Não houve “interferência política” na decisão de não emitir o programa “Sexta às 9” durante a última campanha eleitoral para as eleições legislativas, considerou o Conselho de Redação da RTP numa deliberação de 29 de dezembro, sobre a polémica que envolve a então diretora do canal, Maria Flor Pedroso, e a jornalista Sandra Felgueiras.  Essa deliberação foi enviada à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, que vai analisar agora se deve ser aberto um procedimento disciplinar.

O documento, assinado pelos membros eleitos do Conselho, diz que essa interferência não aconteceu por motivos políticos e que “tendo em conta a importância decisiva do bom nome da redação, torna-se imperativo que quaisquer alegações sobre esta matéria sejam comprovadas pelos seus autores, de forma irrefutável“. Mas aconselhou também a “uma clarificação da linha hierárquica dos programas de jornalismo de investigação da RTP, por forma a preservar a autonomia jornalística das equipas de repórteres, bem como a legítima definição de linhas orientadoras por parte da direção de informação”.

O Conselho de Redação refere ainda a acusação feita por Sandra Felgueiras de que Maria Flor Pedroso tinha interferido numa reportagem sobre o Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM), onde a ex-diretora da RTP deu aulas. Segundo o órgão, “não ficou demonstrada nenhuma intenção” da jornalista “no sentido de prejudicar a investigação jornalística” sobre a escola.

A posição do Conselho de Redação quanto à polémica do ISCEM contraria as conclusões que foram escritas no comunicado do plenário de jornalistas há duas semanas. Neste último, em vez de se ilibar a direção demissionária da RTP, o plenário diz que a intervenção Maria Flor Pedroso neste caso constitui “uma violação dos deveres deontológicos dos jornalistas e de lealdade para com a redação”.

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Jornalistas da RTP acusam Maria Flor Pedroso de “violação dos deveres deontológicos e de lealdade”

No entanto, a deliberação insiste que a ex-diretora da RTP devia ter tido “maior bom senso” quando contactou o ISCEM, enquanto professora na instituição, por causa dessa reportagem: “Acreditando que o intuito da diretora de informação era auxiliar a reportagem, entende-se que todas as iniciativas realizadas pela diretora de informação deveriam ter sido imediatamente comunicadas à equipa do programa Sexta às 9”.

Maria Flor Pedroso abandona direção de informação da RTP

Em causa estão as acusações feitas por Sandra Felgueiras a Maria Flor Pedroso sobre o adiamento do programa “Sexta às 9” sobre a prospeção de lítio, que chegou a ser anunciado para o dia 13 de setembro mas só foi emitido após as eleições legislativas, a 11 de outubro. Na comissão parlamentar, a jornalista responsável pelo programa disse que “era possível” ter emitido reportagem nessa primeira data. E lembrou que nunca antes o programa tinha sido suspenso durante campanhas eleitorais.

Também ela ouvida na comissão parlamentar, Maria Flor Pedroso garantiu que o adiamento não se deveu ao tema da reportagem em questão: “Se houvesse notícia sobre o lítio, ela iria para o ar assim que ela estivesse pronta para ir para o ar, em tempo de campanha eleitoral ou não”, justificou, dizendo que o trabalho só ficou pronto “horas antes” da suposta emissão.

Depois desta polémica, outra estalou. Em Conselho de Redação da RTP, Sandra Felgueiras acusou a então diretora da RTP de ter boicotado uma reportagem sobre o ISCEM, onde Maria Flor Pedroso dava aulas. A investigação seria sobre os negócios de Regina Moreira, proprietária da escola, e sobre suspeitas de irregularidades como a venda do edifício e a cobrança indevida de dinheiro aos alunos que iam para outras escolas.

Maria Flor Pedroso negou todas as acusações, mas confirmou que Regina Moreira lhe tinha procurado porque “tinha recebido vários contactos e chamadas do ‘Sexta às 9’ com um pedido de entrevista que ela não queria dar”. A diretora da RTP terá sugerido à proprietária do ISCEM que respondesse por escrito — “sem, nunca, a ter informado da investigação do Sexta às 9”, assegurou.

Apesar de um abaixo-assinado em defesa de Maria Flor Pedroso, a jornalista apresentou a demissão ao Conselho de Administração da RTP: “Face aos danos reputacionais causados à RTP, não tem condições para a prossecução de um trabalho sério, respeitado e construtivo, como sempre tem feito”, diz o comunicado.

Depois da “auscultação dos motivos invocados pela diretora e exclusivamente por esses motivos, o Conselho de Administração considera que não tem “outra alternativa que não seja aceitar essa decisão”, prossegue o comunicado. “O CA agradece a Maria Flor Pedroso, jornalista de idoneidade e currículo irrepreensível, o trabalho desenvolvido de forma dedicada, competente e séria enquanto diretora de informação de televisão da RTP”.

Após a saída de Maria Flor Pedroso, José Fragoso, que já era diretor de programas da RTP1, RTP Internacional e RTP3, foi apontado para assumir a direção de informação dos mesmos canais. A proposta foi negada pela ERC, por entender que a acumulação dessas funções podia simbolizar um “risco” para o órgão público.

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