Portugal destinou, em 2018, 0,17% do seu Rendimento Nacional Bruto à ajuda pública ao desenvolvimento, valores que continuam a afastar o país do compromisso de 0,7% assumido para 2030, conclui um relatório apresentado esta quarta-feira em Lisboa.

O documento assinala também o que considera ser uma tendência crescente da ajuda pública multilateral, nomeadamente com o envolvimento da União Europeia, com desinvestimento na ajuda bilateral. O relatório “A Ajuda Pública ao Desenvolvimento Portuguesa e Europeia: um compromisso para o futuro?”, da Plataforma Portuguesa das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), faz uma análise das políticas de cooperação portuguesa e europeia e avalia a evolução da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD).

De acordo com o relatório, que tem por base dados preliminares do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em 2018, o total da ajuda pública ao desenvolvimento portuguesa representou 0,17% do RNB, o que revela uma descida relativamente aos 0,18% de 2017. “Portugal está, assim, mais longe do compromisso estabelecido no quadro da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável de alocar 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) à APD”, concluiu o documento.

Em 2017, a APD representou cerca de 337,8 milhões de euros, enquanto em 2018, foram canalizados aproximadamente 315,6 milhões de euros, o que coloca o país na 21ª posição entre 29 países em percentagem de RNB destinada à ajuda ao desenvolvimento, adianta o relatório. Suécia, Luxemburgo, Noruega, Dinamarca e Reino Unido continuam a ser os cinco países do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que já atingiram o objetivo de 2030.

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O relatório saúda uma descida progressiva, nos últimos anos, dos níveis de ajuda ligada aos interesses económicos portugueses, mas ressalva que Portugal permanece como um dos países com os níveis mais elevados deste tipo de ajuda. Em 2017, Portugal registou 69% de fluxos de ajuda pública desligada, percentagem que subiu para 75% em 2018.

Ainda assim, quando comparado o grau de desligamento da ajuda portuguesa com os restantes países, Portugal surge como o 7.º país cuja ajuda ao desenvolvimento é mais ligada à compra de bens e serviços portugueses. “O progressivo aumento do desligamento da APD está intimamente relacionado com a decisão do Governo de não estender a validade de um conjunto de linhas de crédito destinadas a empresas portuguesas”, aponta o relatório.

Destaca ainda o investimento crescente em ajuda pública através de organizações multilaterais, como as instituições europeias, agências das Nações Unidas ou bancos de desenvolvimento que, em 2018, representou 68% do total da APD portuguesa contra 32% de ajuda via bilateral. Em 2018, Portugal canalizou quase 217 milhões de euros para organizações multilaterais, contra cerca de 104 milhões de euros registados como ajuda bilateral. Ainda assim, estes valores representam uma diminuição relativamente a 2017, ano em que, segundo o relatório, se registou a maior contribuição de sempre da cooperação portuguesa para a APD multilateral, cerca de 236 milhões de euros. A maior fatia deste financiamento teve como destino a Comissão Europeia, 172,5 milhões de euros ou seja 79,6% de toda a APD multilateral.

Seguem-se os Bancos de Desenvolvimento, com destaque para o Fundo Africano de Desenvolvimento (10,4 milhões de euros) e o Banco Asiático de Desenvolvimento (com 9,8 milhões de euros), bem como o grupo do Banco Mundial, que foi um dos principais destinatários da APD multilateral portuguesa, no ano passado. A Plataforma Portuguesa das ONGD considera que este tipo de cooperação não deve ser sobrevalorizado em detrimento dos programas de cooperação bilateral, que o Governo continua a afirmar como prioritários. “A informação sobre os fluxos desde 2015 permite perceber que há um desinvestimento progressivo na APD bilateral e uma aposta cada vez maior na APD multilateral, tendência que pode colocar em causa décadas de investimento da cooperação portuguesa na sua relação com os países parceiros”, alerta o documento.

Os três principais países beneficiários da ajuda bilateral portuguesa continuam a ser Moçambique (40 nmilhões de euros em 2017 e 25 milhões de euros em 2018), Cabo Verde ( 24 milhões de euros em 2017 e 16 milhões em 2018) e Timor-Leste (13,7 milhões de euros em 2017 e cerca de 13,5 milhões de euros em 2018). Ainda nos 10 primeiros lugares do ranking surgem os restantes países de língua portuguesa, bem como Marrocos, Síria, Afeganistão e África do Sul. Angola surge, em 2018, com valores negativos, referentes ao reembolso de quase 20 milhões de euros de créditos concedidos por Portugal.

A modalidade de projetos concentra 71% da ajuda bilateral, representando 73,5 milhões de euros no ano passado. Seguem-se os custos com estudantes, estimados em cerca de 14,2 milhões de euros (14%), e as contribuições para programas e fundos específicos geridos por parceiros orçadas de 11,6 milhões de euros (11%). O apoio aos orçamentos gerais ou setorias dos países não foram além dos 500 mil euros e 250 mil euros, respetivamente.

Os dados preliminares indicam que 75% da ajuda foi disponibilizada através do Governo português, seguindo-se as instituições da União Europeia (8%) e as ONG nacionais (7%). As agências das Nações Unidas foram o quarto canal mais utilizado pela cooperação portuguesa, seguidas das ONG dos países beneficiários e outras instituições multilaterais.

A educação continua a ser o setor mais financiado, representando cerca de 47% da APD bilateral, seguida pelas linhas de crédito disponibilizadas aos países parceiros, que representam cerca de 10% da APD bilateral total.

A saúde, que em 2016, ocupava o quarto lugar como setor mais financiado, surge, em 2018, na 9.ª posição, tendo representado apenas 5,7% da ajuda bilateral, e ficado atrás, por exemplo, do apoio aos refugiados no país.