Corrigido no dia 18 de dezembro com vários esclarecimentos entretanto feitos sobre a proposta orçamental.

Com a descida do IVA sobre a energia a ficar dependente de Bruxelas — e de imprevisíveis negociações com os partidos da Oposição —  fica em aberto aquela pode ser a medida com mais impacto no rendimento das famílias no próximo ano e que ameaça causar o maior rombo nas cofres do Estado.

Quanto ao resto, a proposta de Orçamento do Estado aponta em várias direções e, nem todas vão no mesmo sentido. Há aumentos de impostos e desagravamentos fiscais quase cirúrgicos que pouca diferença farão e novas contribuições. Entre o que perde e o que ganha, a receita fiscal deverá cair 72 milhões de euros por via das alterações previstas do lado dos impostos (60 milhões de euros, se juntarmos à conta a cobrança estimada de 12 milhões de euros com a nova contribuição para o Serviço Nacional de Saúde).

E a carga fiscal? Volta a subir para 35% do PIB. Usando apenas os números da proposta orçamental para o valor do PIB nominal em 2019 e 2020 e as previsões de receitas com impostos e contribuições efetivas para a Segurança Social, o resultado é uma nova subida da carga fiscal em percentagem do produto. Em 2019, estávamos nos 34,79% do PIB e os números projetados para 2020 apontam para 34,98%. Arredondado à décimas, a carga fiscal fica nos 35% do produto. Em termos absolutos, a proposta orçamental antecipa um crescimento de 3,9% da receita com impostos, que será mais puxada pelos impostos indiretos, como tem acontecido nos últimos anos. Já as contribuições efetivas para a Segurança Social vão continuar a progredir na casa dos 4%.

Algumas das medidas ainda não têm valor e outras não se sabe quando vão entrar em vigor. E vão certamente aparecer outras por iniciativa dos partidos da oposição.

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A maior incerteza é a que rodeia o IVA sobre a eletricidade e o gás natural. A oposição — PCP, Bloco e PSD — quer voltar à taxa reduzida de 6% aplicada antes da vinda da troika, mas o Governo contrapõe com uma redução da taxa para escalões menores de consumo e fazendo variar o IVA em função da quantidade de energia usada.

Para além de exigir a autorização de Bruxelas, que ainda pode demorar, ficou-se a saber que afinal a descida que o Governo admite pode ficar pela taxa intermédia de 13% e não chegar a todos os consumidores domésticos. A proposta de Orçamento do Estado prevê a introdução de uma tributação à “taxa reduzida ou intermédia de IVA dos fornecimentos de eletricidade relativos a uma potencia contratada de baixo consumo”.

O documento refere que estes escalões terão como base o modelo de potências contratadas que existe no mercado português e que apenas os clientes que estão nas mais baixas — sem dizer quais — serão abrangidas por este IVA variável em função do consumo. Se for seguido o modelo usado este ano, só os consumidores de eletricidade que têm uma potência contratada até 3.45 kVA serão abrangidos, ainda assim, serão mais de três milhões.

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O modelo ainda está em aberto e é expetável que venha a sofrer mudanças na discussão do Orçamento na especialidade e o Executivo nem arrisca uma estimativa no que o impacto orçamental.

IRS. Deduções para o segundo filho e isenções parciais para jovens

Ainda do lado das famílias, as novidades no IRS são poucas e de impacto reduzido, cerca de 50 milhões de euros. As alterações vão no sentido de aumentar as deduções para quem tiver um segundo filho, que passam de 126 euros para 300 euros, mas só se os dois dependentes tiverem até aos três anos. Entretanto o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais clarificou que a medida para os segundos filhos aplica-se, independentemente da idade do primeiro. Esta majoração deverá representar uma perda de receita de 24,3 milhões de euros em 2020.

