Os ativistas pró-democracia de Macau dizem-se moderados e admitem que os residentes não vêem as reformas políticas como uma prioridade e estão assustados pela violência dos protestos na vizinha Hong Kong.

O destino de António Ng Kuok Cheong ficou traçado quando se juntou aos protestos em Macau contra o massacre de Tiananmen, em Pequim, a 4 de Junho de 1989. Foi rapidamente corrido do Banco da China e em 1992 foi eleito para a Assembleia Legislativa de Macau, onde continua até hoje. Ng, 62 anos, foi o primeiro a recorrer a intervenções antes da ordem do dia no parlamento para expressar as suas opiniões, cujo tom crítico para com a administração portuguesa levou mesmo a uma mudança das regras para limitar a duração destas intervenções.

Trinta anos após Tiananmen, há uma nova geração pró-democrata que se preocupa menos com a situação na China continental, mas não se nega a um maior confronto com as autoridades, organizando até referendos considerados ilegais. “Eu não percebia como é que a cidade estava sempre tão sossegada quando há tantos problemas”, recorda a presidente da Associação Novo Macau, Icy Kam Sut Leng.

A exceção aconteceu em 2014, quando cerca de 15 mil pessoas se juntaram na maior manifestação desde a transição, contra uma lei que previa regalias para titulares dos principais cargos, entretanto retirada pelo próprio Governo.

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É muito difícil convencer os residentes a vir para a rua”, admite Icy. “O que as pessoas de Macau mais querem é harmonia, não confusão”, e por isso olham com receio para a violência dos protestos em Hong Kong, acrescenta.

Durante a manifestação de 2014, alguns jovens queriam imitar o chamado Movimento Girassol de Taiwan e ocupar o parlamento. Mas “a sociedade de Macau não iria aceitar este tipo de ação”, recorda Icy. Aliás, na altura foi o deputado pró-democrata Au Kam San a proteger o carro de um outro deputado de uma garrafa de água atirada por um manifestante.

António Ng não esquece o momento em que aprendeu o preço de ser um ativista político: “Eu queria ficar em Hong Kong, mas o Governo negou o meu pedido porque quando era um estudante na universidade por vezes critiquei as políticas da administração britânica”. Também Icy Kam viu o seu contrato como professora no Colégio do Sagrado Coração de Jesus não ser renovado em 2013.

“Ao início o diretor ainda alegou que era por causa da minha aparência, por usar madeixas, mas quando perguntei diretamente se tinha a ver com a Novo Macau, ele respondeu ‘um bocadinho’”, recorda. A ativista sobrevive agora de poupanças enquanto a associação depende de doações, tendo no ano passado angariado 300 mil dólares de Hong Kong (34,6 mil euros) numa campanha através da Internet.

“Acho que o senhorio também é nosso apoiante e por isso nos alugou este escritório tão barato”, diz Icy com um sorriso. Mas o receio de represálias faz com que a esmagadora maioria dos apoiantes não queira ser identificada. “Houve uma senhora que passou por cá a dar-nos uma pequena quantia. Uns dias depois eu reconheci-a na rua, já com o uniforme de polícia”, diz a líder do Novo Macau.

“A cidade é demasiado pequena”, sublinha o presidente da associação Macau People Power. “Se tiveres uma opinião diferente da maioria, é na verdade muito fácil que toda a gente o saiba”, diz Si Tou Fai.

Também Ron Lam U Tou, o último candidato a ficar fora da Assembleia Legislativa nas últimas eleições, em 2017, diz que muitas pessoas tiveram receio em doar para a sua campanha ao saberem que tinham de registar os seus dados pessoais junto da Comissão Eleitoral. Ainda assim, o presidente da Associação da Sinergia de Macau conseguiu juntar quase 200 mil patacas (22,4 mil euros).“Algumas pessoas em Macau estão atualmente mais preocupadas com a falta de progresso no que toca à liberdade de expressão, o direito a criticar”, diz o antigo jornalista. Ron admite que também a liberdade de imprensa tem tido “um ligeiro declínio”, sobretudo na última década.

O ativista acredita que o problema está na falta de capacidade financeira dos media de Macau e a falta de transparência das autoridades. “Não tem nada a ver com a influência do Governo Central ou do artigo 23”, diz Ron, referindo-se à lei de defesa da segurança do Estado.

Pelo contrário, Icy Kam defende que a repressão atingiu um novo nível após os protestos pró-democracia em Hong Kong. “Alguns dos membros da direção [da Novo Macau] regularmente vêm os telefones bloqueados ao tentar ligar para o estrangeiro”, sublinha, admitindo que a luta por mais democracia não tem o eco desejável na população. “Geralmente as pessoas de Macau não percebem que a luta pela melhoria da qualidade de vida é basicamente uma luta pela democracia”, acrescenta Si Tou Fai.

António Ng é mais sucinto:

Não viverei para ver uma Macau democrática”.