789kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Gut Oggau. Conheceram-se, casaram-se 3 meses depois e criaram uma família de vinhos naturais

Este artigo tem mais de 4 anos

Stephanie e Eduard são o casal austríaco que criou o popular vinho que parece ter vida própria. Estiveram e Portugal e falaram com o Observador sobre realidades e preconceitos.

A Gut Oggau tem 10 referências no seu portefolio de vinhos. De tintos a brancos passando por licoroso e roses.
i

A Gut Oggau tem 10 referências no seu portefolio de vinhos. De tintos a brancos passando por licoroso e roses.

D.R.

A Gut Oggau tem 10 referências no seu portefolio de vinhos. De tintos a brancos passando por licoroso e roses.

D.R.

Theodora é uma jovem que arrebata corações com as suas boas maneiras, apesar de ter tanto de imprudente como de elegante. Atanasius é o seu irmão, rapaz popular e bem parecido que esconde uma série de qualidades que só quem o conhece bem sabe quais são. Wiltrude é a doce e exótica mãe destes dois jovens e Joschuari é o seu marido, sempre estiloso e carismático. Estes são apenas quatro dos 10 membros da “família” Gut Oggau. Podem parecer pessoas mas na verdade são vinhos.

Já lá vão 12 anos desde que Stephanie Tscheppe-Eselböck e Eduard Tscheppe, carismático casal austríaco, decidiu virar a sua vida do avesso e criar uma das marcas de vinho mais populares do momento, a Gut Oggau. Quando procuravam por uma quinta na região de Burgenland, perto do lago Neusiedl, na Áustria, encontraram — ou ela encontrou-os a eles, como preferem acreditar — uma propriedade secular que estava maltratada há 20 anos. Depois o destino encarregou-se de levá-los a este “clã“. Confusos? É fácil: Desde o primeiro vinho criado sentiram que o que tinham em mãos possuía uma personalidade tão vincada que fazia todo o sentido associarem-no a pessoas, fictícias, que partilhassem os mesmos defeitos e feitios. Hoje têm os “avós”, os vinhos mais premium que são feitos numa prensa com mais de 200 anos; “os pais”, a gama média; e a “nova geração”.

Esta podia ser mais uma história apaixonantes do mundo dos vinhos mas há uma particularidade, o tipo de néctares que Stephanie e Eduard fazem. São vinhos naturais. Nos últimos anos tem havido uma crescente polarização entre os adeptos destes vinhos — onde quem os faz tenta interferir o mínimo possível no processo de vinificação e dá primazia a uma abordagem biológica ou biodinâmica à fase da viticultura — e os que preferem uma abordagem mais convencional onde se usam processos como a filtragem ou a adição de sulfitos (que funcionam como antioxidantes). A sua Gut Oggau, que não faz nada destas coisas e diz vender apenas “sumo de uva fermentado naturalmente e envelhecido”, é um dos nomes que internacionalmente mais representa esta nova vaga — são vendidos em mais de 50 países — mas nem sempre foi assim, principalmente em 2007, quando começaram e ninguém sequer entendia o que queriam fazer.

Estiveram em Lisboa, num jantar especial no restaurante Prado na passada sexta-feira, propósito para falarmos com eles e perceber melhor não só a sua história mas também o contexto, mitos e fundamentos daquilo a que preferem chamar “vinhos vivos”. Dos preconceitos sobre a utilização do cobre nas vinhas aos desejos para um futuro mais amigo do ambiente, durante quase uma hora falou-se de tudo um pouco. Faltou a companhia de um copo de vinho, a conversa deu-se por telefone e em horário de expediente. Mesmo assim, se estas linhas o inspirarem, saiba que pode sempre tentar comprá-los no único distribuidor que os vende em Portugal, a Caverna do Vinho. Seja como for, o que interessa é que lhe saiba bem.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os vinhos da Gut Oggau não só são transformados em personagens fictícias como o artistas alemão Jung von Matt desenhou-lhes uma cara. A cada colheita retoca todas elas, simulando que vão envelhecendo. D.R.

D.R.

