Patrik Svensson ainda digere o que lhe aconteceu. Está atónito com o êxito literário alcançado com o livro de estreia, um romance-ensaio de 200 e poucas páginas que já tinha dezenas de traduções previstas ainda antes de ser lançado na Suécia. O Evangelho das Enguias (Ålevangeliet, no original) foi recentemente publicado em Portugal pela editora Objectiva, numa tradução de Elin Baginha, e obrigou o autor a largar o emprego como jornalista, além de lhe ter valido em novembro o mais importante galardão literário da Suécia – o Prémio August, na categoria de não-ficção. Definitivamente, ele é uma das revelações literárias deste ano e o livro foi um dos mais falados em março durante a Feira do Livro de Londres.

Antigo jornalista do diário liberal Sydsvenskan, tem 47 anos, nasceu e cresceu numa pequena cidade a uma hora de distância de Malmö e fala como quem não tem ambições. Parece uma pessoa serena e disponível para o que a vida lhe trouxer. Ao telefone a partir de Malmö, cidade costeira no sul da Suécia, contou ao Observador como se lembrou de juntar na mesma obra as memórias de infância com o pai e a improvável história científica e cultural das enguias, o enigmático animal marinho que nasce no Mar dos Sargaços, no Atlântico Norte.

Porquê só agora a estreia literária?
Boa pergunta. O sonho de escrever um livro vem desde há muito, mas, já se sabe, a vida nem sempre permite. Até há pouco tempo, trabalhei como jornalista e nunca tinha tido tempo ou disposição para avançar com um livro. Há dois anos e meio, comecei finalmente a escrever.

Foi só falta de tempo ou também se questionava sobre se seria capaz?
Também. Admito que talvez não tivesse a autoconfiança necessária. Escrever um livro é uma grande empresa, temos de investir muito tempo e esforço. Talvez vivesse na incerteza de ser capaz. Depois, entrei numa fase em que dizia a mim mesmo que pelo menos teria de tentar. Assim que comecei, percebi que era mesmo aquilo que queria fazer. Gostei de passar muitas horas concentrado apenas na escrita e de ter tempo para aprofundar realmente o tema que tinha escolhido. Como jornalista nunca se tem oportunidade de aprofundar os temas. A partir de agora, tenho esperança de continuar como escritor.

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Como é que descreve a narrativa?
Não há qualquer ficção, é baseado em factos. Desde logo, é um livro com a história científica das enguias, sobre os cientistas que estudaram e descreveram este animal, de Aristóteles a Sigmund Freud e muitos outros. É também uma obra sobre o mistério das enguias, porque se trata de um animal de difícil compreensão. Ao mesmo tempo, fala de mim e do meu pai, de quando íamos pescar na minha infância. Era o passatempo que nos unia. Estas duas histórias acabam por ser refletir uma na outra, porque o mistério das enguias tem muito que ver com a origem do animal – de onde vem e porque é que se comporta como se comporta – e mistério da minha vida passa muito pela relação com o meu pai.

“O Evangelho das Enguias”, de Patrik Svensson (Objectiva, 2019)

É uma reflexão de meia-idade?
Talvez seja. O meu pai morreu de cancro quando eu tinha 16 anos. Para lá das questões científicas que apresento, a narrativa procura entender o meu pai e a minha história de vida. Talvez seja característico da meia-idade, que é quando começamos a tentar compreender a nossa história pessoal.

O que é que lhe ocorreu primeiro: escrever sobre as enguias ou sobre a sua vida?
As enguias. A história científica deste animal é simplesmente fenomenal. Para me aproximar do assunto, senti que teria de falar da minha própria experiência com este animal e foi assim que o meu pai apareceu na história.

Sabia alguma coisa enguias?
Bastante, porque me fascinam desde há muito. Não tinha era conhecimentos detalhados, isso só aprofundei com a escrita.

É um assunto improvável. Sabe de outros autores que tenham ido pelo mesmo caminho?
Na Europa, penso que não há. Nos EUA, haverá dois ou três. Sobretudo, encontrei aqui uma forma de fazer um livro científico para o grande público, acompanhado de reflexões pessoais.

Quanto tempo demorou a escrita?
Pedi uma licença no trabalho e durante cinco meses escrevi todos os dias, muito concentrado. No primeiro dia, fiz um exercício de memória, queria lembrar-me dos pormenores do sítio onde costumava pescar enguias com o meu pai, em criança. Ao fim de cinco meses, já tinha o manuscrito final.

Já tinha editora?
Não, nada. Só quando o manuscrito estava terminado é que contactei uma editora. Eles leram e mostraram-se imediatamente interessados. Fiz algumas alterações ao texto e encontrámos a versão final.

