte assim da experiência retirada ao seu relacionamento pessoal com “a riqueza da personalidade de Lopes-Graça”, e cruza-a com aquele que é “o estado da arte atual sobre a sua obra e biografia”.

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A conclusão do autor do livro é que ainda há “bastantes factos e reflexões a trazer a público” sobre o homem que, além de pianista, compositor, maestro, diretor coral e melómano, foi também escritor e ativista político, tendo sido várias vezes encarcerado durante a ditadura do Estado Novo.

É com essa atividade extra-musical que Fausto Neves justifica o impacto de Lopes-Graça no seu próprio percurso pessoal e artístico: “A obra literária de Lopes-Graça e o magistério ético e humanista que a sua vida traçou responderam a muitas dúvidas que um jovem pianista clássico formado nos anos 80 tinha sobre a função social da Música, iluminando muitos dos critérios que hoje me guiam”.

Da análise às diversas facetas daquele que é considerado um dos maiores compositores portugueses do século XX resultaram assim os três valores-chave referidos no título no novo livro, o primeiro dos quais evocando o “Pensamento” de Lopes-Graça, que Fausto Neves descreve desta forma: “É sólido, coerente e conflituoso com o seu — e o nosso — dia-a-dia”.

Já a menção a “Resistência” surge “da ética e do humanismo desse mesmo pensamento”, pois Lopes-Graça “resistiu a tudo, desde aos cantos de sereia das modas até à polícia política, duas prisões e um desterro”. Sobreviveu ainda “aos preconceitos mais boçais e soezes” do século XX, opondo-se igualmente àquelas que considerava “as grandes cedências que o separavam do conforto e do à-vontade financeiro”.

Quanto à referência a “Criação”, esse segmento do título do livro alude à obra musical do compositor, que Fausto Neves diz “numerosa, heterogénea na funcionalidade e no destino instrumental ou vocal, e personalizada no som, na textura, na raiz sólida”.

Da complementaridade entre “pensamento, resistência e criação” ressalta que Lopes-Graça se empenhou na “luta incessante para encontrar e aplicar os melhores métodos para a disseminação da Música pelo grande público”, evidenciando nesse caminho “perseverança íntegra, corajosa e feroz — sem qualquer cedência a todas as manifestações de ignorância, boçalidade, intolerância e sordidez” que foi enfrentando no percurso.

Fausto Neves admite que o novo livro inclui um capítulo mais técnico dedicado em especial aos profissionais e estudante de música, integrando até “o manuscrito da última obra” de Lopes-Graça, mas acredita que, sob uma ótica política ou mais genérica, a publicação também agradará “a todos os outros interessados na sua personalidade” e em biografias inspiradoras.

O autor de “Em torno de Lopes-Graça — Pensamento, Resistência, Criação” é doutorado em Performance de Música, investigador do Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança (INET-MD) e docente na Universidade de Aveiro, no Conservatório e Escola Superior de Música do Porto, e na Academia e Escola Profissional de Música de Espinho.

Fausto Neves fez parte da equipa da Porto 2001, Capital Europeia da Cultura, criando e dirigindo o Serviço Educativo da Casa da Música.

Discípulo de Helena Sá e Costa e formado também por Robert Weizs e Harry Datyner, licenciou-se pelo Conservatório de Música do Porto, completou os seus estudos na Universidade Laval do Canadá e recebeu o Prémio de Virtuosidade enquanto aluno do Conservatório de Música de Genève, na Suíça — lecionando depois nesse estabelecimento de ensino e também no Conservatório de Sion.

Em palco, iniciou o seu percurso aos 14 anos e, em mais de cinco décadas de atividade regular, já colaborou com maestros como Arpad Gerezs, Gunther Arglebe, Álvaro Salazar, Kamen Goleminov, Fernando Eldoro, Marc Tardue, Ferreira Lobo, Philippo Zigante, Graça-Moura.

Convidado frequente dos mais relevantes organismos e festivais de música nacionais, atuou em salas da Suíça, Canadá, Espanha, França, Luxemburgo, Brasil e Itália, tendo gravado repertório para emissoras como a RTP, RDP e a brasileira TV Cultura.

Em 2006, nas celebrações do centenário de Fernando Lopes-Graça, interpretou em estreia absoluta quatro obras desse compositor: “Música Festiva n.º 20”, “Música Festiva n.º 23”, a versão final de “Música Fúnebre n.º 8” e a integral de “Música de Piano para Crianças”.