“O meu melhor momento? Tenho muitos bons momentos mas o meu preferido foi quando dei o pontapé ao hooligan“. Eric Cantona nunca foi propriamente pessoa de se refrear: de medir palavras, de medir ações, de medir reações às palavras dos outros. Mas há um dia, um dia específico na vida e obra do antigo jogador francês, que se tornou um dos pontos fulcrais de um qualquer livro de memórias ou filme biográfico que um dia queiram fazer sobre ele. Um dia que, mais do que marcar a carreira de Cantona, se tornou um dos dias mais marcantes das últimas décadas de futebol.

“Francês bastardo”, o salto kung fu, a frase das gaivotas e das sardinhas: o pontapé mais famoso (que até a Lego recriou) faz 25 anos

A 25 de janeiro de 1996, há precisamente 25 anos, Cantona foi expulso durante um jogo do Manchester United no estádio do Crystal Palace depois de agredir propositadamente Richard Shaw, defesa do clube de Londres. Enquanto se dirigia para o balneário, e depois de um adepto adversário descer várias filas da bancada para o enfrentar e insultar, Cantona acabou por atingir o rapaz com um pontapé digno de um filme sobre kung fu. Seguiram-se alguns socos, ou tentativas disso, até que o jogador foi imobilizado por colegas, adversários, membros das equipas técnicas e seguranças. Resultado: oito meses de suspensão, uma pena de prisão de duas semanas que foi convertida numa multa e uma página garantida na história desportiva do século XX.

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Exatamente 25 anos depois, recordamos 25 frases de e sobre um dos jogadores mais célebres de sempre. Desde a dificuldade que sentiu ao deixar o Manchester United, aliada à contraditória vontade de encontrar um sentido para a vida fora dos relvados, passando pelos longos elogios a George Best e Alex Ferguson e ainda a (surpreendente) inspiração de Shakespeare numa das mais recentes aparições públicas que protagonizou.

  1. “Há jogadores que só têm o futebol como forma de se expressarem e nunca desenvolvem outros interesses. E quando deixam de jogar futebol, deixam de fazer alguma coisa. Deixam de existir, ou pelo menos ficam com a sensação de que já não existem”.
  2. “Se só tens uma paixão na tua vida, o futebol, e a persegues até à exclusão de tudo o resto, isso torna-se muito perigoso. Quando páras de fazer essa atividade é como se estivesses a morrer. A morte dessa atividade é em si mesma uma morte”.
  3. “Eu não estudei, eu vivo”.

O avançado francês foi quatro vezes campeão inglês ao serviço do Manchester United, que representou de 1992 a 1997, ano em que terminou a carreira

4. “Estou orgulhoso de tudo aquilo que alcancei lá [no Manchester United], mas uma vida construída sobre memórias não é propriamente uma vida”.

5. “Quando as gaivotas seguem a traineira, é porque acham que vão atirar sardinhas para o mar”.

Uma das mais míticas, uma das mais reconhecidas e uma das mais repetidas. Depois do pontapé ao adepto do Crystal Palace, depois da suspensão decidida pela liga inglesa de futebol, depois da multa, depois do trabalho comunitário que teve de cumprir, Cantona apareceu numa conferência de imprensa convocada pelo Manchester United — para explicar todo o processo e para amenizar as opiniões mais drásticas, que chegavam a pedir que o francês fosse erradicado do futebol de forma definitiva. Os dirigentes do clube falaram, responderam às perguntas dos jornalistas e Cantona manteve-se sereno. No final, falou sobre gaivotas, traineiras e sardinhas: numa metáfora em que quis dizer, basicamente, que era perseguido pela comunicação social porque todos os meios estavam sempre à espera de que lhes desse uma manchete.

6. “O meu melhor momento? Tenho muitos bons momentos mas o meu preferido foi quando dei o pontapé ao hooligan”.

7. “A revolução é muito fácil de fazer nestes dias. Qual é o sistema? O sistema é construído através do poder dos bancos. Por isso tem de ser destruído através dos bancos. Uma verdadeira revolução”.

Cantona representou a seleção francesa em mais de 40 ocasiões

8. “Depois do primeiro treino no céu, George Best, a partir da ala esquerda que preferia, fintou Deus, que era o lateral direito”.

Cantona foi um dos jogadores e personalidades do futebol escolhidos para falar no funeral de George Best, um símbolo da história do Manchester United, em 2005, quando o antigo internacional irlandês morreu aos 59 anos. Admirador confesso de Best, o francês foi muitas vezes comparado ao mítico médio dos red devils, principalmente na personalidade excêntrica e nas características de enfant terrible.

9. “Eu não sou um homem, eu sou Cantona”.

10. “Tenho muito orgulho de que os adeptos ainda cantem o meu nome, mas tenho medo de que parem amanhã. Tenho medo porque adoro que o façam. E temos medo de perder tudo aquilo que adoramos”.

