Utilizando aquele chavão nacional sem qualquer sustentação matemática ou empírica de que normalmente quem ganha o dérbi é a equipa que está em pior momento, estavam poupadas duas horas e a crónica sobre a goleada do Atl. Madrid ao Real em pleno Santiago Bernabéu precisava apenas de um resultado final para ficar feita. Todavia, e por muita emoção que o futebol possa ter sobretudo ao mais alto nível, não há nada como um pequeno toque de racionalidade para colocar as coisas no seu devido contexto. E foi isso que, de forma fria, acabou por acontecer no segundo tempo do dérbi que terminou com a vitória do Real frente a um Atlético muitas vezes melhor.

Se é final e se tem Zidane, até pode ir a penáltis que ganha sempre o mesmo (ou como o Real conquistou a Supertaça)

Este sábado, quase que procurando algum ponto que funcionasse como desafio para o Real ganhar os três pontos e reforçar a liderança na Liga, o ABC apoiava-se nas estatísticas para falar de Simeone como uma espécie de “besta negra” de Zidane nos jogos em casa para o Campeonato – em três encontros, perdera um e empatara dois. E tudo porque o choque de estilos beneficiou sempre a perspetiva mais “resultadista” em detrimento da capacidade de ter a iniciativa. Olhando apenas para o ADN dos dois conjuntos, as alterações não são grandes desde os técnicos se começaram a defrontar. Os protagonistas e a capacidade de interpretação, aí sim, mudou.

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O encontro recente na final da Supertaça de Espanha, na Arábia Saudita, mostrou que os colchoneros conseguem num dia bom travar o futebol mais ofensivo dos merengues – ou mesmo bloquear quase por completo, havendo sempre Oblak entre os postes para remediar qualquer descuido. O que ninguém poderia prever era que o fecho do desempate nas grandes penalidades, ganho pelo Real Madrid, teria tanto peso para os jogos seguintes.

Depois de um começo sem convencer, Zidane ganhou uma equipa que está cada vez menos dependente dos golos de Karim Benzema e encontra soluções coletivas para fazer brilhar a parte individual. Courtois melhorou muito, a defesa tem outra estabilidade, Casemiro cresceu, Fede Valverde revelou-se e os mais novos da frente fizeram por ninguém se lembrar do lesionado Hazard. Simeone, que não atravessava já uma fase muito feliz, viu a formação perder aquela agressividade positiva nas primeiras e segundas bolas e adensar as dificuldades em criar chances e marcar golos. Com isso, o Real ganhou os últimos quatro jogos entre Liga e Taça, o Atleti não ganhou os últimos quatros jogos entre Liga e Taça – e chegava ao Santiago Bernabéu também sem João Félix, lesionado.

Durante 45 minutos, o “Cholismo” conseguiu a sua metamorfose e justificou a Liga conquistada e as duas finais perdidas da Champions perdidas: com uma grande organização coletiva e uma capacidade de transição ofensiva em alguns momentos a surpreender os visitados, o Atl. Madrid teve duas grandes chances num só minuto (Courtois defendeu o remate de Vitolo, Saúl Ñíguez atirou a rasar o poste), atirou uma bola ao poste por Correa e viu ainda passar em claro um lance entre Casemiro e Morata na área onde terá ficado por marcar uma grande penalidade a favor dos visitantes. “O roubo do penálti do Casemiro ao Morata foi tão grande que vão usar para a nova temporada da Casa de Papel. E o VAR não disse nada”, escreveu pouco depois Paulo Futre no Twitter.

Percebendo a falta de largura no jogo ofensivo e numa tentativa de desestabilizar a boa organização sem bola do adversário, Zidane fez logo duas substituições ao intervalo mostrando que não existem propriamente nomes mais ou menos consagrados na equipa: saíram Kroos e Isco, entraram Lucas Vázquez e Vinicius. Logo a abrir, Fede Valverde obrigou Oblak a uma defesa apertada (47′) e não demorou até que Simeone se adequasse às alterações do Real trocando o único avançado mais de corredor central (Morata) por um jogador mais de ala (Lemar). Mas não ficaria por aí: Benzema, também ele protagonista de um documentário na Netflix (“Le K Benzema”) encostou na área um cruzamento de Mendy após um passe fantástico de Vinicius para o único golo do dérbi (56′).

Simeone ainda fez entrar em campo o recém chegado Carrasco mas o Atl. Madrid não mais conseguiria dar a volta à desvantagem, caindo de forma injusta (se é que isso se pode aplicar no futebol…) no Santiago Bernabéu num jogo que funciona como espelho de uma época: Supertaça perdida, a 13 pontos da liderança da Liga, eliminado da Taça do Rei e a jogar os oitavos da Champions com o atual campeão europeu Liverpool.