A paixão de Rita Xavier pela Indonésia acabou numa missão solidária. Com apenas 24 anos, planeia a construção de uma escola numa das vilas afetadas pelo sismo que atingiu a ilha de Lombok, em agosto de 2018. A meta é ambiciosa, embora o trajeto até aqui tenha um quê de mirabolante. Um ano e meio e milhares de brinquedos (e de quilómetros) depois, Rita decidiu começar por Lisboa antes de fazer chegar a boa vontade portuguesa ao outro lado do mundo. No dia 16 de dezembro, abriu uma loja só para crianças. Está cheia de brinquedos, mas nenhum deles tem etiqueta de preço.

À esquerda, à direita, em frente — o pequeno espaço, situado na Avenida Álvares Cabral, está repleto de entretenimento, com personagens de séries animadas, peluches e bonecos tradicionais. Juntam-se os livros em prateleiras improvisadas, feitas com caixotes de madeira, uma tenda ao canto e um rolo de papel branco pronto a colorir. Até dia 6 de janeiro, a The Mainan Store vai receber centenas de crianças carenciadas. Depois de brincarem, todas elas vão poder levar um brinquedo para casa.

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Rita arquitetou o conceito, em parte, para trazer visibilidade ao projeto Mainan (“brinquedo” em bahasa, língua oficial da Indonésia). A história que une as duas longitudes é tão longa quanto parece e começa mesmo em agosto do ano passado, com o terramoto de Lombok. “Era a terceira ou a quarta vez que ia à Indonésia e estava a ir quando aconteceu tudo. Quando chegámos, fez-me imensa impressão estarmos ali a aproveitar as praias quando ao lado estava tudo destruído. Levava sempre algo quando viajava para a Indonésia e, dessa vez, levei uma mala de brinquedos”, recorda Rita Xavier ao Observador.

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“Os miúdos reagiram como se lhes tivesse a dar a melhor coisa do mundo”, acrescenta. No regresso a Portugal, contactou escolas e espalhou a mensagem. A ideia era levar um carregamento de brinquedos até ao outro lado do mundo. “Tinham de ser brinquedos em bom estado, que oferecêssemos aqui”, continua. Pode dizer-se que o apelo foi um sucesso, com a marca portuguesa Knot a ceder as suas lojas como pontos de recolha. Foram sete as escolas lisboetas envolvidas, 12.000 objetos angariados e, desses, 6.000 aproveitados para a missão. Com o apoio de um patrocinador, conseguiu levar tudo até ao destino, em dezembro do ano passado. No total, embarcaram 200 caixas de brinquedos.

No início deste ano, Rita e outros sete voluntários passaram três semanas em Lombok, onde estabeleceram laços com dezenas de crianças da ilha © Facebook.com/mainandreams

Rita voltou a fazer as malas e, com ela, foram mais sete voluntários. Em Lombok, o cenário continuava a ser de destruição e a população permanecia em condições precárias. Os brinquedos nunca lá chegaram, aliás, oficialmente, nunca chegaram a entrar no país. “Pediram-nos 35.000 dólares para tirá-los da alfândega. Passou-me tudo pela cabeça — voltar a contactar patrocinadores, pedir um empréstimo. Voltei a contar a embaixada da Indonésia cá, falei com a embaixada portuguesa lá, mas ninguém interferiu”, recorda Rita.

O desfecho não podia ter sido mais imprevisível. A 20 de janeiro de 2019, as autoridades alfandegarias decidiram o destino dos milhares de brinquedos — terão sido queimados em Jacarta. “No meio daquilo tudo, aprendi uma lição: mais do que de bens materiais, aqueles miúdos precisam do nosso tempo”, conta. Os restantes voluntários, que entretanto tinham regressado a Portugal, voltaram e passaram três semanas em Lombok. Rita esteve lá durante um mês e meio.

A última passagem pelo arquipélago foi documentada através de fotografia. Em março deste ano, as imagens deram origem a uma exposição. Foi ainda filmado um curto documentário no terreno, com a experiência dos voluntários envolvidos. No regresso, a missão tinha redefinido os seus objetivos. Levar brinquedos para as cerca de 4.000 crianças das oito principais vilas da ilha deixou de ser uma prioridade. Atualmente, a meta é reunir 20.000 euros para a construção de uma escola em Desa Santong, uma das localidades mais afetadas pelo sismo de há um ano e meio.

Enquanto isso, do lado de cá do globo, o propósito é arrancar uns bons sorrisos a centenas de crianças. Em Lisboa, apenas algumas das escolas que tinham participado na doação permitiram que a equipa relatasse aos alunos o triste destino dos brinquedos doados. Mas, para surpresa de todos, sobraram cerca de 50 caixas que, por terem chegado atrasadas, escaparam à sentença. Feitas as contas, são mais de 1.500 brinquedos agora expostos na The Mainan Store. “As crianças podem vir, ficar aqui a brincar e no final levar um brinquedo para casa. É uma loja de brinquedos completamente gratuita. Naturalmente, esta é também uma oportunidade para as pessoas conhecerem o projeto Mainan”, explica Rita Xavier.

Em março deste ano, Rita Xavier juntou as fotografias tiradas na Indonésia numa exposição © Facebook.com/mainandreams

A loja funciona articulada com as juntas de freguesia da Estrela e de Santo António. O acesso é reservado a instituições como a Santa Casa da Misericórdia e a Renovar a Mouraria, e a crianças de famílias sinalizadas. As portas estarão abertas até 6 de janeiro e para crianças até aos 6 anos. Por estes dias, Rita sente-se uma espécie de pai natal e estima que cerca de 2.000 crianças venham a passar por este espaço ao pé do Largo do Rato.

A previsão é que a construção da nova escola arranque em abril de 2020, momento em que o projeto cumprirá a sua missão. Depois disso, a jovem portuguesa, que estudou Marketing e Publicidade no IADE, quer canalizar a sua área de formação para outros projetos de intervenção social. Fala em munir de ferramentas de comunicação outras organizações, que procurem em empresas apoios financeiros e patrocínios. No meio de todos os planos para o futuro estará sempre a Indonésia.