Foram convidados de honra de uma refeição especial no restaurante Prado, em Lisboa. Como surgiu a oportunidade de organizar isto?
[Eduard (E)]
O Leandro da Caverna do Vinho começou a importar os nossos vinhos para Portugal há coisa de um ano. No passado setembro também nos veio visitar aqui à Áustria. Estamos muito contentes por ter sido possível criar esta espécie de viagem vínica a Portugal porque ela acaba por ser uma coincidência agradável: uma das nossas melhores amigas mora no Porto e por isso vamos aproveitar para visitá-la.

Mas já cá tinham vindo antes?
[Stephanie (S)] Há séculos! Da última vez que aí estivemos ainda nem sequer éramos casados, foi algures em 2006. Fomos visitar o Douro. Desde então nunca mais conseguimos voltar mas temos ouvido coisas muito boas sobre aquilo que vocês têm estado a fazer. Novos restaurantes, vinhos, etc…

Já tiveram oportunidade de provar algum vinho português?
[E] Infelizmente isso é muito raro, especialmente se falarmos de vinhos naturais. Sabemos que há muita coisa a acontecer nesse campeonato mas muito honestamente não estamos nada atualizados. É muito difícil arranjar esses vossos vinhos por cá…

Diziam que a última vez que aqui estiveram foi em 2006, um ano antes de comprarem a vossa quinta. Como é que deram com ela?  
[S] Na verdade sentimos que foi mais a quinta a descobrir-nos e não o contrário. Casámo-nos pouco tempo depois de nos termos conhecido, uns três meses depois, só. Sempre sentimos, mesmo antes disso, que queríamos fazer um projeto em conjunto, algo só nosso. Podia ser um restaurante, um wine bar… Não tínhamos muita certeza sobre o que podia ser e fazer o nosso próprio vinho não foi algo que nos lembrássemos imediatamente. Acabámos por dar com este sítio e apaixonámo-nos por ele. Sentimos logo que assumi-lo iria ser muito desafiante mas, ao mesmo tempo, também era demasiado tentador ficar com uma quinta com uma enorme tradição na produção de vinho e começar do zero ao transformá-la noutra coisa.

Na quinta Gut Oggau há um pequeno wine bar onde os visitantes podem provar estes vinhos

Foi a tentação de poder redefinir um novo rumo…
[E]
Exato. Uma coisa acabou por levar a outra e tudo se proporcionou. Assim que vimos o sítio percebemos logo que era aqui que queríamos ficar.

Era uma senhora idosa que geria a propriedade, nessa altura, certo?
[E]
Era ela que estava cá mas já não geria o projeto ativamente. Há anos que já não faziam vinho quando assumimos a propriedade. As próprias vinhas estavam trabalhadas o mínimo possível, fazia-se só o suficiente para se poder vender as uvas a outros produtores. Estava tudo meio abandonado, na verdade. Como a senhora não tinha filhos nem marido ou família próxima foi perdendo o interesse e ajuda para se cuidar do projeto.

Que quantidade de vinha tinham no início?
[S]
Começámos com 11 hectares, hoje já temos 20. Temos tido um crescimento orgânico, no que diz respeito à quantidade de vinhas. Todos os anos íamos juntando mais uns pés de vinhas abandonadas que existiam à nossa volta para depois voltarmos a pô-las em forma. Neste momento temos uma boa estrutura, um bom tamanho que nos permite trabalhar junto da vinha com grande proximidade e atenção.

Quando tomaram conta da propriedade já tinham assente que iam apostar nesta área dos chamados vinhos vivos ou naturais?
[S]
Foi-nos óbvio desde o início. Quando tomámos conta destas vinhas sabíamos que as iríamos cuidar da forma mais sustentável possível, com uma abordagem biodinâmica em termos de agricultura. Nessa altura também já sabíamos muito bem que gostávamos deste tipo de vinhos e da sua energia entusiasmante. Nem devia existir ainda o termo “vinho natural”…

Nós nem tínhamos nenhuma referência muito vincada, simplesmente escolhemos esta abordagem de mínima intervenção porque não conhecíamos a vinha que tínhamos acabado de comprar. […] Decidimos que para descobrir tudo isso não podíamos “tratar” o vinho, não podíamos maquilhá-lo de forma nenhuma porque corríamos o risco de não conseguir conhecer a beleza natural dessas vinhas.” 