Ou seja, apostou tudo neste livro.
Sem dúvida, percebi que teria de largar o meu trabalho no jornal durante algum tempo para me focar apenas no livro. Escrevi em casa, começava de manhã e ficava sete ou oito horas frente ao computador. Ao mesmo tempo, lia bastante. O livro baseia-se em leituras que fiz, tive de consultar muitos livros técnicos e estudos científicos sobre enguias. A partir de certa altura, o tema tornou-se tão entusiasmante que passei a escrever o dia todo e depois também à noite. Sentia-me completamente mergulhado. Queria tentar fazer um livro, não tinha outros planos, não fazia ideia dos caminhos que estava a abrir, nunca poderia ter imaginado que o livro acabasse por se tornar tão conhecido.

O treino como jornalista ajudou-o ou prejudicou-o na escrita?
Na parte da pesquisa, foi útil. Um jornalista tem sempre maior facilidade em chegar à informação que pretende, porque vai acumulando experiência nessa área. Já na escrita propriamente dita, penso que ser jornalista me obrigou a demorar mais algum tempo. Tive de aprender a abandonar o registo jornalístico de escrita. Como sabe, quando se escreve para jornais, temos de ser económicos e chegar depressa ao que interessa, temos de deixar de lado os pormenores que não interessam e escrever de forma curta e direta. Um livro pede outra coisa, temos de deixar a história instalar-se, correr, desenvolver-se por si. Senti-me muito bem nesse registo.

Os romances de não-ficção são comuns na Suécia?
Penso que não e talvez seja por isso que as pessoas têm dado tanta atenção ao livro, pelo menos no meu país. Acho que é um estilo novo ou pouco comum. Percebi entretanto que há alguns livros de sucesso em Inglaterra e nos EUA semelhantes a este, com temas sobre natureza ou animais e histórias pessoais que se cruzam.

Diria que abriu a porta a uma nova tendência literária?
Não posso dizer isso. Temos assistido a um interesse crescente do público por temas de natureza e animais, o que talvez esteja relacionado com a questão das alterações climáticas e da crise ambiental. A ameaça que paira sobre todos nós pode ajudar a explicar esta tendência.

Pode-se dizer que O Evangelho das Enguias é ambientalista?
No sentido em que as enguias são uma animal em perigo, sim. Os cientistas dizem-nos que a espécie se reduziu em 95% nos últimos 40 anos. As enguias estão em extinção e claro que isso tem a ver com intervenção humana sobre a natureza.

Este livro mudou a sua vida?
Tenho recebido enorme atenção mediática, com inúmeras entrevistas na televisão e na rádio, e já vendi cerca de 50 mil exemplares, o que é muito para o mercado sueco. Entretanto, recebei o Prémio August. Neste momento, já não estou a trabalhar no jornal, porque não teria tempo para isso. Viajo muito, faço muitas apresentações do livro, vou a bibliotecas, a feiras do livro. E também quero ter tempo para começar um novo livro.

Despediu-se?
Sim, nesse sentido, mudou a minha, claro. Aconteceu assim. Não imaginava nada disto, mas estou muito feliz e recebo o sucesso com humildade. Na verdade, é um sonho: escrever o que quero e trabalhar em torno de assuntos que me fascinam.

O livro saiu na Suécia em meados de agosto, mas já era muito comentado em março durante a Feira do Livro de Londres. Quer dizer que já havia uma versão em língua inglesa antes da publicação no país de origem?
Exatamente. O meu editor sueco quis tentar vender o livro para outros países, por isso tratou de fazer uma tradução inglesa e enviou-a para vários editoras em todo o mundo, em vésperas da Feira do Livro de Londres. O interesse começou a nascer e durante a feira já havia mais de 20 traduções previstas. Agora são 33.

Como será o segundo livro?
Ainda não decidi, tenho andado muito ocupado. Há algumas ideias, mas não quero adiantar ainda, porque estou em reflexão. Quero continuar a explorar o mesmo tipo de linguagem que está neste primeiro livro, porque se aproxima da minha personalidade e maneira de ser.

Será sobre animais?
Não sei, não me aprece.

Está surpreendido com o êxito?
Completamente. Começou tudo no início do ano e parece que ainda estou a viver um sonho. Escrever um livro, ter boas críticas, boas vendas e muitas traduções é tudo o que um escritor pode esperar.

Sente pressão?
Tento não pensar nisso. Estou na melhor situação possível. Tenho liberdade para escrever e sei que devido a este sucesso inicial haverá pessoas interessadas no próximo livro, mesmo que não seja bom.

Como tem reagido a sua família?
Estão felizes por mim. A minha mãe, que ainda é viva, ficou muito contente, acha que fiz um retrato bonito do meu pai e emocionou-se bastante ao recordar estes episódios do passado.