O funeral do músico José Mário Branco parte hoje à tarde da Voz do Operário, no bairro da Graça, para o cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

As cerimónias fúnebres tiveram início na quarta-feira e são retomadas quinta-feira, a partir das 11h, disse à Lusa o agente do músico, Paulo Salgado. O funeral partirá às 17h30 para o cemitério do Alto de São João, onde o corpo será cremado. Durante o velório, na quarta-feira, foi interpretada a música “A cantiga é uma arma”, de forma espontânea e emotiva, por antigos membros do Grupo de Ação Cultural (GAC) — Vozes na Luta, fundado por José Mário Branco, na década de 1970. No salão decorado com cravos vermelhos, o coro estendeu-se às dezenas de pessoas presentes e terminou com um aplauso.

Entre as figuras da cultura e da política portuguesas que se dirigiram à Voz do Operário na quarta-feira, contam-se o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, e a coordenadora nacional do Bloco de Esquerda, Catarina Martins.

Os músicos Sérgio Godinho e Fausto Bordalo Dias, o encenador Jorge Silva Melo, o realizador Bruno de Almeida, o humorista Ricardo Araújo Pereira, a fadista Kátia Guerreiro, o antigo dirigente político Mário Tomé e o diretor da Cinemateca, José Manuel Costa, também passaram pela Voz do Operário, assim como o fadista Camané, os músicos Mário Laginha e Carlos Barretto, o ator Carlos Paulo e o encenador João Mota, da Comuna — Teatro de Pesquisa.

Ao longo dos dois últimos dias, a obra de José Mário Branco tem sido recordada por diferentes personalidades. O Presidente da República recordou-o como uma voz inconfundível da geração de Abril, enquanto o primeiro-ministro, António Costa, o definiu como uma figura cimeira da música e da cultura portuguesas. A ministra da Cultura, Graça Fonseca, disse que “resistir, em Portugal, terá sempre um disco [do músico] como banda sonora”. O presidente da Câmara de Lisboa disse que a autarquia dará o nome do músico e compositor a uma artéria da cidade.

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Capicua, Paulo Furtado, Surma, Rodrigo Amado, Janita Salomé, Tó Trips, Adolfo Luxúria Canibal e Mário Laginha estão entre os músicos de diferentes gerações que expressaram à Lusa a sua admiração pela obra e o percurso de José Mário Branco, aquele que cantou o “paraíso perdido” pós-25 de Abril, como disse JP Simões, e que era “um mágico” no seu trabalho, como afirmou Rui Pato. Sérgio Godinho manifestou uma “dor muito profunda” pela morte do autor “riquíssimo e fundamental na música portuguesa”. Camané sublinhou os “valores de autenticidade e de verdade” da obra do compositor. E o rapper Chullage disse ter perdido “um amigo e uma referência, uma espécie de luz”, no seu percurso.

A Casa da Música, no Porto, recordou José Mário Branco como um nome “imprescindível” e “revolucionário”, e o editor Hugo Ferreira lembrou-o como caso único de um autor respeitado por todo o universo da música portuguesa, “do hip-hop ao metal, do jazz à música clássica”. Nas homenagens a José Mário Branco, destaca-se ainda a passagem contínua da sua composição “FMI”, pela Rádio Universidade de Coimbra, durante 12 horas, entre as 10h e as 22h de quarta-feira, com a mensagem “Até sempre, Zé Mário”.

Nascido no Porto, em maio de 1942, José Mário Branco morreu em Lisboa na noite de segunda para terça-feira, deixando um legado de mais de 50 anos de música e de inquietação, interventiva e militante. Permanece como um dos mais importantes autores e renovadores da música portuguesa desde o final dos anos 1960, num trabalho que também se estende ao cinema e ao teatro. “Ronda do Soldadinho”, “Queixa das Almas Jovens Censuradas”, “Mariazinha”, “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”, “Aqui Dentro de Casa”, “Margem de Certa Maneira”, “A Morte Nunca Existiu” são algumas das suas canções, anteriores ao 25 de Abril de 1974. Composições como “Eu Vim de Longe”, “Inquietação”, “Treze Anos, Nove Meses”, “Eu Vi Este Povo a Lutar”, “Ser Solidário”, “A Noite” deram continuidade à obra, assim como “Emigrantes da Quarta Dimensão (Carta a AJC)”, “Nem Deus nem Senhor”, “Canto dos torna-viagem”, “Amor gigante”, “Elogio de Caeiro”, “Fado em Dó Maior”/”Portugal agora é aqui”, “Mudar de Vida”. Foi fundador e dirigente da antiga União Democrática Popular e do Bloco de Esquerda.

Em 2018, completou meio século de carreira, tendo editado um duplo álbum com inéditos e raridades, gravados entre 1967 e 1999, que sucederam à reedição, no ano anterior, de sete álbuns de originais e um ao vivo, gravados de 1971 a 2004.

No ano passado, quando da homenagem que lhe foi prestada na Feira do Livro do Porto, José Mário Branco afirmou: “O que a gente faz é uma gota no oceano do grande caminho da Humanidade”.