Nessa época devia ser algo ainda mais de nicho…
[E]
Completamente. Nem tínhamos nenhuma referência muito vincada, simplesmente escolhemos esta abordagem de mínima intervenção porque não conhecíamos a vinha que tínhamos acabado de comprar. Nos anos antes de termos dado com ela, os donos anteriores só vendiam as uvas por isso não sabíamos que história nos iria contar aquilo que dela saísse. Decidimos que para descobrir tudo isso não podíamos “tratar” o vinho, não podíamos maquilhá-lo de forma nenhuma porque corríamos o risco de não conseguir conhecer a beleza natural dessas vinhas. Foi assim que tudo começou, na verdade. Depois disso rapidamente nos fomos apercebendo da vivacidade que o vinho tinha, do quanto eram detalhados e de carácter forte. Cada um era único e com uma personalidade própria…

Foi daí que nasceu a ideia de criar uma “família” fictícia de vinhos, então…
[E]
Exato. Queríamos que a personalidade que sentíamos no vinho se espelhasse nos rótulos, tornar isso mais visível.

E a nível pessoal como foi a transição para esta nova realidade? Já estavam ligados ao vinho [a mãe de Stephanie é uma das sommeliers mais famosas da Áustria e a família de Eduard já produzia vinho dito convencional] mas nunca do ponto de vista produtor/viticultor…
[S]
Foi muito empolgante… E da melhor forma possível. Claro que houve dificuldades e momentos menos positivos, até certo ponto. Principalmente nos primeiros anos porque tínhamos muitos problemas a conseguir que nos valorizassem. Ninguém percebia o que queríamos fazer… Ao mesmo tempo estávamos a adorar aquilo que íamos fazendo. Desde o primeiríssimo momento! Tudo isto deu-nos muito, muito trabalho, foi intenso, mas olhando para trás é bastante óbvio que a mudança foi sempre mais boa do que má. Quando trabalhas com a natureza e vives de acordo com os seus ritmos acabas por perceber que isso te faz muito bem à alma, só tens de pôr o teu ego um pouco de lado e aceitar que não consegues controlar ou perceber tudo — isso também faz parte da beleza da coisa.

Nós, enquanto seres humanos, temos sempre a tendência natural para querer controlar ou estar ciente de tudo aquilo que nos rodeia ou que depende de nós. Trabalhar no registo em que vocês trabalham, sempre tão dependente das incertezas da natureza, requer que tenham de largar isso um bocado. Foi difícil abraçar esse mindset?
[S]
Demorou o seu tempo, claro. Isto não acontece de um dia para o outro, é um processo de evolução pessoal. A verdade é que não tínhamos outra escolha para além de abraçar esta forma de vida, de pensar. Talvez o facto de nenhum de nós estar diretamente ligado e ciente do que é a vinificação, pelo menos no início, deixou-nos de mente mais aberta e com menos receios. Como não sabíamos muito bem que riscos poderíamos correr…

Quase todo o processo de vinificação e é feito de forma artesanal. Stephanie e Eduard querem a longo prazo usar ainda menos máquinas do que as que usam agora.

D.R.

Falavam há pouco sobre os primeiros anos do projeto. O que podem contar mais sobre esses momentos iniciais?
[S] Quando tudo começou estávamos no inverno, tivemos de lidar com as podas e tudo isso. O mais crucial foi estar no terreno o máximo de tempo possível e tentar perceber ou sentir aquilo que as vinhas estavam a precisar. Foi tudo sempre um pouco “tentativa e erro”, tanto o trabalho com o composto como com os preparados, os extratos naturais… Claro que depois com o tempo fomos crescendo em termos de experiência. Aliás, isto é tudo uma evolução contínua, será sempre impossível dizer que as vinhas estão no ponto certo. Isso nunca acontecerá, muito provavelmente. Agora o que acontece, sim, é que todos os anos, por causa da forma como trabalhamos, há sempre passos em frente em termos de vitalidade do solo e saúde das plantas.

