Em agosto, na altura do sorteio que ditou o quadro final da fase de grupos da Liga dos Campeões desta temporada, os adeptos portugueses de futebol deliraram com o encontro embrionário entre a Juventus de Cristiano Ronaldo e o Atl. Madrid de João Félix. Afinal, estávamos a falar daquele que é considerado o melhor jogador português de todos os tempos e também daquele de quem se espera que seja o melhor jogador português dos próximos tempos. O rei e o herdeiro, por assim dizer. Mas o encontro entre um e outro acabou por deixar a desejar.
Logo na jornada inaugural da Liga dos Campeões, Juventus e Atl. Madrid empataram no Wanda: os portugueses foram ambos titulares mas nenhum marcou, deixando essa tarefa para Cuadrado e Matuidi de um lado e Savic e Herrera do outro. A segunda reunião, marcada para Turim e para esta terça-feira, acontecia então mais de dois meses depois da última: e muito aconteceu desde que o médio mexicano ex-FC Porto cabeceou para evitar a derrota da equipa de Simeone já em cima do apito final.
Desde logo, o facto de João Félix estar nesta altura ainda a regressar aos relvados e à competição depois de ter estado afastado durante seis semanas, graças a uma lesão no tornozelo que o tirou das opções do Atl. Madrid. Do outro lado, Cristiano Ronaldo jogava esta terça-feira pela primeira vez desde que, depois de ser substituído frente ao AC Milan, abandonou o estádio antes do fim da partida e sem passar do banco de suplentes — criando uma espécie de irritante entre treinador, direção e jogador que terá ficado sanada internamente mas que continua na ordem do dia graças às perguntas dos jornalistas sempre que Maurizio Sarri se senta numa conferência de imprensa. O avançado português, que aparecia com um look que já tinha experimentado durante o intervalo do jogo da Seleção com a Lituânia, pedindo emprestada a fita de Gonçalo Paciência, tornava-se ainda o segundo jogador com mais presenças em partidas de competições da UEFA, só abaixo de Iker Casillas (tem 175, mais uma do que Maldini e menos 13 do que o espanhol).
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— UEFA Champions League (@ChampionsLeague) November 26, 2019
À parte isso, a Juventus entrava em campo esta terça-feira com a certeza do apuramento para os oitavos de final, enquanto que o Atl. Madrid precisava ainda de carimbar esse mesmo passaporte. Encontravam-se em Turim duas equipas que têm tido dificuldades para impor uma consistência exibicional e uma coerência dentro de campo que acabe por ir ao encontro dos resultados que, de uma forma ou de outra, vão conseguindo: os italianos têm sobrevivido a vários sustos jornada após jornada na Serie A, resolvendo normalmente o resultado já nos instantes finais, e os espanhóis têm mais empates do que vitórias na liga espanhola, beneficiando apenas da irregularidade de Barcelona e Real Madrid para estarem apenas a três pontos da liderança.
Maurizio Sarri optava por não lançar Higuaín, que no fim de semana bisou contra a Atalanta, no onze inicial, dispensando então a referência ofensiva destacada. Era Dybala, muito mais móvel do que o avançado ex-Chelsea, que fazia companhia a Cristiano Ronaldo na frente de ataque — os dois jogadores eram ainda apoiados por Ramsey nas costas, que funcionava como uma espécie de ’10’ que fazia a ligação entre o setor intermédio e o mais adiantado. Do outro lado, João Félix ainda não era titular e Vitolo aparecia ao lado de Morata, com Saúl e Partey, ambos ausentes do jogo com o Granada por castigo, de regresso ao meio-campo de Simeone.
Sem os dois habituais laterais, Cuadrado e Alex Sandro, eram Danilo e De Sciglio quem assumia os corredores da defesa da Juventus, com especial prioridade e desenvoltura no direito, onde apareciam Bentancur e Cristiano Ronaldo à procura de movimentos interiores. A equipa de Sarri cedo demonstrou que queria tomar conta dos desígnios do jogo e colocou-se de forma muito mais ofensiva do que o Atl. Madrid, que respondia ao defender com as linhas muito próximas e com os blocos totalmente recuados no próprio meio-campo, à espera de espaço e oportunidades para explorar a transição ofensiva.
