O estado do Ohio, nos Estados Unidos da América, apresentou um projeto de lei que obriga os médicos a “reimplantarem embriões de uma gravidez ectópica”, um procedimento que a comunidade científica diz ser “impossível”. Os médicos que não cumpram podem, segundo prevê o diploma, ser condenados a prisão perpétua ou, no limite, a pena de morte.

Para perceber melhor o imbróglio originado pelo projeto de lei, apresentado por dois membros do partido Republicano, importa perceber o que é uma gravidez ectópica — uma gravidez em que o embrião se desenvolve fora do útero, geralmente na trompa de Falópio (que liga os ovários ao útero). Mas vamos por partes. O ovário liberta um óvulo que segue depois pelas trompas de Falópio. É geralmente aí que a fecundação do óvulo por um espermatozoide acontece, implantando-se no útero. Só que se a trompa estiver bloqueada (por exemplo, devido a uma infeção), o óvulo fecundado pode permanecer na trompa, acabando por aí se desenvolver, o que pode ser fatal para a mãe. A única solução é retirar o embrião.

O que quer agora o estado do Ohio? Que esse embrião, depois de removido das trompas de Falópio, seja “reimplantado” no útero.

Esta é a segunda vez que os legisladores no Ohio insistem na matéria. E a segunda vez que os obstetras e ginecologistas tentam explicar que o procedimento é “medicamente impossível”. “Não acredito que estou a escrever isto outra vez, mas isto é impossível”, escreveu o obstetra David Hackney na rede social Twitter. “Iremos todos para a prisão.”

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O projeto de lei define que um óvulo fertilizado é um feto. E vai mais longe: prevê que médicos, mulheres e adolescentes a partir dos 13 anos possam ser condenados a prisão perpétua por “homicídio por aborto” [“abortion murder”]. Um outro crime previsto no diploma é “homicídio por aborto agravado” [“aggravated abortion murder”].

Segundo Daniel Grossman, investigador, reimplantar um óvulo fertilizado ou um embrião é “pura ficção científica”. Entre 1% e 3% das gravidezes são ectópicas.

“Infelizmente, uma gravidez ectópica não pode ser reimplantada no útero. Nós simplesmente não temos a tecnologia. Por isso, sugiro que removam este procedimento do vosso projeto de lei, dado que é pura ficção científica”. O especialista acrescenta que o diploma “é perigoso a vários níveis, uma vez que cria ainda mais obstáculos a que as pacientes façam um aborto seguro”.

O estado conservador do Ohio está a implementar uma série de leis para proibir o aborto. Em abril, o Ohio aprovou uma lei que proíbe o aborto a vítimas de violação ou incesto.