Mas como é que isso se traduz no produto final, no vinho?
[S] Os melhores vinhos são sempre os da colheita seguinte porque ele nascerá sempre de uma nova camada de informação ou energia do solo — seja o que for que lhe queiras chamar. Há sempre mais vitalidade, carácter. Sem mudarmos dramaticamente a nossa intervenção surge sempre uma nova camada de vida tanto na vinha como depois, já no vinho. Isto é super entusiasmante! Temos muito orgulho das nossas primeiras colheitas mas sabemos que há sempre mais e mais por vir.

Quando lançaram o primeiro vinho?
[S]
Em 2008, mais ou menos um ano depois de termos começado.

Logo nessa altura já batizavam os vinhos da mesma forma que fazem hoje? Criando personagens e histórias consoante as suas características?
[E]
Fazemos isso desde o principio. Quando os primeiros vinhos aterraram na nossa adega foi um momento espetacular porque pudemos perceber a sua personalidade e o seu carácter. Isso foi o que nos levou a querer descrevê-los como se fossem pessoas, a dar-lhes caras e a mostrá-las nos rótulos. Temos uma relação muito pessoal com todos os vinhos, daí ser-nos natural tratá-los dessa forma. Não queríamos que eles fossem julgados pela cor, sabor ou cheiro. Preferimos dá-los a conhecer pelo seu carácter.

Nunca foi nossa intenção provocar as pessoas com os nossos vinhos, simplesmente queríamos mostrar as coisas como elas são. Criar um certo balanço estrutural conseguindo mostrar as características da região. No final tem tudo a ver com equilíbrio e harmonia.”

Só trabalham com blends, certo?
[E] Correto. Isto porque as vinhas com que trabalhamos estendem-se por pedaços relativamente pequenos de terra, daí nunca termos tido a vontade de partir para monovarietais. Fazemos blends com uvas que partilham pontos em comum: por exemplo, os nossos vinhos da “geração mais nova” são feitos quase sempre a partir das vinhas que estão em terrenos mais planos. Acabam sempre por ter mais energia, alguma crocância. A “geração do meio”, dos “pais”, vêm quase sempre das vinhas que temos numa encosta soalheira com exposição solar direta e que dão uvas um pouco mais maduras. Os vinhos resultantes são mais pacíficos. O que queremos sempre valorizar é o potencial natural da vinha e capturar isso dentro de uma garrafa.

Passam mais tempo no campo em vez de na adega, então?
[E] Não é muito o nosso estilo fazer experiências na vinificação, não. Preferimos abordagens mais subtis em termos de maceração e de tudo o resto que ajude a tornar mais pronunciada a identidade do terroir. Mas atenção, não vamos a extremos. Nunca foi nossa intenção provocar as pessoas com os nossos vinhos, simplesmente queríamos mostrar as coisas como elas são. Criar um certo balanço estrutural conseguindo mostrar as características da região. No final tem tudo a ver com equilíbrio e harmonia.

Theodora, Winifred, Timotheus, Josephine… Estas personagens estão de alguma forma ligadas a pessoas que vocês conhecem? Familiares? Amigos?
[S]
Nada disso [risos]. Nós não partimos à procura de um carácter vínico em específico, preferimos descobrir o que ele acabará por ter. Não existe qualquer ponto de referência.

Como falávamos há bocado, começar a fazer vinho natural em 2007, quando pouco ou quase nada se sabia disso em comparação com o que se vê hoje, deve ter feito de vocês uma espécie de aliens dentro de um mundo dominado pelos produtores mais convencionais. Tiveram muito feedback negativo vindo desse bastião mais tradicional?
[E]
Bastante. Especialmente dentro dos mercados regionais e locais. As pessoas tinham uma expetativa tão diferente do vinho feito na nossa região… Muitos achavam que o nosso vinho era só estranho. Houve imensas reações negativas. Nós também nunca quisemos fazer compromissos e felizmente não deixámos fugir o caminho que tínhamos delineado. Preferimos ir à procura de pessoas que conseguiam dar valor ao que estávamos a fazer e encontrámo-las principalmente através da exportação para países como a Dinamarca ou o Reino Unido. Havia mais abertura nesses sítios e os sommeliers também tinha começado mais cedo a abraçar estes tipos de vinho, até no contexto de harmonizações com comida e coisas do género.

