Sem adeptos, sem transmissão para Portugal (pelo menos no Canal 11, que transmitiu todos os jogos da era Jesus mas viu agora a proposta recusada), sem Everton Ribeiro, sem medo de bater mais recordes. Depois da conquista da Taça dos Libertadores e do Campeonato, o Flamengo conseguiu golear na ressaca dos festejos o Ceará no Maracanã por 4-1 mas tinha agora, na antepenúltima jornada da prova, uma das deslocações mais complicadas e curiosamente num estádio onde nunca conseguiu ganhar, o Allianz Arena (dois empates, duas derrotas). No entanto, mais do que a rivalidade com o Palmeiras, um triunfo em São Paulo era muito mais do que isso.

A começar desde logo pela questão dos golos: depois do hat-trick de Bruno Henrique e mais um de Vitinho, o novo campeão brasileiro ficou apenas a um de estabelecer um recorde na prova desde que se disputa no atual formato, a 20 clubes com duas voltas, tendo já igualado a campanha do Cruzeiro em 2003. E ainda nesse particular, a melhor diferença de golos, com o Flamengo a ter 46 contra 40 do Cruzeiro em 2013 e do Corinthians em 2015. Depois, o número de encontros consecutivos sem derrotas, com o Flamengo a poder igualar a série de 23 feita no ano passado pelo Palmeiras, o ex-campeão com Luiz Felipe Scolari no comando. E, já agora, o menor número de derrotas, com os rubro-negros a terem apenas três desaires a três jornadas do final com o melhor registo a ser de quatro, do São Paulo (2006) e do Palmeiras (2018). Tudo isto só para falar nas marcas coletivas.

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Jorge Jesus nunca foi propriamente um daqueles treinadores que motivam ou tentam inspirar a equipa com os números e os recordes que podem alcançar (e há muitos assim, com melhores ou piores resultados) mas, quando faltam apenas três jogos para o final do Campeonato e é importante manter a equipa focada tendo em vista o Mundial de Clubes, também não passou ao lado dessas mesmas marcas. Numa altura em que continua a ser um herói por onde passa – ou onde vai, como aconteceu quando visitou a ala pediátrica do INCA (Instituto Nacional do Cancro) no Rio de Janeiro, deixou presentes, tirou fotografias, deu autógrafos e saiu com a promessa de que fará reverter o dinheiro da sua biografia para a instituição –, o português prolongou o estado de graça com um triunfo claro sobre o Palmeiras de Mano Menezes (que antes do jogo foi ao balneário contrário dar os parabéns pelos títulos) no dia em que os Sub-20 do Mengão se sagraram também campeões… frente ao Palmeiras.

Mantendo os melhores dos melhores – ou pelo menos os mais utilizados no onze base – à exceção das únicas alterações forçadas (Rodolpho no lugar de Pablo Marí, Vitinho em vez de Everton Ribeiro), o Flamengo demorou apenas quatro minutos para inaugurar o marcador e numa jogada que mostra bem um dos segredos para a equipa estar no atual momento: com Gabriel Barbosa lançado em profundidade nas costas da defesa do Palmeiras e com tudo para marcar, o goleador da equipa de Jorge Jesus e do Campeonato preferiu tocar apenas para o lado onde Arrascaeta encostou fácil para o 1-0. Melhor início era difícil mas, ao contrário do que aconteceu por exemplo com o Vasco da Gama, os rubro-negros não mais perderam o controlo do jogo.

Gabigol, com um remate de fora da área desviado por Jailson para canto, deixou um primeiro aviso antes de Bruno Henrique, na sequência de um canto e de um primeiro desvio de Rodrigo Caio, ficar também perto de marcar (20′). Bastava o Flamengo acelerar para criar mossa na defesa do Palmeiras, que foi aguentando também pela grande exibição do seu guarda-redes que, depois de mais uma intervenção a cabeceamento de Vitinho após cruzamento de Rafinha da direita (32′), travou também o último toque de Gabigol no seguimento de uma combinação entre Vitinho e Bruno Henrique. O intervalo parecia chegar com a diferença mínima mas à terceira foi de vez e Gabigol, que reforçou o estatuto de melhor marcador, aumentou mesmo a vantagem para o Flamengo (45+1′).

O ambiente no Allianz Parque era tudo menos pacífico – e a facilidade com que o Mengão chegou ao segundo golo, com Rafinha a cruzar, Arrascaeta a assistir sem deixar cair a bola e Gabigol a rematar de primeiro cruzado sem hipóteses, ainda nada ajudou a acalmar os ânimos. Sem a presença de adeptos visitantes por questões de segurança (apesar de a equipa ter ido agradecer a uma parte da bancada vazia), os seguidores da casa mostravam o seu desagrado e, depois de terem o técnico Mano Menezes como principal alvo, viraram-se também para uma das figuras da equipa, Lucas Lima, e para o próprio presidente, Maurício Galiotte.

O arranque da segunda parte poderia fazer diferença no rumo do jogo mas aquilo que aconteceu foi mais do mesmo e com outro golo a abrir: a pressão alta do Flamengo deu frutos, Gabigol recebeu a bola em boa posição e, com um remate ao ângulo, fez o 3-0 que praticamente sentenciou o encontro, permitindo a Jesus ter outro tipo de gestão no plano físico e adensando a contestação dos adeptos do Palmeiras nas bancadas. O máximo que os visitados conseguiram foi mesmo reduzir para 3-1 a sete minutos do final por Matheus Fernandes, já depois de William ter atirado a segunda bola à trave da baliza de Diego Alves (também ele com novo look).

Quando faltam apenas duas rondas para o final do Campeonato, o conjunto do Rio de Janeiro leva já 19 pontos de avanço do Palmeiras e do Santos, que joga apenas esta noite com a Chapecoense – e tem mais esse recorde na mira. Porque outro foi batido: Gabigol superou os 23 golos de Jonas (2010) e Borges (2013) num Campeonato.