Cinco candidatos, um por cada deputado do CDS. Os cinco foram a um debate à porta fechada na sede no Largo Caldas, com apenas “cinco-sete minutos” para cada candidato abertos à comunicação social. Nesse período aberto, quatro recusam a continuidade e só um, João Almeida, não atacou o legado de Cristas. Na piscina dos grandes, o mesmo João Almeida recusou entrar no “campeonato dos pequeninos” e desvalorizou o Chega e a Iniciativa Liberal, Francisco Rodrigues dos Santos foi o único a atacar António Costa diretamente (que diz ser o seu “adversário“) e Filipe Lobo d’Ávila disse que eram fake news a ideia de que vai abdicar para outro candidato e não levar a moção a votos.

Dos dois candidatos menos conhecidos, Carlos Meira — o mais agressivo crítico de Cristas no congresso de 2018 — só usou metade do tempo disponível, mas foi o suficiente para ser apupado. Saiu do púlpito debaixo de protestos e voltou a sentar-se na mesa. Conseguiu o feito de abalar a pose de alguns  democratas-cristãos na sala ao dizer que pelo caminho para o Caldas lhe deu vontade de “comprar baldes de lixívia, para lavar esta casa de cima para baixo”. Isto porque Cristas deixou o partido na “bancarrota financeira e política” e disse, ainda não eram dez da noite, que até podia ficar ali até às duas da manhã, mas que não voltava a Viana do Castelo, de onde é, antes de João Almeida, que faz parte da atual direção, lhe explicar porque há funcionários com salários em atraso. Já Abel Matos Santos deixou oito ideias para o país e pediu que os militantes sigam um caminho que diferente da “continuidade”.

No ‘aplaudómetro’ da sala completamente cheia (nem todos os militantes conseguiram entrar), Francisco Rodrigues dos Santos e João Almeida ganharam aos outros candidatos. Formalismos à parte, dos cinco, só dois tinham gravata: João Almeida e Carlos Meira.

João Almeida. “Não estou para disputar o campeonato dos pequeninos”

João Almeida não quer o CDS a lutar com o Chega ou a Iniciativa Liberal, pois o partido está acima disso. Ao registar a enchente na sala, o deputado comentou: “Quem enche uma sala assim, não é de quem esteja a lutar pela sobrevivência”. João Almeida considerou as notícias da morte do CDS manifestamente exageradas e considerou este período apenas “uma vírgula na história escrita de muitas páginas” ou um “começo dos muitos começos” que o CDS já teve. Lembrou, por exemplo, que entrou para o partido em 1993, quando tinha apenas 4 deputados e 1% nas sondagens.

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Agora, não se assusta por perder deputados. “Não temos de ter medo”, afirmou. E criticou os que piscam o olho ao novo eleitorado dos novos partidos da direita parlamentar: “Quem quer pôr o CDS a competir com partidos que só nasceram agora não conta comigo, eu não estou para disputar o campeonato dos pequeninos”. Qualquer um desses partidos tem, mesmo perante o mau resultado “um quinto” da representação do CDS. E voltou a repetir: “O nosso campeonato não é dos pequeninos. É o da liderança, do arco da governação“.

João Almeida alertou que quem pensa que o problema do CDS são os dois novos partidos então “não percebeu”, lembrando que o partido perdeu 13 deputados e esses partidos só conquistaram dois. O antigo líder da JP disse ainda que não quer ser candidato “ao concurso do decibel“, já que “não é a gritar mais alto que os que apareceram agora” que o CDS se vai afirmar. Ou seja: recusa ir a reboque do Chega. Isto porque o CDS não é “um partido de protesto que ora tem uns eleitores, ora tem outros”. O CDS de João Almeida recusa “complexos de inferioridade” e avisa que não é “tempo de aventuras” e de “experiências”. “Estou aqui para vos servir“, conclui.

‘Chicão’. “O meu adversário chama-se António Costa”

A frase tinha sido dita há dois dias em Lisboa por um candidato à liderança do PSD, Luís Montenegro, e Francisco Rodrigues dos Santos, candidato à liderança do CDS, repetiu-a no Caldas: “Os meus oponentes não são nenhum militante ou candidato do CDS, o meu adversário chama-se António Costa, o meu adversário é o PS, o que quero é que o CDS combata o socialismo em Portugal”. Arrancou logo um aplauso da sala. Para o líder da JP, o CDS sempre foi uma “pedrada no charco” no “mainstream” e defendeu que o partido tem de se afirmar como “a casa de quem se revê num projeto não socialista no país”.