As pessoas sempre gostaram de falar sobre vinho, ler sobre vinho e muitas vezes impressionar os outros com o seu vinho. Nos “bons velhos tempos” podias sempre falar dos teus vintage de Bordéus ou da Borgonha, deste ou daquele Chateaux. Tudo isto são coisas que podes meramente ler, decorar e mencionar sem sequer teres de provar o vinho em si.”

O vinho natural, apesar de já ser bastante mais conhecido do que era há uns anos, continua a ser uma grande incógnita para muita gente. Se tivessem de explicar a alguém que não fizesse a mínima ideia do que ele era, como o fariam?
[S]
Em podendo não utilizaríamos o termo “vinho natural” mas sim “vinho vivo”. É claro que é preciso que as pessoas pensem dentro de determinadas caixas para perceberem minimamente aquilo que se está a passar à sua volta, mas para nós, este tipo de vinho começa na terra. A terra é muito importante, principalmente aquela que é cultivada de forma biológica e biodinâmica. Achamos mesmo que isto é ótimo e que devia ser um principio base para todos os produtores de vinho, independentemente do produto final a que queriam chegar. As pessoas que não gostam de vinho natural deviam pelo menos valorizar o facto do solo ser tratado como deve ser, sem herbicidas e inseticidas. Isto é a base do vinho natural. A seguir a isso é o facto de não haver qualquer intervenção no processo de vinificação, ou seja, o resultado final é mesmo só sumo de uva fermentado e envelhecido, nada mais. Isto significa que, se o processo for levado a sério, há imenso cuidado no momento de seleção das uvas, no trabalho na vinha, com a saúde das plantas, a higienização da adega… Se isto for feito como deve ser alcanças um vinho super, super bom.

E na prática? O que é isso que nos servem no copo?
[E]
Pode-se sempre discutir a opacidade do vinho, se sabe ou cheira de forma diferente. Uma pessoa de mente aberta não pode dizer que é vinho mau ou que nem sequer é vinho — mas atenção, há casos diferentes dos nossos que são mais extremos, mais provocadores. No geral acho que no mundo do vinho convencional há uma maior atenção dada à vinificação e não tanta à viticultura. Não ligam tanto à parte da agricultura porque mesmo que a uva não esteja perfeitamente madura ou saudável durante a vinificação pode-se disfarçar, maquilhar isso. Tudo para que possas dar ao vinho a forma ou o aspeto que ele teria se as uvas tivessem sido bem cuidadas e não levassem com mais nada em cima. Nós não queremos fazer este processo e não o fazemos porque acreditamos que o caminho natural das coisas já nos dá o suficiente, não há nada que possamos adicionar ou tirar para tornar melhor o resultado final. O melhor é aquilo que a natureza nos pode dar.

Na vossa opinião, porque acham que as gerações mais velhas têm mais resistência a este tipo de vinhos?   
[E] As pessoas sempre gostaram de falar sobre vinho, ler sobre vinho e muitas vezes impressionar os outros com o seu vinho. Nos “bons velhos tempos” podias sempre falar dos teus vintage de Bordéus ou da Borgonha, deste ou daquele Chateaux. Tudo isto são coisas que podes meramente ler, decorar e mencionar sem sequer teres de provar o vinho em si. O vinho natural — ou vinho vivo, como preferimos chamar — é algo que não consegues padronizar ou apresentar num livro ou enciclopédia. Cada colheita é diferente, cada vinha é diferente, daí ser muito difícil de colocar os vinhos em “caixas” e, por conseguinte, entendê-los…

