Cabo Verde espera arrecadar 40 milhões de euros com as privatizações em 2020, ano em que os cabo-verdianos, sem aumentos salariais na função pública, voltam às urnas para as autárquicas, testando os dois maiores partidos antes das legislativas.

Com assistência do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, o programa de privatizações, iniciado há dois anos, será acelerado em 2020, chegando a setores como a gestão de aeroportos e dos portos, produção de eletricidade e distribuição de água, ou a indústria farmacêutica, entre outros.

Em declarações à Lusa, o economista cabo-verdiano João Estêvão explica que as empresas públicas em Cabo Verde representam “uma herança de má gestão e organização, com a tradição de nomeação de quadros de confiança política e sem competências reconhecidas nas respetivas áreas”.

Para o também professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, de Lisboa, esta realidade, juntamente com o forte endividamento das empresas públicas, conduziu à situação atual de “pressão” do FMI e do Banco Mundial, “no sentido da criação de extensos programas de privatizações”.

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É que “o elevado peso da dívida pública“, admite João Estêvão, “impõe a necessidade de continuar o esforço de consolidação orçamental” em 2020. O retorno com as privatizações, além do encaixe financeiro (2,2% do PIB de 2020), permitirá resolver a situação deficitária das empresas públicas. Este processo será de resto um teste à governação de Ulisses Correia e Silva, com o economista a alertar para “problemas importantes”, desde logo porque “o modelo de privatização não tem de ser sempre o mesmo”.

E não se trata de um problema apenas técnico e de gestão orçamental, mas também um problema da natureza política e que tem de ser ancorada numa estratégia de longo prazo. No curto prazo, o Estado ganha sempre, mas no longo prazo não é necessariamente assim”, enfatizou.

Também o analista político cabo-verdiano João de Deus Carvalho antevê que 2020 será um teste às opções do governo no que toca ao processo de privatizações, que mexe com setores estratégicos: “O que é preciso é que o governo saiba fazer essa privatização no real interesse do desenvolvimento do país”.

Ainda assim, diz que é um processo inevitável, no atual contexto das finanças do país e da situação financeira das próprias empresas a privatizar. “Cabo Verde não consegue fugir à agenda de privatizações imposta pelo Banco Mundial e o FMI, sob pena de perder o financiamento externo da sua economia”, diz ainda João de Deus Carvalho.

É neste cenário financeiro que o vice-primeiro-ministro de Cabo Verde, Olavo Correia, já afirmou que o recorrente pedido de aumento salarial na função pública em 2020 é um “discurso popular” e “perigoso” para o país, que não consegue comportar uma decisão dessas.

“Gostava que as pessoas tivessem mais rendimentos? Sim. Mas para que as pessoas ganhem mais temos de ter mais impostos para pagar. Estamos disponíveis para aumentar os impostos para pagar isto? Vamos pagar mais aumento de massa salarial com recurso a endividamento? Não. Há aqui um equilíbrio que tem de ser gerido”, disse este mês Olavo Correia. Por isso, garante, aumentos salariais na função pública estão fora de hipótese em 2020: “Qualquer desequilíbrio orçamental, nas finanças públicas, quem primeiro vai pagar com isso são os trabalhadores: aumento da inflação, incapacidade do Estado em pagar os salários atempadamente“.

Assim, num cenário de contenção orçamental, sem aumentos salariais na função pública e com a dívida pública a começar o ano a rondar os 120% do Produto Interno Bruto (PIB), o país vai a votos na segunda metade do ano para escolher os autarcas dos 22 municípios do país.

O governo é liderado desde as legislativas de 2016 pelo Movimento para a Democracia (MpD), de Ulisses Correia e Silva, partido que no mesmo ano venceu em 18 dos municípios do país. Nesse ano, o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) perdeu o Governo (2001-2016) e viu os municípios que controlava reduzirem-se de oito para dois (outros dois municípios são liderados por independentes).

O próximo ano servirá assim de teste aos dois partidos que se alternam no poder em Cabo Verde. “As autárquicas de 2020 serão um primeiro teste aos partidos políticos e aos grupos de cidadãos no próximo ciclo eleitoral. Para o PAICV e a sua liderança parece mesmo ser um teste decisivo”, assegura João de Deus Carvalho.

Por isso, assume ainda, “quem vencer as autárquicas coloca-se na pole position para as legislativas de 2021″, o mesmo ano em que os cabo-verdianos vão às urnas para escolher ainda o sucessor de Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República.

Num país que enfrenta uma seca prolongada há três anos, que em 2020 forçará a execução um novo programa de mitigação dos seus efeitos, sobretudo na agricultura, de quase 10 milhões de euros, Cabo Verde entra no próximo ano ainda com o desafio da segurança.

Uma série de crimes violentos nas últimas semanas do ano, como assaltos à mão armada e homicídios, essencialmente na cidade da Praia, abalaram o sentimento de segurança da população, o que também será um teste às autoridades já no início do ano.

“O maior desafio para 2020 será ganhar a batalha da segurança das pessoas e dos seus bens que se viu abalada nos últimos meses”, rematou o analista político João de Deus Carvalho.