Albânia, Kosovo, Turquia e Croácia anunciaram que vão boicotar a cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Literatura ao escritor austríaco Peter Handke, criticado por ter apoiado o antigo presidente sérvio Slobodan Milosevic, acusado de crimes de guerra.

O chefe da diplomacia kosovar, Behgjet Pacolli, foi o primeiro a dar a conhecer a decisão de boicotar a cerimónia de entrega do Nobel, marcada para esta terça-feira, em Estocolmo, anunciando que o embaixador do país não estará no evento, em protesto contra a escolha de um escritor que foi um “amigo e apoiante” das políticas do ex-líder sérvio.

A Albânia, que já fora instada pelo Kosovo a fazer o mesmo, juntou-se na segunda-feira a esta iniciativa, dando a saber que o seu embaixador na Suécia também boicotará a cerimónia de entrega do prémio a um escritor que é criticado pelas suas posições pró-sérvias e que é considerado um fanático do presidente sérvio, Slobodan Milosevic.

“Estando profundamente convencidos de que a justificação e o elogio dos crimes de guerra são um obstáculo ao espírito de reconciliação que deve prevalecer na região, ordenámos ao embaixador da Albânia na Suécia que boicotasse a cerimónia solene de entrega do Prémio Nobel de Literatura a Peter Handke”, disse o ministro de Relações Exteriores da Albânia, Gent Cakaj.

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O responsável publicou na sua conta de Twitter que “qualquer recompensa para personalidades que negaram o genocídio, mesmo através de suas obras literárias, só reforça a tendência de fugir às responsabilidades históricas e relativizar o pesado fardo de crimes de guerra, limpeza étnica e genocídio”.

Entretanto, mais dois países juntaram-se esta terça-feira a esta ação de repúdio: Turquia e Croácia anunciaram que os seus embaixadores na Suécia também não vão participar na cerimónia, alegando que o escritor justifica os crimes de guerra cometidos por sérvios na Bósnia.

“Dar o Prémio Nobel de Literatura, a 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, a uma pessoa racista que defendeu crimes de guerra e negou o genocídio na Bósnia, é uma recompensa por violações dos direitos humanos”, denunciou esta terça-feira em comunicado o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.

A Turquia, que não enviará o seu embaixador à cerimónia, pediu recentemente para revogar a concessão do Prémio Nobel a Handke, por minimizar o genocídio de Srebrenica, onde oito mil muçulmanos bósnios foram massacrados por forças sérvio-bósnias, em julho de 1995 durante a guerra na Bósnia (1992-1995), uma matança que a justiça internacional chamou de genocídio.

A Croácia também anunciou sua ausência da entrega, argumentando que atribuir o Nobel a Handke é galardoar alguém que apoia “a política da Grande Sérvia”, aplicada pelo líder autoritário sérvio Slobodan Milosevic nos anos 90.

O anúncio em outubro de que o Prémio Nobel da Literatura de 2019 seria entregue a Peter Handke gerou indignação tanto na Albânia como no Kosovo, ex-província sérvia maioritariamente de etnia albanesa que se declarou independente em 2008. Em contrapartida, na Sérvia e na república sérvia da Bósnia, o prémio foi celebrado, e os sérvios do Kosovo veem Peter Handke como um grande amigo, que em várias ocasiões visitou o enclave Velika Hoca e doou dinheiro aos seus habitantes.

Prémio Nobel da Literatura atribuído a Olga Tokarczuk e Peter Handke

No entanto, o escritor austríaco afirmou que não esperava tanta animosidade contra ele pela atribuição do premio e que tem sido difícil suportar os ataques e críticas pela sua posição pró-sérvia relativamente a guerra na ex-Jugoslávia na década de 1990. “Não, não. Uma pessoa não espera coisas más. Pode imaginá-las, mas no fim são sempre piores”, respondeu, quando questionado pela estação de televisão sérvio-bósnia RTRS sobre se esperava tanta animosidade contra si.

Em 1999, o escritor austríaco condenou os bombardeamentos da NATO contra a Sérvia — sem a luz verde do Conselho de Segurança da ONU –, os quais puseram fim à política repressiva de Milosevic contra a população albanesa no Kosovo. Na altura, em sinal de protesto, Peter Handke devolveu o prémio alemão Buechner.

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Slobodan Milosevic liderou a Sérvia durante a sangrenta desintegração da Jugoslávia na década de 1990, incluindo o conflito do Kosovo em 1998-1999. Em 2006, Handke assistiu ao funeral do político nacionalista, que morreu na prisão de Haia enquanto era julgado por crimes de guerra e contra a humanidade. O escritor chegou mesmo a fazer um discurso em sua homenagem no funeral. Além disso, durante as guerras nos Balcãs, que causaram mais de 100.000 mortes na antiga Jugoslávia, Handke acusou grande parte da imprensa ocidental de ser anti-Sérvia.

As principais associações de vítimas do genocídio de Srebrenica pediram também a retirada do Nobel de Handke e prepararam protestos para esta terça-feira em Estocolmo durante a cerimónia de entrega do prémio, que começará pelas 16h30 (15h30 em Lisboa).