Mas também não temos necessariamente de entender a natureza, não é?
[E]
Exato! Porquê fazer isso quando podemos apenas beber sem saber ao pormenor tudo sobre aquilo que estamos a levar à boca, sem encontrar aquilo que já estaríamos à espera? Em vez disso acreditamos que é muito melhor beber pelo prazer de beber e ser surpreendido. Cada vez mais as pessoas exigem saber tudo, estar sempre preparado para o que aí vem. Porquê? As coisas mais bonitas da vida são aquelas que nos apanham de surpresa…

Os vinhos Gut Oggau são todos blends de várias castas autóctones da região de Burgenland (como a Bläufrankish, a Zweigelt, Gruner Veltliner, Welschriesling, Weissburgunder (Pinot Blanc) e a Gewürtzraminer). D.R.

D.R.

Então concorda que são principalmente as gerações mais novas a olhar para o vinho natural — ou vivo — com respeito e interesse?
[S] Sem qualquer dúvida. Mesmo assim acho que também é preciso ter em conta que hoje há uma consciencialização muito maior sobre a origem das coisas, sobre como é que a comida é cultivada, por exemplo, ou quais as melhores formas de tratar os solos. Há um cuidado muito maior com aquilo que se come e isto, do ponto de vista do vinho, traduz-se numa maior noção de que ele não é apenas uma bebida mas também o resultado de um processo agrícola.

[E] Tudo isto tem ganho força e os jovens com interesse no mundo do comer e beber não só se preocupam mais com a origem das coisas como não querem muito saber de convenções, simplesmente gostam de brincar, de forma positiva, e abraçar aquilo de que gostam. Nunca imaginámos que os nossos vinhos pudessem vir a ser representados em mais de 50 países. Nunca esperámos isto quando começámos. Só o facto de termos uma garrafa em Portugal já é algo extremamente entusiasmante para nós.

O vinho natural é menos prejudicial para a saúde que o vinho convencional? Acham que se pode fazer alguma correlação entre estes fatores?
[S]
Nós não somos médicos e é muito difícil haver estudos que possam servir de referência, contudo há quem diga que são melhores para o sistema digestivo. Agora, também acho que se pensarmos no exemplo da comida, tudo fica mais óbvio: Se tiverem um tomate cultivado de forma sustentável e o comerem cru ou cozinhado, ele vai saber-vos muito melhor do que qualquer refeição congelada que possam comprar no supermercado, daquelas de aquecer no microondas. O nosso sistema digestivo tem dificuldades em gerir coisas que não são naturais, e por isso todos os estabilizadores, por exemplo, que são adicionados a muitos vinhos e muitas comidas tornam-se difíceis de processar. Se formos sensíveis a estas coisas conseguimos mesmo sentir as diferenças.

[E] Por exemplo: os vinhos tintos têm histamínicos, aquelas coisas que nos dão alergias e nos fazem espirrar. Eles aparecem naturalmente e há muita gente que diz que não pode beber vinho porque é alérgica. Os nossos vinhos têm todos histamínicos, também, mas como não sofrem qualquer tipo de manipulação têm um equilíbrio que faz com que mesmo existindo estes elementos, pessoas alérgicas não se sintam mal quando os bebem. Mas temos de ter muito cuidado com este tipo de assuntos, claro.

De outra forma preferimos fortalecer as plantas com extratos de ervas naturais: usamos o de “horsetail” para as fortalecer, de camomila para as relaxar… Há maneiras alternativas de fortalecer plantas e isso torna-se muito óbvio se cruzarmos este campo com o da medicina: tentamos evitar usar antibióticos e em vez disso fortalecemo-nos com chás e coisas do género.

