O Ministério das Finanças pediu ao Banco de Portugal e à CMVM que lhe envie a informação “a que legalmente possa ter acesso” sobre os procedimentos seguidos pelos supervisores nas operações financeiras noticiadas no âmbito do Luanda Leaks, que envolve Isabel dos Santos, a Sonangol, bancos e consultoras em Portugal e diversas sociedades off-shores. E especifica: “nas vertentes de branqueamento de capitais e de supervisão”.

A notícia foi avançada na manhã de sexta-feira pelo Jornal Económico, que refere que o ministério liderado por Mário Centeno quer saber “se foram cumpridos os procedimentos de controlo [do branqueamento e de supervisão]  por parte do Banco de Portugal e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários junto das empresas expostas a Isabel dos Santos, sociedades cotadas, bem como dos auditores e Revisores Oficiais de Contas relacionados com o caso Luanda Leaks”.

O Ministério começa por dizer que “as entidades competentes estão a acompanhar o tema” e que a tutela se mantém “disponível para qualquer colaboração que se revele pertinente ou necessária”. E conclui que “continuará a acompanhar e a avaliar a evolução deste tema”, levando em consideração “as informações que venham a ser prestadas pelas entidades competentes”.

Contactada pelo Observador, fonte do Banco de Portugal escusou-se a fazer quaisquer comentários ao pedido do Ministério de Mário Centeno. Já o Ministério das Finanças – ao ser questionado sobre se este pedido da tutela tem um caráter “regular” ou mais do que isso – reenviou ao Observador a resposta prestada originalmente ao Jornal Económico e remeteu para mais tarde eventuais esclarecimentos.

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O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) revelou no dia de 19 de janeiro mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.

De acordo com a investigação do consórcio, do qual fazem parte o Expresso e a SIC, Isabel dos Santos terá montado um esquema de ocultação que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para uma empresa sediada no Dubai e que tinha como única acionista declarada Paula Oliveira.

A investigação revela ainda que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no EuroBic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é a principal acionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária da petrolífera angolana.

Um relatório do Banco Portugal relativo a uma inspeção ao EuroBic feita em 2015 concluiu que o EuroBic – controlado em 42,5% por Isabel dos Santos desde 2014 – não considerou a filha do ex-presidente de Angola e o seu marido, o congolês Sindika Dokolo, como “pessoas politicamente expostas” (PEP), sobre as quais recai um controlo mais apertado e deveres especiais de reporte.

O conteúdo do relatório da inspeção AML (Anti-Money Laundering ou Anti Lavagem de Dinheiro, em português) foi avançado no sábado pelo Expresso. Nesta avaliação foi analisado o risco associado às ”relações de negócio ou transações ocasionais com PEP [pessoas politicamente expostas] ou titulares de outros cargos políticos ou públicos”.

De acordo com a legislação anti-branqueamento de capitais em vigor na UE, essa condição obriga as instituições financeiras envolvidas — os bancos que financiaram a operação — a efetuarem “diligências reforçadas para apurar a origem dos capitais de financiamento e garantia”.

Os inspetores do Banco de Portugal concluíram que alguns clientes PEP não foram identificados pela instituição e dão como o exemplo o da “maior acionista, Isabel dos Santos”. Outra das conclusões da inspeção do Banco de Portugal foi a de que não existia “qualquer supervisão sobre as operações realizadas no BIC Angola”, tornando-se “impossível ter conhecimento no EuroBic em Portugal de qual era a verdadeira origem das transferências realizadas a partir de Angola”.

Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República angolana anunciou que Isabel dos Santos tinha sido constituída arguida num processo em que é acusada de má gestão e desvio de fundos da companhia petrolífera estatal Sonangol e que visa também portugueses alegadamente facilitadores dos negócios da filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.