O arquiteto Joaquim Massena, autor de um projeto de requalificação para o Mercado do Bolhão preterido pela Câmara do Porto, criticou esta sexta-feira a “demolição profunda” e “indigna” prevista para aquele espaço, que irá destruir património “desnecessariamente”.

“O Mercado do Bolhão é um ícone para a cidade. Esta intervenção que está a ser feita de restauro profundo é, na verdade, uma demolição profunda”, afirmou à Lusa o arquiteto, autor do projeto que em 1992 venceu o concurso público internacional de reabilitação para o mercado do Porto, o qual contemplava uma modernização do mercado, alargando a sua vocação inicial a outras atividades.

A assinatura do contrato entre a câmara e o arquiteto Joaquim Massena foi feita em 1996, altura em que se previa que os projetos de arquitetura e engenharia da obra de reabilitação do Bolhão, orçada então em 9,98 milhões de euros, estivessem concluídos no final de 1997 e a avançar no terreno no mandato seguinte. Contudo, o projeto de Massena, que “seguiu critérios de defesa do património”, como se lê na página oficial do arquiteto, nunca foi executado.

Perante o anúncio da câmara, feito na sexta-feira, da necessidade de alterar o método construtivo do projeto de reabilitação atualmente em curso, que implicará a demolição das galerias, Massena criticou o que considera uma “solução indigna para um edifício que está classificado”.

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O edifício está classificado, mas o terreno também está. Está a destruir-se património desnecessariamente. Isto é muito grave do ponto de vista patrimonial”, defendeu Joaquim Massena, sublinhando que “está a fazer-se ao Bolhão uma descaracterização total”.

O projeto de reabilitação de Massena, aprovado por unanimidade pela Câmara do Porto, previa, entre outros, a manutenção do mercado “como símbolo do Comércio Tradicional”. Massena questiona agora o que ficará do Bolhão depois das demolições e disse estranhar o silêncio da Direção Regional do Património Cultural (DRCN), que tem a responsabilidade de acompanhar este processo.

O arquiteto considera ainda que o atual projeto em tudo se parece com aquele com que a empresa TramCroNe (TCN) venceu em 2007 um concurso da autarquia para reabilitar o Bolhão, e que previa a demolição de todo o interior do mercado. Aquele projeto foi contestado pela Plataforma de Ação Cívica do Porto, do qual Massena fazia parte, que chegou a entregar na Assembleia da República uma petição com cerca de 50 mil assinaturas para impedir o início das obras.

É brutal aquilo que está a acontecer e agora ainda por cima as galerias. O que é que vai ficar do Bolhão? Era aquilo que a TramCroNe queria fazer, era demolição integral do Bolhão”, frisou Massena que acrescentou: “Não é possível o que está a acontecer ao Bolhão. Eu fico incomodado. Eu diria que isto vai ser o Shopping do Bolhão”.

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À data, em face da contestação e do atraso na assinatura do contrato, a autarquia decidiu anular a adjudicação do restauro do Mercado do Bolhão à TramCroNe e assinou um protocolo com o Ministério da Cultura para a reabilitação do edifício. O arquiteto, que na altura fez parte do movimento de contestação ao projeto, defende que “nada do que está a ser feito é necessário” e salienta que, até do ponto de vista financeiro, esta solução representa um encargo superior quando comparado, por exemplo, com o projeto que apresentou a concurso público.

É um poço sem fundo“, disse, referindo que este tipo de atuações são, no seu entender, preocupantes. Segundo o município, a alteração do método construtivo representa um encargo adicional de cerca de 600 mil euros ao valor global da obra que ascende aos 22 milhões de euros.

A empreitada de restauro e modernização do Mercado do Bolhão, classificado como Monumento de Interesse Público em 2013, foi adjudicada ao agrupamento Alberto Couto Alves S.A. e Lúcio da Silva Azevedo & Filhos S.A por mais de 22 milhões de euros, tendo sido “consignada oficialmente” a 15 de maio de 2018 e estando previsto inicialmente um prazo de dois para a conclusão dos trabalhos.

Em junho, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou à Lusa que continuava a investigar, três anos após a abertura do inquérito, com base numa queixa de Massena, a existência de eventual crime na reabilitação do Bolhão, no Porto. A necessidade de uma reabilitação profunda do Mercado do Bolhão começou a ser equacionada em meados de 1984, quando os serviços municipais detetaram patologias construtivas graves nos pavimentos do mercado.

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