Há também uma nova isenção parcial do rendimento sujeito ao IRS obtido por jovens entre os 18 e os 26 anos que comecem a trabalhar em Portugal após a conclusão de um ciclo de formação, o secundário ou a licenciatura. No primeiro ano, a isenção será de 30%, desce para 20% no segundo e fica nos 10% no terceiro ano. O impacto orçamental estimado é de 25 milhões de euros.

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Já os escalões do IRS vão ser atualizados a 0,3%, abaixo da inflação, o que prejudica os contribuintes que tiverem aumentos salariais.

Do lado do património, os pequenos empresários que explorem alojamento local em zonas sujeitas a maior pressão, e onde estão em vigor medidas de contenção, vão ser penalizados com metade dos rendimentos dessa operação a contar para a liquidação de imposto. Em sede IMI (imposto municipal sobre imóveis), os prédios localizados em zonas de pressão urbanística que estejam em ruínas ou devolutos há mais dois anos ou terrenos que se encontrem em áreas previstas para uso habitacional vão sofrer um agravamento da taxa. 

No IMT pago em transações imobiliárias, as taxas são agravadas de 6% para 7,5% quando o valor do imóvel ultrapassar um milhão de euros.

Para reforçar a oferta na habitação, a proposta prevê que as aquisições feitas pelo setor bancário deixem de beneficiar de isenção do IMT se os imóveis não forem vendidos no prazo de cinco anos, ou se forem vendidos a uma entidade com ligações acionistas ou de influência com o banco vendedor.

Mas é no consumo que se concentram as principais novidades fiscais, a começar pelo imposto de selo sobre o crédito ao consumo que vai subir, com o Governo a esperar uma receita adicional de 17,5 milhões de euros.

Taxa sobre embalagens ainda sem valor

Uma das propostas mais emblemáticas que encaixa na grande visibilidade que têm as alterações climáticas e a economia circular, é a criação de uma contribuição para desincentivar o uso de embalagens descartáveis nas refeições encomendadas. Ainda sem valores — o que está inscrito é uma autorização legislativa — a contribuição vai incidir sobre as embalagens usadas só uma vez para comida take away ou refeições entregues em casa. O documento não esclarece que materiais serão abrangidos, mas o plástico será um dos alvos. Quem vai pagar é o consumidor.

O efeito desta medida vai depender muito do valor da taxa. No caso dos sacos plásticos, era relativamente fácil aos consumidores “reciclar” os sacos e contornar a taxa — o que teve um efeito material na redução do seu uso.  Já com as as refeições não se antecipa uma substituição tão fácil, sobretudo quando estamos num mercado de rápido crescimento da comida sobre rodas, trazida por operadores como a Uber ou a Glover.

Ainda na alimentação, o OE volta a penalizar a tributação sobre as bebidas não alcoólicas com mais açúcar. E já que estamos no capítulo dos vícios repete-se a má notícia anual para os fumadores. O imposto sobre o tabaco volta a subir, mas a níveis distintos. Enquanto que nos cigarros normais, há uma atualização de 0,3%, no tabaco aquecido e nos cigarros eletrónicos, a proposta vai onerar a carga fiscal em 3,2%, porque estes novos produtos estavam a beneficiar de vantagens fiscais. O resultado deverá ser um preço mais caro. No tabaco esperam-se mais nove milhões de euros.

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No capítulo dos vícios, uma última referência ao jogo online cujo imposto passa de 15% para 25%. E, já agora, volta a proposta de passar a tourada para a taxa normal de 23%, atualmente em 6%, que foi chumbada no ano passado por uma coligação negativa entre PSD e CDS e os comunistas. Em sentido contrário, o Executivo passa para a taxa reduzida as entradas em jardins zoológicos, botânicos e aquários públicos, que ficam assim equiparados aos espetáculos que viram o IVA baixar este ano.

