O presidente da Fundação Oriente, Carlos Monjardino, considera que em Macau nunca existirá uma situação parecida com a de Hong Kong, porque a sociedade local é “fraca”, reflexo duma administração portuguesa mais permissiva em relação à China.

“Em Macau não vai haver nunca uma coisa igual ou parecida ao que aconteceu em Hong Kong”, afirmou Carlos Monjardino, em entrevista à Agência Lusa.

Na antiga possessão portuguesa “não há fagulhas” e as sociedades civis dos dois territórios do Delta do Rio das Pérolas não têm nada a ver uma com a outra: “uma é muito forte, a de Hong Kong, a de Macau é fraca”. Para o presidente da Fundação Oriente e antigo número dois do governo de Macau nos anos de 1980, a diferença tem apenas uma explicação: “os ingleses e os portugueses são completamente diferentes e tudo o que foi implementado em Macau tem claramente a ver connosco e o que foi implementado em Hong Kong tem a ver com os ingleses”. Ora, “os ingleses têm uma mentalidade completamente diferente da nossa”, rematou.

Por isso, “a sociedade de Macau aceita mais algumas imposições de Pequim”. E os chineses “acham que Macau é um bom aluno, em contraponto ao que se passa em Hong Kong”.

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Para Carlos Monjardino, “a questão dos protestos em Hong Kong começou por uma pequena fagulha”, numa referência ao projeto de lei, apresentado em abril, que permitiria a extradição de suspeitos de crimes de Hong Kong para a China continental e que esteve na origem das manifestações e protestos violentos desde junho. Essa “decisão de as pessoas de Hong Kong poderem ser mandadas para serem julgadas na China, obviamente foi um disparate”, considerou Monjardino.

E para o presidente da Fundação Oriente a medida faz parte de “um processo que o Presidente da China tem como um dos principais objetivos no mandato, a reunificação”. “Só que as coisas não podem ser feitas assim”, defendeu.

Para Monjardino, todo o processo “foi bastante mal gerido” pelas autoridades: “A senhora que está em Hong Kong, coitadinha, procura fazer o melhor que pode, mas não consegue, até porque não é ela que decide, quem decide é Pequim”. Carrie Lam “aguentou o primeiro embate até ao máximo, até que Pequim percebeu que não podia continuar a insistir”.

Em Macau, a extradição de cidadãos para serem julgados na China acontece “há muito tempo”, disse. “Já nos tempos em que eu estava em Macau (…) havia pessoas que tínhamos de recambiar para a China, alguns ilegais”, recordou.

A eventual proteção jurídica aos cidadãos que vivem em Macau para não serem julgados sob o regime continental é algo que “não “está previsto, especificamente”, explicou Carlos Monjardino. Assim, “quando havia um caso de um crime grave perpetuado na China e a pessoa depois se vinha refugiar em Hong Kong ou em Macau, a China tinha razão de pedir a sua extradição”, relatou “O problema é que se misturam as coisas que são graves com as que não são graves e há casos que a China quer julgar do outro lado, embora a gente tenha uma justiça completamente diferente deste lado”, sublinhou.

Por isso, diz ter sido crítico relativamente a “alguns governos de Macau”, precisamente pela “permissividade com que encararam, sempre, algumas das exigências por parte de Pequim.” No tempo em que esteve em Macau, lembra-se do caso de um indivíduo que Pequim pediu para ser entregue e julgado na China continental. No dia seguinte, o governo do território de Macau, ainda sob administração portuguesa, soube que esse cidadão tinha sido julgado sumariamente. “Nós soubemos que naquela noite ele foi morto junto das Portas do Cerco”, na fronteira, afirmou.

Porém, assegurou, que um cidadão chinês “não é tratado da mesma maneira” pela China que um cidadão que “tenha passaporte português”. “Como a maioria dos macaenses têm passaporte português, esses têm uma proteção natural. Agora, os chineses que estão a viver em Macau não”, sublinhou.

Segundo os críticos e alguns analistas o controverso projeto Lei de Hong Kong poderia expor a população a julgamentos injustos e tratamento violentos, além de proporcionar à China maior influência sobre Hong Kong.

A líder de Hong Kong, Carrie Lam, disse esta segunda-feira que vai ouvir com “humildade e seriedade” a sociedade depois da esmagadora vitória dos candidatos pró-democracia nas eleições de domingo sobre o campo pró-Pequim.