O espaço dado pela linha defensiva espanhola a Pjanic, que tinha largura e tempo para ponderar e pensar os movimentos atacantes da Juventus, fez com que o Atl. Madrid tivesse alguma dificuldade em conter as investidas adversárias durante o primeiro quarto de hora: ainda assim, a equipa de Simeone depressa corrigiu essa benesse e foi obrigando os italianos a alargar o jogo para as alas, fechando por completo a faixa central onde Pjanic, Ramsey e Dybala estiveram muito móveis no período inicial. Numa altura em que já se pensava no intervalo e ainda sem uma verdadeira ocasião de golo — o Atl. Madrid tinha mais remates mas quase todos desenquadrados e de longe –, Dybala acabou de coroar aquela que tinha sido uma primeira parte acima da média com um golo, também ele, acima da média. No último lance do primeiro tempo, o avançado argentino bateu de forma direta um lance muito puxado à linha de fundo, na direita, e surpreendeu Oblak (45+2′).
FENOMENAL! O livre de Dybala que colocou a Vecchia Signora na frente ???? Vê o golo aqui ???? https://t.co/5V4bf6jkSx #ChampionsEleven #ForTheFans pic.twitter.com/saniFKaHqe
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Depois do intervalo, o Atl. Madrid precisava de inverter uma lógica que, na primeira parte, se tinha preocupado mais com não sofrer golos do que propriamente com marcá-los. Da Juventus, a ganhar e já com o apuramento garantido, esperavam-se as linhas mais recuadas e reticentes, prontas para gerir o resultado sem nunca afastar a hipótese de engordar a vantagem. Os espanhóis continuaram a pressionar muito alto, a tentar provocar o erro do adversário, mas com a equipa muito mais esticada do que na primeira parte — a primeira prova de que iam à procura do empate surgiu logo nos instantes iniciais, com um remate forte de Saúl depois de um canto que Szczęsny defendeu com dificuldade (50′).
João Félix entrou pouco depois, para o lugar de Vitolo, e colocou-se ao lado de Morata — mais à semelhança do local onde atuou no início da temporada e ao contrário do mais habitual na altura em que lesionou, no meio-campo e mais perto da ala. A Juventus teve alguma dificuldade em entrar bem na segunda parte, permitindo inúmeras recuperações de bola por parte do Atl. Madrid e esbarrando na primeira linha de pressão espanhola, longe da zona de influência de Dybala ou Ronaldo. A equipa italiana chegou à hora de jogo muito desconfortável, sem posse de bola, e a fazer antecipar um golo do conjunto de Simeone (e até um golo de Félix, que rematou duas vezes em escassos minutos).
Simeone fez all in ainda antes do minuto 70, ao esgotar as alterações para lançar Correa e Lemar nos lugares de Herrera e Lodi, prescindindo de um médio para colocar três elementos no ataque. Do outro lado, Bernardeschi substituiu um apagado Ramsey e atirou uma bola ao poste quase de imediato (67′), deixando claro que poderiam ser as individualidades da Juventus a criar o segundo golo na ausência de um esclarecimento coletivo. O lance do jogador italiano acabou por empurrar a equipa para a frente, aliviando de certa forma a pressão do Atl. Madrid que se fazia sentir desde o início da segunda parte e que estava a estagnar a construção do conjunto de Sarri.
Até ao final, Higuaín ainda entrou para o lugar de Dybala, Cristiano Ronaldo cumpriu os 90 minutos e Morata falhou o empate de baliza aberta no último instante. A Juventus venceu novamente os colchoneros em casa — depois da temporada passada, com o hat-trick histórico de Ronaldo — e garantiu o primeiro lugar do grupo, enquanto que a equipa de João Félix continua sem assegurar a passagem aos oitavos e tem agora o Bayer Leverkusen a apenas um ponto.