Mais uma contribuição para empresas e promessa de descida na energia, mas não para já

Para as empresas há boas e más notícias. Começando pela má. A “praga” das contribuições alastrou a um novo setor. Desta vez são os fornecedores de equipamentos médicos que vão ter de contribuir para o Serviço Nacional de Saúde. Vão pagar a nova taxa os agentes que fornecem ou vendem a entidades do SNS estes dispositivos, que incluem dispositivos para diagnóstico in vitro. A contribuição começa nos 1,5% para faturações anuais entre um milhão e cinco milhões de euros e chega aos 4% para valores a partir dos 10 milhões de euros por ano. A receita prevista de 12 milhões de euros.

Estes agentes juntam-se assim à banca, à indústria farmacêutica, telecomunicações e distribuição que já pagam contribuições. Para o setor rei das contribuições, a energia, a proposta de OE tem um sabor agridoce. Se por um lado mantém as taxas aplicadas para 2020, dá um sinal claro de que finalmente a contribuição extraordinária introduzida em 2014 vai baixar. Há um compromisso de isso aconteça, presumivelmente a partir de 2021, em função de um limite quantificado de redução do défice tarifário da eletricidade. Ficam também previstas mexidas na contribuição sobre os ganhos dos contratos de gás natural cobrada à Galp e que a empresa sempre impugnou.

Governo quer acabar com benefícios aos combustíveis e rever vistos gold

Ainda na energia e a piscar o olho à luta conta as alterações climáticas, a proposta do OE prevê a reavaliação das isenções fiscais aos produtos petrolíferos e energéticos com o fim de os eliminar de forma progressiva. Para já, os sinais mais evidentes vão para as indústrias com o fim da isenção do imposto petrolífero sobre o gás natural usado para produzir eletricidade.

Neste caso, a redução da isenção começa devagar nos 10% em 2021 e vai ser mais gradual do que a já foi aprovada para as centrais carvão que vão pagar a totalidade do imposto em 2023, precisamente o ano em que o Executivo aponta para o fim da produção de energia elétrica por via deste combustível. No caso do gás natural, as centrais que estão no regime do mercado de carbono ficam isentas de pagar o adicional desta taxa, porque já têm estes custos incorporados.

As medidas de incentivo à descarbonização incluem também a eliminação da majoração de gastos em sede de IRS e IRC aplicável à compra de GPL para automóveis com o argumento de que “a manutenção das isenções ao GPL não se justifica por existirem alternativas ambientalmente mais sustentáveis”. No total, estas medidas devem representar uma receita adicional de 29 milhões de euros este ano.

Os combustíveis fósseis serão um eixo central na revisão do benefícios fiscais que prejudicam o ambiente e que se traduzem numa despesa de 250 milhões de euros que que o Governo quer reduzir de forma progressiva ao longo da legislatura.

Já em relação a outros benefícios fiscais, e depois de ser apresentado o relatório exaustivo sobre estes instrumentos, a proposta prolonga a validade por mais um ano os 11 incentivos que iam caducar no final deste ano e trás uma autorização de legislativa para mexer no regime dos vistos gold, com objetivo de promover investimento em territórios do interior.

Para a generalidade das empresas, as notícias não são más, mas podiam ser melhores. Há descidas relativamente residuais para a chamada tributação autónoma, como os impostos sobre carros das empresas, e que vão custar 15 milhões de euros. Previsto está ainda alargamento para 25 mil euros da margem de lucros das Pequenas e Médias Empresas (PME) que fica abrangida por uma taxa de IRC reduzida de 17% que é ainda mais baixa, de 12,5% para empresas que estejam instaladas no interior. Estas medidas vão ter um impacto de 23,5 milhões de euros.

Há também medidas de incentivo à internacionalização, com isenções no imposto de selo, e ainda um sinal de apoio ao investimento. A disposição que prevê deduções à coleta do IRS até 10% dos lucros a reinvestir em “aplicações relevantes” passou a ter um limite de 12 milhões de euros, quando era de 10 milhões de euros.