Nas ruas do Funchal, na Madeira, dormem 72 pessoas sem-abrigo, um número que tem crescido e que é composto sobretudo por jovens dependentes de drogas, indicou a coordenadora do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA).

“O número varia todos os meses — a contagem é mensal — e tendencialmente está a subir”, disse Sílvia Ferreira, coordenada da delegação regional do CASA, instituição que integra o grupo de trabalho responsável pela avaliação dos sem-abrigo no arquipélago, juntamente com a Associação Protetora dos Pobres, a Associação Conversa Amiga e a Assistência Médica Internacional.

Segundo a responsável, além dos 72 sem-abrigo, que “pernoitam na rua”, estão ainda sinalizadas 22 outras pessoas que “não têm casa, estando em situações temporárias de alojamento”. Dessas 94 pessoas, quatro são estrangeiras (um inglês, um guineense, um polaco e um espanhol) e as restantes portuguesas.

Para combater este problema, a vereadora regional do Desenvolvimento Social, Madalena Nunes, disse à Lusa que o município tem “procurado complementar a ação da Secretaria Regional da Inclusão, Assuntos Sociais e Cidadania, com uma aposta não apenas na resposta a situações de emergência, mas que ajudem os sem-abrigo a sair da rua”. Também destacou que foram tomadas diversas medidas para a coordenação da ação com as associações e entidades oficiais que intervêm nesta área “para não haver duplicação de esforços”.

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A vereadora realçou que a câmara também tem “financiado parceiros” que ajudam os sem-abrigo a sair da rua”, promovendo um acompanhamento diário e personalizado, nomeadamente com a Associação Conversação Amiga (ACA), Porta Amiga (AMI), Centro de Apoio ao Sem Abrigo (CASA) e Associação Protetora dos Pobres.

A autarquia implementou ainda o projeto dos “cacifos solidários” e criou equipas técnicas de rua que ajudam durante o dia e a noite. Segundo a autarca, essas equipas efetuam um “trabalho diário de salvaguarda dos direitos sociais”, acompanhando estas pessoas aos serviços para requerer apoios, documentos, tratamentos médicos ou resolver problemas que tenham junto da Polícia de Segurança Pública (PSP).

Quanto ao perfil das pessoas que vivem na rua, Sílvia Ferreira indicou que sofreu alterações desde 2008, ano em que o CASA iniciou a atividade na região autónoma, passando maioritariamente de idosos com patologias mentais para jovens na faixa etária dos 20 anos. “Isto acontece devido às drogas químicas que são vendidas a 2,5 euros ou a cinco euros e que são legais”, alertou a responsável, vincando que a dependência destas substâncias transforma facilmente um jovem num sem-abrigo. A situação, sublinha, é “grave” e carece de “medidas estruturais”.

Quanto se encontram sob o efeito dessas drogas, ficam completamente alucinados, não conseguimos falar com eles. Houve semanas aqui complicadas, tivemos de chamar a polícia, queriam-nos bater. E não podemos fazer nada, a não ser esperar que o efeito passe”, lamentou.

A sede do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo está instalada no interior de um parque de estacionamento à entrada da cidade, onde também funciona a cantina social, que serve pequenos-almoços de segunda a sexta-feira e jantares todos os dias.

Três vezes por semana são também entregues cabazes de compras mensais a famílias carenciadas, num total de 600 agregados, muitos em risco iminente de se tornarem sem-abrigo. “Temos alguns casos de sucesso ao nível da reintegração e isso tem a ver com o acompanhamento e o elo de confiança que se cria entre a instituição, os voluntários e os utentes”, disse Sílvia Ferreira, afirmando que o processo decorre por vezes durante anos e sempre com “altos e baixos”.

A coordenadora do CASA destaca que, ao contrário das famílias carenciadas, o fenómeno dos sem-abrigo na região autónoma ocorre apenas no Funchal, embora muitas dessas pessoas possam ser originárias de outras zonas.

Quando iniciou a atividade no arquipélago, o Centro de Apoio ao Sem-Abrigo fornecia refeições quentes e embaladas nos arredores do Mercado dos Lavradores, no centro da capital madeirense, estendendo depois a sua ação aos concelhos de Santa Cruz (zona leste) e Ponta do Sol (zona oeste) no apoio a famílias carenciadas.

Atualmente funciona com quatro funcionários assalariados – coordenadora, assistente social, motorista e empregada – e 380 voluntários, responsáveis pela recolha de excedentes alimentares em vários hotéis e pastelarias e respetiva distribuição pelos utentes.

A vereadora do Desenvolvimento Social defende a “redefinição das prioridades na atuação”

Em 18 de novembro, o Presidente da República declarou o seu apoio ao Governo na “tarefa comum” de acabar com as situações de sem-abrigo até 2023. Madalena Nunes sublinhou que “o Funchal enaltece o mérito desta posição”, que vem “conferir notoriedade a este problema de uma forma digna, congregando vontades políticas e potenciando ações”.

À agência Lusa, Madalena Nunes opinou que a solução “passará sempre pelas instituições otimizarem o seu trabalho em rede, ultrapassando a falta de abertura institucional que muitas vezes existe”. A vereadora também defendeu a “redefinição das prioridades na atuação” e que a resposta deve centrar-se, “não nas situações de emergência, mas em soluções que os ajudem a sair efetivamente da rua”.

Questionado pela Lusa, o Governo Regional da Madeira realçou que, para o período 2019-2023, tem como eixos prioritários “proteger e reinserir as pessoas em situação de sem-abrigo”, dando continuidade ao Plano Regional para estas pessoas, “garantindo sempre uma intervenção interinstitucional, instituindo medidas de prevenção, proteção e integração, articuladas entre os 20 parceiros do Plano (organismos públicos e privados)”.

O executivo insular, através da secretaria da Inclusão, Assuntos Sociais e Cidadania, confirmou que “vai ampliar a rede de parcerias e de respostas sociais”, perspetivando apoiar “projetos inovadores de inserção social para os sem-abrigo e reforçar as equipas de rua destinadas à identificação e apoio às pessoas em situação de sem-abrigo”.

O Governo Regional da Madeira continuará atuante e atento a esta realidade”, numa intervenção de “alinhamento com as ‘áreas muito sensíveis e prioritárias’ que o Presidente da República apontou”, acrescentou.

Na resposta à Lusa, o Governo Regional preconiza a criação de um centro de acolhimento noturno, a integração dos sem-abrigo em programas de emprego, o projeto piloto de construção de habitações para alojamento definitivo, além de “novas medidas” no âmbito do Plano Regional de Integração da Pessoa em Situação de Sem-Abrigo, que “no seu primeiro ano de implementação (começou em de maio de 2018), alcançou uma execução de cerca de 70%”.