O CDS de ‘Chicão’ propõe-se a “disputar eleições com qualquer partido”, incluindo os que surgiram à direita do partido. Numa indireta a João Almeida — das poucas que houve entre os candidatos nos ‘cinco-sete’ minutos de intervenção — Francisco Rodrigues dos Santos disse não acreditar na “técnica do autocarro, em que simplesmente se espera que o autocarro passe e o CDS espera que o ciclo passe”.

O líder da juventude centrista quer assim ser líder de uma “primavera que a direita tem de atravessar” e “travar com a esquerda a batalha cultural”. ‘Chicão’ não tem medo de assumir bandeiras que considera que não são propriedade da esquerda como a “precariedade” ou o combate aos falsos recibos verdes. O candidato à liderança do CDS avisou, numa crítica a Cristas, que o partido não pode voltar a procurar eleitorado que nunca votará nele, e alertou: “Um partido sem identidade, torna-se inútil.”

Lobo d’Ávila. “São boatos. O Filipe não procura arranjinhos e vai a votos”

Filipe Lobo d’Ávila lembrou que foi dos que discordou de Assunção Cristas publicamente, que nunca o escondeu, e que, em coerência, só podia ser candidato. O candidato rejeitou a ideia de que os grandes nomes do partido viraram as costas à batalha, ao considerar que “notáveis” são os que “dão a cara pelo partido neste momento”.

Concentrou-se ainda em garantir que a sua “moção vai a votos” e acrescentou, na terceira pessoa: “Que não haja dúvidas, não haja conversas, não haja boatos sobre a intenção do Filipe Lobo d’Ávila, que não procura acordos nem arranjinhos. Se procurasse, tinha feito com a líder que tinha 90%”. O candidato refere-se à informação que chegou a circular nos corredores que acabaria por não levar a moção a votos e abdicar após negociar com Francisco Rodrigues dos Santos.

Lobo d’Ávila rejeitou ainda copiar o Chega ou o Iniciativa liberal, uma vez que “há originais que não merecem cópia”. O candidato quer um partido com implantação nacional, já que atualmente há “Caldas a mais e país a menos”. À semelhança de ‘Chicão’, o candidato defende que o CDS deve fazer parte da alternativa à governação socialista e que, independentemente das feridas abertas durante a disputa, “no dia a seguir” à eleição todos têm de estar juntos no CDS “porque os verdadeiros adversários estão lá fora.”

Abel Matos Santos. “Futuro sim, continuidade não”

O candidato Abel Matos Santos disse que os militantes, após um congresso que se espera muito disputado, devem escolher que caminho seguir: “Ou um projeto de continuidade, mais do mesmo, ou então olharmos e escolhermos uma solução de futuro, novas maneiras de fazer política, novos intervenientes”. Num ataque indireto a João Almeida (a continuidade), Abel Matos Santos insistiu numa “solução de futuro e não de continuidade”.

Além disso, o candidato lançou oito ideias para combater várias realidades, entre as quais a pobreza, a justiça morosa, a degradação do SNS, mas também o “combate ao aborto, à eutanásia e à ideologia de género”. E acrescentou: “Defendemos a vida. Aquando uma gravidez indesejada tem de haver outra solução que não o aborto. É importante que o Estado cuide e não mate“. Atacou ainda a “ideologia de género e a escola que impõe hiatos e comportamentos a crianças”, lembrando que “quem educa são os pais e as famílias“.

Carlos Meira. “Vontade é comprar baldes de lixívia para lavar isto de cima a baixo”

Um dos outsiders é Carlos Meira, que foi o crítico mais violento da ainda líder Assunção Cristas no último congresso. O candidato disse que esta quinta-feira tinha ido a Setúbal e que a vontade foi comprar “baldes de lixívia, para lavar esta casa de cima a baixo”. Acusou Cristas de levar o partido à “bancarrota financeira e bancarrota política”.

Depois, à semelhança de Lobo d’Ávila, também falou de si na terceira pessoa: “O único que teve coragem no último congresso de criticar foi o Carlos Meira”. O candidato do CDS não quis “falar do país”, já que o essencial é “pôr o partido na ordem”. E lembrou: “Há funcionários que não estão a receber os ordenados. Quero saber o que João Almeida, que é da comissão executiva, tem a dizer sobre isto”. Começou a ser apupado: “Não tenho medo. São sempre mais dos mesmos”.

Continuou a falar enquanto ouvia críticas por cima: “Berrem, gritem, insultem-me, estou aqui sem medo.” E pediu a  João Almeida que lhe respondesse à questão dos salários em atraso, dizendo que queria uma resposta, nem que saísse do Caldas “às duas da manhã”. Os ânimos exaltaram-se e João Gonçalves Pereira, líder da distrital de Lisboa que moderou o debate (na fase de debate todo ele à porta fechada) teve de pedir calma aos militantes: “Temos de nos respeitar todos uns aos outros”.