11. “Sac à merde

Melhor do que uma qualquer tradução, só mesmo a frase na sua versão original. No final dos anos 80, Cantona cortou relações com o então selecionador nacional francês, Henri Michel, e acabou por perder o lugar na seleção para um então jovem Zinedine Zidane. Em direto na televisão, não teve qualquer problema em insultar Henri Michel — acabou banido da seleção e só regressou às convocatórias quando Michel Platini assumiu o cargo de selecionador.

12. “O [Didier] Deschamps é bom porque dá sempre 100%, mas nunca vai ser mais do que um rapaz das águas”.

13. “Deixei de jogar futebol porque já tinha feito tudo aquilo que podia. Precisava de algo que me entusiasmasse tanto como o futebol o havia feito”.

Em agosto, a receber o President’s Award na gala da UEFA, onde proferiu um discurso fora do comum

14. “Tento encontrar formas diferentes de me expressar. Sem isso, morro”.

15. “Como moscas para rapazes irresponsáveis, nós somos pelos deuses, eles matam-nos por desporto. Em breve, a ciência vai não só ser capaz de atrasar o envelhecimento das células, como também de as recuperar, e assim tornarmo-nos-emos eternos. Só os acidentes, os crimes e as guerras vão continuar a matar-nos. Mas, infelizmente, os crimes e as guerras vão multiplicar-se. Adoro futebol. Obrigado”.

No final de agosto, durante a gala que recebeu o sorteio da fase de grupos da Liga dos Campeões, Cantona foi agraciado com o President’s Award, o prémio entregue pessoalmente por Aleksander Čeferin, presidente da UEFA. No discurso de agradecimento, começou por citar “King Lear”, a obra de William Shakespeare, antes de se lançar numa reflexão algo fatalista sobre o futuro do mundo.

16. “Não sei onde estão as minhas medalhas”.

17. “Deixar o Manchester United foi muito, muito difícil”.

18. “Os verdadeiros adeptos de futebol são da classe operária. Agora nem sequer têm dinheiro para ir ao estádio ver os jogos”.

19. “Gola para cima, costas direitas, peito para fora, ele entrava na arena como se fosse dono do sítio. Qualquer arena, mas em mais nenhuma de forma tão eficaz como em Old Trafford. Aquele era o palco dele. Ele adorava, a multidão adorava-o”, Roy Keane

Roy Keane e Eric Cantona cruzaram-se no Manchester United nos anos 90: se o segundo ficou conhecido pela rebeldia, o primeiro não é menos reconhecido pela agressividade e dureza com que atuava em campo. Ainda assim, não tem ressalvas em referir que Old Trafford era “o palco” de Cantona.

O avançado tinha uma relação de grande proximidade com Alex Ferguson, que pediu pessoalmente a contratação de Cantona em 1992

20. “Às vezes surpreendes o guarda-redes e às vezes o guarda-redes surpreende-te a ti. Na minha carreira, tentei fazer mais vezes o primeiro do que o segundo”.

Cantona terminou a carreira, em 1997, com 165 golos marcados ao longo de 440 jogos ao serviço do Auxerre, do Martigues, do Marselha, do Bordéus, do Montpellier, do Nimes, do Leeds e do Manchester United. Na seleção francesa, apontou 20 golos em 45 internacionalizações.

21. “A bola é como uma mulher, adora ser acariciada”.

22. “Eu jogo com paixão e fogo. E tenho de aceitar que às vezes este fogo causa danos”.

23. “Ele foi o único jogador a quem o treinador [Alex Ferguson] nunca se virou. Fomos todos à estreia de um filme e o dresscode era clássico. O Eric apareceu com um fato da cor de limão com ténis da Nike. E o treinador disse-lhe que estava fantástico”, Andy Cole

24. “Se existiu alguma vez um jogador, em qualquer parte do mundo, que foi feito para o Manchester United, foi o Cantona. Ele entrava com estilo, esticava o peito para fora, levantava a cabeça e abordava toda a gente como se estivesse a perguntar: ‘Sou o Cantona. Quão grande és? És grande o suficiente para mim?’. Mas tenho de admitir que houve alguma coisa, talvez um bloqueio mental, que o impediu de ser o melhor jogador do mundo. Houve um elemento na natureza dele que pareceu impedi-lo de entender o total potencial dos inacreditáveis dons que tinha”, Alex Ferguson

25. “Podes encontrar outro Beckham ou outro Ronaldo, mas nunca vais voltar a encontrar outro Sir Alex Ferguson”.

Se a admiração de Cantona por Alex Ferguson é inegável, a admiração de Alex Ferguson por Cantona é igualmente clara. O treinador escocês, que pediu pessoalmente a contratação do avançado francês ao Leeds em 1992, estabeleceu uma relação de quase pai e filho com Cantona, defendendo-o em praticamente todas as ocasiões. O que não o impede de, em jeito de pequena desilusão, confirmar que o francês nunca chegou a ser tudo o que poderia ter sido devido a um “bloqueio mental”.