O Dia de Natal poderia ser apenas um dia de festa porque, ao contrário de quase todos os desportos em quase todos os países, tem cinco jogos de NBA de enfiada, a começar logo ao meio-dia dos Estados Unidos (ou do Canadá, para sermos mais exatos) e a prolongar-se até à noite. Mas este foi também um dia de festa para todos os adeptos mais devotos ao principal campeonato de basquetebol do mundo porque, ao contrário do que se passou no ano passado, arrancaram as votações para o All-Star Game, que se realiza em Chicago a meio de fevereiro. Da parte dos Boston Celtics, Kemba Walker ou Jayson Tatum surgem de forma natural à cabeça das escolhas mas há um outro nome que tem conquistado os fãs da equipa como há muito não se via: sabe quem é Tacko Fall?

A reação do treinador Brad Stevens num dos últimos encontros em casa disse tudo em relação a essa ligação mais do que improvável com o gigante de 2,26 metros: o público começou a pedir a sua entrada, o técnico levantou as mãos a pedir para ser mais alto, os adeptos corresponderam e aumentaram o volume, Stevens sorriu e lá deu a tão desejada indicação para o senegalês ir para o campo. Mas já antes se tinha ouvido o cântico “Tacko Fall MVP”. O gigante que tem andado sobretudo na G League ao serviço dos Maine Red Claws pode ter uma média inferior a quatro minutos por jogo (com 4.3 de pontos e 2.3 de ressaltos em média) mas é um fenómeno em Massachusetts.

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Nascido e criado em Dakar, Tacko mudou-se para os Estados Unidos com 16 anos. Nem sempre o basquetebol foi a modalidade preferida mas um encontro feito em Houston que contou com a presença do também africano Hakeem Olajuwon colocou-o de vez na rota do desporto – e de dezenas e dezenas de escolas e depois universidades para que garantissem a sua contratação, contando com a influência positiva do trajeto do senegalês Mamadou N’Diaye, de 2,29 metros, que chegou a defrontar na NCAA. Acabou por passar ao lado das primeiras opções do draft de 2019 mas os Boston Celtics garantiram a sua contratação depois das indicações nos habituais campos de treino de verão. Assim, no final de outubro, estreou-se na NBA no Madison Square Garden, com quatro pontos em quatro minutos diante dos New York Knicks incluindo um afundanço que deixou até os adversários espantados. Graduado em ciências de informática sempre com notas de excelência, congelou o sonho de se tornar engenheiro eletrónico.

Tacko Fall pode ser um dos meninos queridos dos Celtics mas na deslocação a Toronto para defrontar os campeões Raptors (que continuam a apresentar-se muito desfalcados pelas sucessivas lesões que assolam a equipa) não fez sequer um minuto. A equipa de Boston ganhou o primeiro encontro da maratona do Dia de Natal com Jaylen Brown a assumir-se como grande figura com 30 pontos e Kemba Walker a terminar com 22 pontos. No entanto, a grande vitória do dia foi escrita com a palavra “Freedom” nos ténis de Enes Kanter.

O poste turco é um acérrimo crítico do presidente do seu país, Recep Erdogan, e viu por causa disso o governo revogar o seu passaporte em 2017. Daí para cá, em diferentes equipas da NBA (começou nos Utah Jazz, estava nos Oklahoma City Thunders, mudou-se nesse ano para os New York Knicks, foi para os Portland Trail Blazers e rumou este ano aos Boston Celtics), recusou sempre fazer jogos fora dos Estados Unidos, até por temer uma tentativa de atentado. No final de 2017, a procuradora de Istambul pediu mesmo quatro anos de prisão por insultos públicos aos chefe de Estado por mensagens no Twitter um ano antes, onde chegou a falar de Erdogan como “o Hitler do nosso século”. Em paralelo, e entre ameaças, foi considerado como “fugitivo” pela Turquia pelo apoio a Fethullah Gülen, acusado pelo golpe de Estado falhado de 2016, e também ao movimento Hizmet.

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“Quero agradecer ao primeiro-ministro Justin Trudeau, às autoridades norte-americanas e canadianas, ao senador americano Ed Markey, aos Boston Celtics, à NBA e aos meus assessores por trabalharem para tornar possível o sonho de jogar no Natal contra os Toronto Raptors e garantirem a minha segurança lá”, escreveu o jogador que entrou na Scotiabank Arena com uma camisola preta com as palavras “Freedom for All” [Liberdade para Todos]. “Aterrámos e diziam ‘Ok, este é o momento!’. As pessoas perguntavam-me se estava nervoso, eu dizia que estava apenas excitado porque é muito bom. Viajar, sair dos Estados Unidos pela primeira vez anos depois… Para mim é muito mais do que um jogo. É uma bênção jogar aqui no dia de Natal”, destacou.

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“Sabe bem sair, sabe bem ser livre, sabe bem aproveitar este momento com os meus companheiros. É fantástico. Um dos meus amigos ligou para o gabinete de Trudeau ontem [terça-feira] mas ele estava de férias na Costa Rica ou assim e disseram-me ‘Está tudo bem, não tenhas problemas porque vai ser tudo tranquilo’. Agora que tenho um documento para viajar espero vir cá também fazer um campus de basquetebol em Toronto e em Oattawa como faço nos Estados Unidos”, acrescentou o jogador que fez um “duplo duplo” com 12 pontos e 11 ressaltos num jogo onde apesar do 10-0 inicial dos Raptors os Celtics foram sempre melhores, chegando ao intervalo a ganhar por oito pontos (55-47) antes de dispararem no terceiro período para um triunfo tranquilo por 118-102.