A história da reviravolta do Tottenham frente ao Olympiacos, a meio da semana para a Liga dos Campeões, teve um herói improvável que depressa se tornou o centro das atenções. No momento do segundo golo da equipa de José Mourinho, que empatou o resultado e acabou por catapultar a remontada inglesa, foi a rápida ação de um apanha-bolas que acabou por resultar no lance de Harry Kane. Assim que o avançado marcou, Mourinho dirigiu-se ao jovem, agradeceu-lhe e abraçou-o. No final da partida, depois de outro golo de Kane e ainda um outro de Aurier que acabaram por garantir a vitória do Tottenham, o apanha-bolas era um dos pontos fulcrais da partida.

Até pela voz de José Mourinho. Na conferência de imprensa, após o jogo, o treinador português agradeceu publicamente ao apanha-bolas e até revelou que foi à procura do jovem na altura do apito final mas que já não o encontrou. O Tottenham, como seria de esperar, descobriu rapidamente quem era o apanha-bolas: Callum Hynes, de 15 anos, joga na formação do clube londrino e acabou por revelar que quando Mourinho falou na conferência já estava a caminho de casa com os pais porque tinha “teste de matemática no dia a seguir”.

Este sábado, na primeira partida de Mourinho em casa para a Premier League ao serviço do Tottenham, Callum Hynes foi o convidado de honra da refeição pré-jogo da equipa e comeu com toda a equipa e o restante staff. A maior recompensa parecia entregue: mas só ficaria completa com uma vitória frente ao Bournemouth, para não perder mais caminho na Premier League e ainda garantir uma aproximação aos lugares cimeiros, já que o Manchester City tinha empatado com o Newcastle. Face ao jogo europeu com o Olympiacos, Mourinho trocou Danny Rose, Winks e Lucas Moura por Vertonghen, Ndombélé e Sissoko e manteve a aposta total no trio Alli, Son e Kane, os grandes arquitetos do sucesso do treinador português nos dois primeiros encontros com o clube.

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Depois de uma semana em que muito se falou sobre o facto de o Tottenham ter sido mais rápido e pragmático do que o Arsenal — despediu Pochettino uma semana antes de os gunners despedirem Emery e garantiu Mourinho, um treinador que também interessava no Emirates –, o português ia à procura da terceira vitória em três jogos que não só traria uma consistência que tem faltado à equipa como também confirmaria o sucesso imediato da troca no comando técnico.

Depois de um certo ascendente do Bournemouth nos primeiros instantes da partida, com Gazzaniga a defender com os olhos um remate na diagonal que passou a rasar o poste da baliza, o Tottenham conseguiu chegar de forma progressiva à área contrária, instalando-se confortavelmente no meio-campo adversário. Son e Alli, a frutífera dupla que na última semana tem sido interpretada como o maior exemplo da injeção de qualidade que Mourinho levou para Londres, iam sendo os principais dinamizadores da equipa e os elementos em especial relevância — a par de um entrosado Sissoko que aparecia bem nas costas de Harry Kane.

O inaugurar do marcador acabou por surgir na sequência de um passe longo de Alderweireld, a partir do setor mais recuado, que encontrou Son e Dele Alli em progressão em direção à grande área. Com um ligeiro toque fulcral que revela toda a qualidade técnica que tem, o sul-coreano assistiu o inglês, que atirou de primeira para bater Ramsdale (21′). Naquela que foi a melhor fase do Tottenham na partida, o central Sánchez aumentou a vantagem pouco depois mas o lance acabou por ser anulado pelo VAR porque o colombiano ajeitou a bola com a mão (26′).

O Bournemouth não capitulou depois do golo sofrido e poderia ter chegado ao empate até ao intervalo — ainda assim, a equipa de Mourinho conseguiu levar para o balneário uma vantagem mínima importante que abria caminho a um início de segunda parte à procura do segundo golo para não arriscar sustos desnecessários. Callum, o apanha-bolas, estava a meio caminho da recompensa completa: e até já tinha sido novamente cumprimentado pelo treinador português, que festejou com ele o golo de Dele Alli.

Na segunda parte, o Tottenham não precisou de mais do que cinco minutos para esboçar um desenho em tudo semelhante ao do primeiro golo e chegar ao segundo. Alderweireld voltou a lançar uma bola longa a partir da defesa e desta vez Dele Alli nem precisou de assistências, já que dominou com o peito e avançou sozinho para bisar pela primeira vez desde abril do ano passado (50′). O jogador inglês, que há dois anos surgiu no grupo de Mauricio Pochettino como jóquer e assim acabou por garantir um lugar regular na seleção de Gareth Southgate, parece renascido com José Mourinho: depois de já estar muito apagado na temporada passada, mesmo na caminhada dos spurs até à final da Liga dos Campeões, foi um dos expoentes do mau aproveitamento do Tottenham no início da época e tinha perdido a capacidade de ser decisivo e preponderante. Novamente oportuno, Dele Alli — a quem Mourinho pediu, logo nos primeiros dias em Londres, para jogar “como ele próprio e não como um irmão do Dele Alli” — marcou pelo segundo jogo consecutivo, leva três golos com o português e é a estrelinha da sorte que o treinador procurava.

Sissoko, a coroar uma boa exibição e depois de mais uma grande assistência de Son, ainda fez o terceiro golo do Tottenham e marcou pela primeira vez em dois anos (69′) — ainda que a equipa não tenha conseguido evitar o encurtar da desvantagem por parte do Bournemouth, por intermédio de Harry Wilson, que também bisou (73′ e 90+6′) . José Mourinho somou a terceira vitória em três jogos pelos spurs, aproveitou o deslize do Manchester City e ainda fica à espera de saber os resultados do Chelsea e do Burnley para perceber se também arranca pontos a adversários diretos. O treinador português têm os adeptos e os jogadores do seu lado, ganhou um novo jogador em Dele Alli e exponenciou a qualidade de Son, que voltou aos melhores momentos da temporada passada. Mesmo com uma notória — e, a espaços, preocupante — quebra de rendimento nas retas finais dos encontros, a verdade é que o Tottenham conseguiu encontrar uma coerência e uma consistência que ainda não tinha aparecido em Londres este ano. E é por isso que no Emirates, do lado de Arsenal, se suspira agora por José Mourinho.