Acabou a primeira ronda de reações à proposta de Governo do Orçamento do Estado. O que sabemos quanto ao que será feito? Nada. Mas o caso não encerra aqui. De todos quantos não negaram à partida a ciência da viabilização e aceitaram negociar com o Governo nenhum ficou satisfeito com a proposta, mas todos deixaram em aberto — vão analisar — o que farão na votação marcada para 10 de janeiro, nomeadamente PCP, Bloco de Esquerda, Verdes, PAN e Livre.

É parte deste jogo parlamentar, com os partidos da esquerda e o PAN a tentarem ainda forçar compromissos para que as suas propostas possam entrar na negociação da especialidade (quando o Orçamento é debatido e votado em detalhe).

É para aí que o próprio Governo empurrou algumas das principais medidas, deixando os partidos com expectativa de terem sinais mais claros até ao momento da primeira votação do OE. Nesse momento, haverá várias conjugações possíveis para fazer passar o Orçamento. Fomos ver algumas nas contas aos votos que podem fazer mais sentido nesta fase (a direita só entra nestas contas por três deputados): basta que 15 deputados se abstenham para a bancada do PS ser suficiente para aprovar o OE. Ainda assim, para passar, esta proposta muito dificilmente poderá ficar como está.

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PS a favor, todos contra

Que os socialistas votarão a favor da proposta do seu Governo, não há dúvidas sobre isso. Mas, já se sabe, não chega. São apenas 108 deputados, faltam oito para a maioria parlamentar que permitiria aprovar a proposta de OE sem ajudas. Se as ameaças dos partidos à esquerda fossem levadas à letra e todos votassem contra ou mesmo apenas os dois com maior peso, PCP e BE, a proposta teria um redondo chumbo. Mas o Governo tentou acautelar isso, e deixou normas em aberto e autorizações legislativas na proposta de Orçamento, como quem diz que ainda há caminho para fazer na especialidade. Ao Observador, fonte do Governo diz que “este ano há mais especialidade” e que, com a mudança do quadro político pós-legislativas, a estratégia de todos foi diferente. A do Governo: “Reunimos, ouvimos, incluímos e negociaremos na especialidade”. Há esperança que a esquerda possa voltar a juntar-se. Na mesma linha daquilo que António Costa defendeu a partir da Grécia, o PS não vê motivos para haver uma rutura à esquerda, num Orçamento que “não traz nenhum retrocesso”, segundo disse o deputado João Paulo Correia.

Costa diz que não há nenhuma razão para esquerda não aprovar a proposta

PS único a favor, abstêm-se BE, PCP, PEV e Livre

Se a esquerda toda se abstiver, a maioria absoluta consegue-se com 100 votos a favor da proposta de Orçamento. E, assim, o PS seria suficiente para a conseguir. No Governo, a expectativa é que o BE não vote contra o primeiro Orçamento da legislatura, porque isso poderia retirar margem negocial e de reivindicação em futuras negociações. Já a abstenção do antigo parceiro, poderia ser uma hipótese. No caso do PCP, o mesmo cenário parece menos provável à partida, já que o próprio líder da bancada parlamentar fez recentemente referência ao facto histórico de os deputados comunistas nunca se terem abstido num OE. Mas na terça-feira, o mesmo João Oliveira até esta hipótese deixou em aberto:  “O facto de nunca termos optado pela abstenção não é nenhuma projeção para o futuro: é uma constatação em relação ao passado”. Se a esquerda toda seguir esse caminho, o OE passa.

PS a favor, PCP e Verdes abstêm-se e BE vota contra

Não é suficiente para a proposta do Governo passar. E aqui entra o elemento que poderia ser decisivo. O PAN nunca fez formalmente parte da “geringonça”, mas votou muitas vezes ao lado do governo na anterior legislatura. Agora, com quatro deputados, é uma peça-chave que António Costa tem levado muito em conta nesta equação de cenários. No quadro em que a esquerda se divida entre a abstenção e o voto contra, o PS ficaria a precisar de dois deputados e poderia contar com o PAN para garantir a aprovação na generalidade. No entanto, dificilmente os comunistas ficariam isolados a segurar o Governo socialista, sobretudo depois de um resultado eleitoral nas legislativas que fez a bancada comunista (PCP e Verdes) reduzir para 12 deputados e com o seu rival à esquerda, o BE, a votar contra. É, por isso, um cenário improvável.

PS a favor, BE abstém-se. PCP e Verdes votam contra

Já o contrário é aritmeticamente possível. Com o Bloco a abster-se, o PS necessitaria apenas de 106 deputados para ter a maioria absoluta na votação do Orçamento. Tendo 108, a proposta estaria mais do que garantida.

PS e BE a favor e PCP chumba (ou vice-versa)

Basta que um dos dois principais parceiros da anterior legislatura se junte no apoio ao Governo para o OE passar. Mesmo que o outro partido da esquerda vote contra. Mais uma vez, ter um dos parceiros a segurar o Governo e outro fora deste apoio é uma hipótese pouco provável. E sobretudo com o BE e o PCP incomodados com um Orçamento a apresentar um excedente de 0,2% e sem concretizar uma subida extraordinária das pensões ou a levantar problemas sobre o impacto orçamental que significaria a redução generalizada do IVA da luz para a taxa mínima ou até intermédia.

PS, BE, PCP, Verdes, Livre e PAN a favor

Seria o cenário de sonho para António Costa, que teria mais um partido a aprovar um orçamento de um Governo seu do que na legislatura anterior: o Livre. É um cenário possível, ninguém fechou a porta a isto, embora todos os partidos tenham entendido que nesta altura têm a ganhar se mantiverem a possibilidade de votar a favor em aberto, na tentativa de terem ganhos nas negociações que se seguirão do debate na especialidade. A margem negocial cresce quanto maior a incerteza do Governo em ter a proposta aprovada.

PS a favor, BE, PCP e Verdes contra. Livre, PAN e PSD-Madeira a favor

É a solução mais criativa (e envolve a direita), mas há quem entre os partidos da esquerda faça estas contas. E isto porque nas últimas semanas o PSD-Madeira, pela voz de Miguel Albuquerque, veio dizer que não descartava negociar com o Governo de António Costa questões regionais e, na sequência disso, avaliar um voto a favor do Orçamento. Já esta terça-feira, o presidente do Governo Regional da Madeira veio congratular-se publicamente com a inclusão da verba para o cofinanciamento do novo hospital no OE. No Bloco de Esquerda, medidas como o aumento do IVA nas touradas — uma das bandeiras do PAN — foram vistas como uma cedência importante ao partido de André Silva que pode mudar as contas todas, caso a ideia inicial do PSD-Madeira se materializasse também. Com esta conjugação de forças (PS, PAN e três deputados do PSD eleitos pela Madeira), só faltaria o Livre para que a proposta passasse. A esquerda podia votar contra que nada travaria o OE do Governo. Mas a hipótese é vista com muita desconfiança no Governo que considera que, nesta situação, um partido como o Livre nunca estaria ao lado de PSD-Madeira e PAN. “É uma fantasia”, diz fonte do Executivo que considera até difícil “envolver” Livre e PAN nesta “lógica”. Os deputados do PSD eleitos pela Madeira só seriam úteis ao PS nesta solução. Mas também continuam a manter em aberto o seu sentido de voto no OE.

PSD-Madeira com “tudo em aberto” à espera de “compromisso de especialidade”