Existe uma ideia recorrente e quase hereditária de que o futebol é um jogo pouco inteligente. Ou que, pelo menos, é um dos jogos menos inteligentes quando comparado com o futebol americano, com o basebol, com o basquetebol ou o hóquei. As regras são simplistas, a exigência física está longe da exigida noutras modalidades e nem sempre ganha a melhor equipa porque o resultado é decidido com poucos golos no marcador.

Ainda assim, nos últimos anos e de forma contraditória, tem surgido dentro do futebol a designação de “jogador inteligente”. Um jogador cuja definição, se esta existisse num qualquer dicionário, indica que para lá de capacidade tática, de qualidade técnica, de poderio físico ou de virtuosismo mágico, utiliza a lógica e o raciocínio para ser melhor do que os outros. Para se superar, para ver para lá do óbvio e para fazer muito mais do que simplesmente tocar com os pés na bola.

As cadeiras voaram mas é Cervi quem continua a andar nas nuvens (a crónica do V. Guimarães-Benfica)

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Esta inteligência, normalmente, é demonstrada através de decisões tomadas com a bola nos pés ou de ações desempenhadas sem ela que acabam por libertar colegas de equipa. Mas existe uma exceção — ou uma adenda, se assim o quisermos. Existe a inteligência que olha para lá do jogo que se está a jogar: que olha para o futuro, para as semanas seguintes, para a preparação e para uma temporada enquanto tarefa a longo prazo. Este sábado, no nono minuto de descontos do encontro no D. Afonso Henriques, Taarabt teve este raro tipo de inteligência.

O jogador marroquino sabia que estava a um cartão amarelo de ficar suspenso durante uma jornada. E sabia também que, no próximo fim de semana, o Benfica recebe o último classificado Desp. Aves na Luz. E sabia, finalmente, que na jornada seguinte a equipa de Bruno Lage se desloca a Alvalade para o primeiro dérbi da Liga com o Sporting. Misturando todas estas premissas — e já com a vitória perante o V. Guimarães garantida –, Taarabt atrasou propositadamente a marcação de um livre, viu o quinto cartão amarelo, vai falhar a receção ao Desp. Aves e marcar presença na visita ao Sporting.

Já o Benfica, que venceu então o V. Guimarães, abriu um fosso provisório de sete pontos para o FC Porto e pressionou ainda mais os dragões na véspera do Clássico com o Sporting, chegou às 12 vitórias consecutivas para a Primeira Liga. Os encarnados ganham no D. Afonso Henriques há sete partidas seguidas, desde a temporada 2015/16, e Bruno Lage não negou na flash interview que a equipa foi obrigada a recuar as linhas para enfrentar o bem organizado conjunto de Ivo Vieira.

“Tínhamos de defender a largura. Tentámos condicionar com pressão. Alterámos a meio da primeira parte, ao intervalo e refrescámos depois. O V. Guimarães faz isto muito bem: entra no meio-campo com bola e tenta criar situações e procurar o corredor. Mantém dois homens abertos e a nossa equipa tinha de ser coletiva e taticamente muito forte a defender, porque senão o V. Guimarães ganha espaço e terreno e criar oportunidades. Tínhamos de fazê-lo. Fomos gerindo o jogo em função do resultado”, explicou o treinador, que lamentou ainda as paragens motivadas pelas tochas atiradas para o relvado pelos adeptos mas louvou o “ambiente fantástico”, com “público a apoiar do primeiro ao último minuto” num “estádio magnífico à inglesa”, deixando perceber alguma nostalgia do tempo em que esteve em Inglaterra com Carlos Carvalhal.

Sobre o Clássico, Bruno Lage reconheceu que existe “um resultado que pode interessar mais”, referindo uma vitória do Sporting, mas lembrou que a primeira volta ainda não terminou e que na temporada passada o Benfica chegou a ter sete pontos de desvantagem em relação ao FC Porto. “E vejam o que fizemos. É prematuro analisar. O mais importante era fazer o que fizemos, que era vencer”, concluiu o treinador, que esta semana comemorou um ano à frente da equipa principal dos encarnados.