E que exemplos conseguem dar de coisas que fazem na vinha que outras produções mais convencionais não fazem?
[S] O nosso grande objetivo a longo prazo é usar o mínimo de máquinas possível, mas ainda não chegámos lá. Queremos alcançar isto para minimizar ao máximo qualquer tipo de pressão extra no solo. No geral tentamos fazer tudo manualmente, evitamos ao máximo fazer pulverizações apesar de às vezes ser impossível não aplicar alguns sulfitos ou cobre, se a situação for muito grave. De outra forma preferimos fortalecer as plantas com extratos de ervas naturais: usamos o de “horsetail” para as fortalecer, de camomila para as relaxar… Há maneiras alternativas de fortalecer plantas e isso torna-se muito óbvio se cruzarmos este campo com o da medicina: tentamos evitar usar antibióticos e em vez disso fortalecemo-nos com chás e coisas do género. Reforçamos o nosso sistema imunitário de forma a evitar que seja preciso usar os antibióticos. Com as plantas é igual.

Isto deve dar um trabalho muito maior.
[S]
Bastante, mesmo. Tudo demora mais tempo, exige mais paciência e tem riscos mais elevados. Felizmente, no final, compensa muito. Uma planta saudável, forte, vai produzir comida igualmente saudável e forte. Está tudo ligado mas é preciso sempre começar pelo fundamental, trabalhar com sensibilidade, não fazer agricultura de receita, evitar usar máquinas… É um esforço muito grande, mesmo. Não queremos fertilizar a terra em demasia por isso só usamos composto, nada mais, por exemplo. Tudo isto faz com que as produções sejam necessariamente mais pequenas e isso, como é óbvio, faz com que o valor seja mais elevado.

É o mesmo com a indústria da comida…
[E]
Sim! Podes produzir carne e vegetais de forma muito barata mas isso traz outros preços, bem elevados, por sinal, para a sociedade, para o planeta, para os animais, plantas e para a nossa saúde.

Mas e a utilização de cobre nas vinhas? É um produto utilizado em produções como a vossa e que é tudo menos consensual…
[E]
Nós somos certificados pela Demeter, ou seja, somo certificados na prática agrícola biodinâmica. Isto significa que poderíamos usar cobre na proporção de três quilos por hectare — o que no final é muito pouco. Acontece que neste momento usamos apenas cerca de meio quilo por hectare e só o fazemos quando estamos com algum problema grave de fungos porque, por algum motivo, a planta não está a ter nenhuma resistência à infeção. Acho que tem sempre tudo muito a ver com a dose: se não exagerares dele o cobre é útil. Ele está em todo o lado, no solo, nas plantas… O elemento em si não faz mal, tem tudo a ver com a dosagem.

Eduard e Stephanie, que têm pouco mais de 30 anos, vivem na sua quinta praticamente todo o ano, defendem que a proximidade com as vinhas só ajuda a cuidá-las melhor.

Ingo Pertramer

Mas é dessa utilização que nascem muitas das críticas de quem não se revê neste contexto do vinho natural…
[E] Há sempre essas pessoas, sim. Quem acuse agricultores que trabalham em moldes parecidos com os nossos de usarem muito cobre e de isso fazer mal… Os “convencionais” fazem pulverizações para proteger as suas plantas e grande parte dos produtos que usam também têm cobre, e com eles não faz diferença nenhuma. Tem tudo a ver com a dose e com uma utilização ponderada. Doses baixas não fazem problema nenhum.

Como apresentariam os vossos vinhos a alguém que nunca tivesse ouvido falar neles?
[E]
Diria que não há grande diferença na nossa forma de praticar a viticultura e a vinificação — tem tudo muito a ver com o decorrer normal da natureza. Nas vinhas, em termos de carácter do solo e personalidade, temos grandes diferenças. Temos algumas vinhas que acrescentam uma energia jovem e vibrante e que usamos para a nossa “geração mais nova” [os vinhos de entrada de gama]. Depois temos outras mais sérias em termos de expressão, mais maduras. Estas ficam numa encosta mais soalheira, têm mais exposição direta ao sol e isso dá características diferentes ao vinho. Finalmente temos os “avós”, as nossas vinhas mais velhas cujas uvas são transformadas numa prensa com 200 anos que já estava aqui na quinta quando ficámos com ela. Usamo-la só para estes “avós”, são a referência que corresponde às tais vinhas mais velhas…

As vinhas têm que idade, mais ou menos?
[S]
Entre 30 e 70 anos, mais coisa menos coisa. Curiosamente, as vinhas que nos dão as “geração mais nova” já têm alguma idade. Só no ano passado é que plantámos vinhas novas pela primeira vez, antes disso limitávamo-nos a assimilar outras que existiam por aí. Esta nova plantação é uma coisa  meio experimental, queremos testar coisas novas e varietais diferentes para ver como podemos agir no futuro tendo em conta as mudanças climáticas.

