O embaixador de Portugal na China disse esta quarta-feira que o aniversário da transferência da administração de Macau “não merece” ficar na sombra da contestação em Hong Kong, salientando que o território tem uma “génese própria”.

“As celebrações em Macau não merecem ficar na sombra da contestação em Hong Kong, nem na sombra de qualquer outro evento”, disse à agência Lusa José Augusto Duarte. “Se vamos celebrar algo que efetivamente deve orgulhar as equipas negociais de Portugal e da China (…) para depois, na prática, estarmos a falar de Hong Kong, então nem sequer vale a pena”, defendeu.

Macau comemora na sexta-feira os 20 anos da transferência de administração de Portugal para a China e da aplicação no território da fórmula “um país, dois sistemas”, que confere autonomia administrativa, originalmente pensado para Taiwan, que o recusou, e que é hoje também posto em causa por uma grave crise política em Hong Kong.

Uma proposta de alteração à lei da extradição na região semiautónoma chinesa da colónia britânica, que permitiria extraditar criminosos para países sem acordos prévios, como é o caso da China continental, entretanto retirada, desencadeou protestos antigovernamentais, que duram há mais de seis meses.

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A imprensa oficial e as autoridades chinesas têm assim aproveitado o aniversário do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, que nos últimos 20 anos se converteu na capital mundial do jogo, com um dos maiores PIB [Produto Interno Bruto] per capita do planeta, para sublinhar a viabilidade da fórmula ‘um país, dois sistemas’, destacando “o patriotismo” na sociedade local e que a região compreendeu “o espírito do Governo central”.

Augusto Duarte admitiu que “o contexto atual pode efetivamente levar a que alguns do lado da China tentem utilizar [o aniversário] para evocar que o princípio ‘um país, dois sistemas’ continua vivo, independentemente dos problemas que existem em Hong Kong”.

Para nós portugueses não é o contexto que conta, é a estrutura que conta: podemos ver que os problemas que existem em Hong Kong são sérios e devem ser levados a sério, como toda a gente já percebeu”, realçou.

Em entrevista à agência Lusa, o diplomata pediu que “não se confundam as coisas” e defendeu que só “numa visão muito superficial [Macau e Hong Kong] podem ser comparadas”, apesar da proximidade geográfica, passado comum enquanto possessões coloniais ou reunificação na China, mantendo um elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário.

José Augusto Duarte apontou a antiguidade e reduzida população de Macau, em comparação com Hong Kong, e a dependência face ao jogo, ao contrário da antiga colónia britânica, que tem uma “economia própria, que cria prosperidade e problemas próprios”. E acrescentou: “Muitas das coisas que se estão a passar em Hong Kong têm a ver não apenas com o presente, mas também com o passado um bocado mais longínquo. A mesma coisa para Macau, só que de forma completamente diferente”.

Macau é resultado de uma relação que foi sendo montada ao longo do tempo, baseada no diálogo: não houve conflito e foi sempre negociada entre portugueses e os mandarins de Cantão [capital da província vizinha de Guangdong] e mais tarde diretamente até com as próprias casas imperiais e as dinastias que se sucederam na cidade proibida, em Pequim”, disse. “Hong Kong não. É uma coisa que aparece repentinamente, no século XIX, em resultado de um conflito militar, ganho por Inglaterra”, explicou.

Sobre a ausência de uma representação de alto nível portuguesa nas celebrações — Marcelo Rebelo de Sousa manifestou interesse em estar presente durante a visita de Estado que fez à China, em maio passado — o embaixador esclareceu que não houve convite, mas disse compreender a posição de Pequim. “Não há ressentimento ou ofensa por não haver convite”, observou. “A tradição nestas celebrações é de ser sobretudo uma festa da reunificação do território chinês, uma festa interna chinesa, levada a cabo pelas autoridades de Macau e da República Popular da China, de forma conjunta”, disse.