Em 2012, uma equipa de restauradores belgas do Instituto Real de Património Cultural recebeu 2,2 milhões de euros para recuperar uma obra de arte do século XV que estava em exposição na Catedral de São Bavão. Era o “Retábulo de Gante”, um conjunto de 12 painéis pintados por Hubert e Jan van Eyck. Mas foi preciso chegar ao último mês da segunda fase do projeto para que o retábulo revelasse um segredo que guarda há seis séculos.
Na cena da “Adoração do Cordeiro Sagrado”, em vez de um focinho semelhante ao de um animal, o cordeiro tinha sido originalmente pintado com olhos tão expressivos que lhe conferiam um semblante próximo ao de um humano. Durante o século XVI, no entanto, outro artista reformulou o focinho do “Cordeiro de Deus” e pintou-o com os olhos e o nariz semelhante ao de um animal. Essa era a expressão que se conhecia até agora.
Em declarações à Smithsonian Magazine, Koenraad Jonckheere, um professor de Arte do Renascimento e do Barroco que leciona da Universidade de Gante disse que essa pintura do século XVI deve ter sido executada precisamente para substituir “a identificação intensa e humanoide do cordeiro numa identificação de animal sem expressão”.
A pintura original, que está a causar burburinho na comunidade artística, foi revelada ao longo de três anos, quando a camada de tinta do século XVI foi retirada com recurso a raios-X, deixando exposta a tinta do século XV originalmente aplicada por Jan van Eyck para representar um grupo de peregrinos reunidos para homenagear o “Cordeiro de Deus”, expressão utilizada pela Igreja para se referir a Jesus Cristo.
Esse artista que alterou o famoso Retábulo de Gante, e cuja identidade é agora um mistério, reformulou 70% da obra com a tinta do século XVI. Ao The Art Newspaper, que avançou a notícia, Hélène Dubois, líder da equipa de restauro, acrescentou que “essa pintura foi feita tão cedo, e seguindo as formas do original, com pigmentos tão semelhantes e que envelheceram de maneira semelhante, que as alterações não eram realmente visíveis na documentação técnica quando o retábulo entrou pela primeira vez para tratamento”.
Segundo a especialista, “nada assim foi alguma vez visto das pinturas holandesas mais antigas”: “É um choque para toda a gente. Para nós, para a Igreja, para todos os académicos, para o comité internacional que segue este projeto”, enumerou Hélène Dubois. Esta descoberta aumenta ainda mais a curiosidade dos estudiosos sobre a peça, da qual se sabe pouco porque também a vida e a obra dos irmãos Eyck foi pouco documentada.