Vivem na propriedade?
[S]
Sim.

Ainda hoje muitas vezes olhamos um para o outro sem perceber muito bem o que está a conhecer, quase sem conseguir acreditar nisto tudo. Estamos muito felizes mas nunca será normal saber lidar com a apreciação das pessoas.

Sempre viveram no campo ou mudaram-se para aí vindos da cidade?
[S]
Somos do campo! Estudámos em cidades, claro, mas sempre fomos habituados a viver nestes ambientes. Para produtores de vinhos acredito ser algo essencial, estar no campo, acompanhar as plantas… Ao mesmo tempo também se consegue intercalar isso com muitas viagens, com o conhecer de sítios novos. Adoramos este ritmo. Durante a vegetação estamos sempre por aqui mas no inverno, quando as vinhas estão “a dormir” e o vinho está na adega em segurança, aproveitamos para passear.

Os vossos vinhos, neste momento, vivem um período de popularidade muito grande. Quando é que se aperceberam que a vossa ideia tinha sido um sucesso?
[S] Ainda hoje muitas vezes olhamos um para o outro sem perceber muito bem o que está a conhecer, quase sem conseguir acreditar nisto tudo. Estamos muito felizes mas nunca será normal saber lidar com a apreciação das pessoas. É difícil identificar um momento certo em que nos tenhamos apercebido que tudo tinha corrido pelo melhor. Sempre trabalhámos com as mesmas ideias, filosofias e paixão. É claro que agora, com o movimento do vinho natural a crescer as pessoas que o compõem — mais sensíveis e recetivas — percebem o nosso objetivo, a nossa dedicação e sentem que isso passa para o nosso vinho. Sentimos que todo o esforço e proximidade que damos às vinhas dá origem a algo que não é apenas uma bebida, é bem mais que isso.

Na vossa opinião, qual é o futuro do dito “vinho vivo” ou “vinho natural”?
[E]
Vai depender muito do trabalho dos produtores, distribuidores, sommeliers e da imprensa. É preciso haver uma educação. Obviamente que muito dependerá também do consumidor — sempre que recebemos aqui pessoas nunca nos cansamos de as desafiar a fazerem-nos perguntas, a questionarem-nos. No geral, há 12 anos ninguém sabia o que era vinho natural ou estava interessado. Agora parece o oposto, muita gente parece querer abraçar este vinho. Nós preferimos mil vezes a situação atual do que a de há 12 anos, não só por nossa causa mas também porque surge uma maior pressão sobre as grandes marcas de repensarem, pelo menos, a parte agrícola do seu negócio.

[S] Se eles adotassem pelo menos uma abordagem estandardizada de produção biológica isso já faria muito melhor aos solos, ao planeta. O consumidor pode precisar de conhecer mais sobre isto mas nós temos a responsabilidade de lhes mostrar tudo isto. Preferia ter um vinho biológico barato no supermercado que um vinho convencional barato no seu lugar.

Mas isto é uma moda ou não?
[E]
Para nós não é porque não queremos ir em nenhuma outra direção para lá daquela que temos neste momento. Os produtores que levam isto tão a sério quanto nós só vão querer continuar a caminhar em frente, na mesma linha. Nunca daríamos um passo atrás, nunca nos imaginaríamos a intervir na vinificação ou a comprometer a nossa filosofia de viticultura. Se outros pensarem da mesma forma, os seus vinhos seguirão rumo ao futuro. Temos esperança que continuem a existir pessoas a apreciar isto. Se não existirem continuaremos a fazer o que fazemos hoje — não conseguiríamos fazer de outra forma.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora