O bastonário da Ordem dos Médicos disse que o obstetra Artur de Carvalho, que acompanhou a gravidez da mãe do bebé sem rosto, tem um total de 14 queixas pendentes na Ordem dos Médicos.

“Estarão em averiguação 14 queixas, foi esta informação que foi dada pelo Presidente do Conselho Disciplinar [do Sul]”, disse Miguel Guimarães ao Observador, após ter sido ouvido, esta manhã, na Comissão da Saúde, a propósito do caso do bebé que nasceu com várias malformações no Hospital de Setúbal.

O bastonário avançou com este dado ainda na audição — mas já no final. Esclareceu depois, em declarações aos jornalistas, que isto lhe foi dito esta quarta-feira pelo presidente do Conselho Disciplinar do Sul e que “a maior parte” destas queixas chegaram à Ordem dos Médicos depois de ser conhecido o caso do bebé que nasceu com graves malformações no Hospital de Setúbal, no início de outubro.

“Quando esta situação começou, o número de queixas que existia sobre o médico em questão eram cinco, sendo que a mais antiga era de 2013. Entrou a do caso do bebé sem rosto — até fui eu que fiz na altura a queixa — e a partir daí, há outras senhoras que tinham feito ecografias com o mesmo médico e que se estão a queixar.”

Estes cinco processos datam de 2013, 2014, 2015, 2017 e 2019. Além destes, há também a queixa relativamente ao caso do bebé sem rosto e ainda mais uma, que deu entrada no mesmo dia que a deste bebé — e sobre a qual nada se sabe. Ou seja, desde então, deram entrada mais sete queixas contra Artur de Carvalho, o especialista que entretanto foi suspenso provisoriamente por seis meses pela Ordem dos Médicos.

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Miguel Guimarães não adiantou a natureza destas últimas queixas, mas sugere que não terão a mesma gravidade do caso do bebé de Setúbal. “Não me parece que, daquilo que foi dito, que sejam questões tão graves como as que temos aqui em cima da mesa, mas são outras situações que têm de ser analisadas também”.

Ordem dos Médicos quer capacidade para fazer auditorias clínicas

O bastonário adiantou que vai propor à assembleia de representantes, onde estão representados todos os médicos do país, que a Ordem possa passar a fazer auditorias clínicas. Função que, de acordo com o mesmo, não compete a esta entidade.

Ainda durante a audição — tal como já o tinha referido ao Observador —, Miguel Guimarães explicou que a Ordem dos Médicos “não tem funções de auditoria nem de fiscalização, mas gostava muito de ter”.

“A Ordem gostava muito de ter o poder de fazer auditorias — não digo fiscalizações, mas fazer auditorias no serviço público ou privado. A Ordem efetivamente não tem esse poder, nem essas funções e só intervém quando é solicitada”, explicou Miguel Guimarães aos deputados.

O bastonário afirmou que a Entidade Reguladora da Saúde, por sua vez, tem “poderes de fiscalização, tem poderes de auditoria e tem poder de encerrar clínicas — ou pelo menos propor o encerramento — e tem poder de verificar se as regras que existem estão a ser cumpridas”, nomeadamente no que toca à realização de ecografias obstétricas.

“Se as regras não estão a se cumpridas, a Ordem dos Médicos não sabe. Quem tem essa capacidade inspetiva é quem tem de garantir [o cumprimento das regras].”

Em declarações aos jornalistas, o bastonário considerou que seria “importante” a Ordem ter este poder de auditoria, tal como já o faz no que toca a avaliar as idoneidades e as capacidades formativas”. “O único que temos neste momento [é] na área da formação, mas não temos na área de auditar determinados tipos de procedimentos, de condutas, se determinadas regras estão ou não a ser cumpridas. A Ordem, neste momento, não tem essa possibilidade.”

Ainda assim, Miguel Guimarães sublinha que a Ordem dos Médicos “não faz questão” de ter este poder de fazer audições clínicas. “Se calhar vou apresentar esta proposta [que] será depois chumbada na Assembleia de Representantes, mas eu não posso, como bastonário, aceitar que frequentemente se diga: ‘Então mas a Ordem não fez nada?'”, disse.

“Isto é uma função importante no sentido de prevenir aquilo que são eventos adversos ou erros e no sentido de promover as boas práticas. Acho que teria interesse para a Ordem ter este tipo de funções”, afirmou o bastonário, acrescentando que ter esta possibilidade, é uma forma de evitar erros, mas não será possível evitar “os erros todos”. No entanto, ter várias entidades como a Ordem dos Médicos, a Entidade Reguladora da Saúde e as Administrações Regionais de Saúde a fazer fiscalizações e auditorias, acaba por “tornar o sistema mais seguro”.

Apesar de ainda não haver data para a apresentação desta proposta relativamente, na próxima assembleia de representantes, que está agendada para o dia 16 de dezembro, a Ordem deverá apresentar a proposta de criação para a “competência em ecografia obstétrica diferenciada” e o “provedor da saúde/doente”.

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Criação da competência em ecografia obstétrica diferenciada até ao final do ano

Miguel Guimarães recordou que fez uma reunião com os Colégios da Especialidade de Radiologia e de Obstetrícia para “agregar todas as regras”, seja da Direção-Geral de Saúde e da Ordem dos Médicos, e “constituir uma competência em ecografia diferenciada”. O bastonário espera que esta competência esteja criada “até ao final do ano”, mas explica que este género de decisões têm de ser aprovadas em assembleia de representantes.

No final da audição, o PS disse que iria pedir um requerimento oral dos três Conselhos Disciplinares da Ordem dos Médicos.

O caso do bebé sem rosto veio a público no mês de outubro. Rodrigo nasceu no dia 7 de outubro, no Hospital de São Bernardo, sem olhos, sem nariz e sem uma parte do crânio. A mãe do bebé foi acompanhada, durante a gravidez, pelo obstetra Artur de Carvalho.

As várias ecografias foram feitas pelo mesmo especialista na clínica Ecosado, que não tem convenção com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT). Facto que só se descobriu após este caso ser notícia e apesar de a clínica aceitar as requisições da mãe de Rodrigo para a realização destes exames sem qualquer custo.

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