Para fugir à poluição, Vítor Silva e a família trocaram a zona do Chiado por uma nova morada, em Carcavelos. A “má qualidade do ar”, assume o presidente da Associação de Valorização do Chiado, atingiu nos últimos anos níveis preocupantes e deve-se, essencialmente, ao trânsito numa das zonas mais emblemáticas da cidade. E os dados assim o provam: a exposição à poluição do ar causa a morte prematura de 6 mil pessoas em Portugal, de acordo com a Agência Europeia do Ambiente.
Com o propósito de melhorar a qualidade do ar e de vida na Baixa de Lisboa, com a retirada de 40 mil automóveis por dia, Fernando Medina, Presidente da Câmara de Lisboa (cidade que ostenta este ano o galardão Capital Verde Europeia) apresentou o projeto ZER ABC (Zona de Emissões Reduzidas Avenida-Baixa-Chiado) e a intenção da autarquia condicionar ali o trânsito.
Um projeto ambicioso, assumiu o autarca. “Uma medida radical”, contrapõe Manuel de Sousa Lopes, presidente da Associação de Dinamização da Baixa Pombalina, a aguardar pelos detalhes da proposta. Mas se a ideia “virtuosa” de proibir a entrada de carros não o surpreendeu, “porque já não é nova”, argumenta que não pode ser só a zona da Baixa-Chiado a “sofrer” em nome da descarbonização da sociedade. E há já quem antecipe um “sofrimento” prolongado se a proposta da nova ZER ABC afastar os lisboetas do centro da cidade. Como os idosos e as famílias com crianças. Ou os que não têm meios financeiros para trocar um veículo a gasolina por um elétrico. “Há uma Baixa para ricos e outra para pobres”, resume Sousa Lopes, que salienta ainda os receio dos empresários da restauração de virem a fechar portas ou a despedir colaboradores no caso de quebra da procura, ou de “quem investiu milhões na aquisição de lojas” e, agora, só lhe resta adaptar-se à nova realidade.
Também João Pedro Costa, vereador do PSD na Câmara Municipal de Lisboa, assumiu, em comunicado, que a proposta não é justa porque “serve apenas a uma minoria”. “Que faz um cidadão sem dinheiro para ter um carro elétrico? Que faz uma mãe com dois filhos e os sacos das compras? Que faz um idoso? Que faz um cidadão com mobilidade temporariamente condicionada? Que faz um cidadão com uma carga pesada? “, questiona o vereador, que lamenta ainda que a Baixa se transforme num “parque temático de recreio” para turistas e estrangeiros residentes.
Veja como vai ficar a Baixa de Lisboa depois das extensas alterações à circulação de veículos
Pormenores que podem “matar” uma boa ideia
Para Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior (que comporta os bairros de Alfama, Baixa, Chiado, Castelo, e Mouraria), os moradores são a sua “principal preocupação”. E é a pensar no dia-a-dia dos residentes idosos que o presidente quer esclarecer alguns detalhes, como o acesso dos cuidadores informais às casas da população mais vulnerável, (uma vez que só os carros elétricos não vão estar condicionados) e o “direito” dos moradores de receberem dez convites por mês para distribuírem pelas visitas . “As pessoas têm direito à gestão da sua vida familiar”, admite Miguel Coelho. E de preferência, sem a interferência da Câmara de Lisboa. Estes e outros “pormenores” têm de ser melhor concretizados para não “matarem” uma boa ideia, assume o presidente.
A opinião é partilhada por Vítor Silva, da Associação de Valorização do Chiado, que se assume otimista com a nova Baixa de Lisboa porque “pior do que está não pode ficar”. E se é verdade que há muitos turistas a percorrer as ruas daquela zona histórica, “já os lisboetas optam cada vez mais pelo El Corte Inglès ou o Centro Comercial Colombo”, reconhece Vítor Silva, para quem “um cinema”, naquela zona, talvez fizesse a diferença.
“Ficámos no vazio depois de assistirmos, nos últimos anos, à saída de vários escritórios e serviços nesta zona, como o antigo Tribunal da Boa Hora”.
O presidente da Associação de Valorização do Chiado confessa, ainda, que foi um acérrimo crítico da autarquia quando as primeiras ruas da Baixa- Chiado ficaram interditas ao trânsito porque “as pessoas não estavam ainda motivadas para os transportes alternativos, como bicicletas ou trotinetes” mas hoje é com alguma “esperança” que olha para as imagens ilustrativas do novo projeto da capital. Só espera que a Câmara não descure a segurança dos novos espaços públicos porque quando se tiram os carros das ruas “os espaços são ocupados por pessoas que se julgam donas delas”. E que o serviço de autocarros 100% elétricos façam a ligação entre o Marquês de Pombal e a Praça do Comércio com a frequência de três minutos.
Baixa de Lisboa com acesso limitado a carros a partir de Junho
Já antecipando algumas destas críticas, Fernando Medina admitiu, em entrevista à Rádio Observador, que os cuidadores informais, familiares que acompanham os residentes idosos que precisam de acompanhamento, vão ter “acesso irrestrito à zona”. “Isso para nós é intocável”, admite o Presidente da Câmara. Sobre a proposta de limitar o número de visitantes a que os moradores vão ter direito (dez por mês), Medina confessa não perceber a controvérsia à volta do tema: “Convém dizer que não está proibido o acesso das pessoas à zona. Não estamos a vedar uma parte da cidade. Vai haver uma cota para as pessoas que queiram ter convidados. Só terão de indicar as matrículas, através de uma app ou da Internet, e essas matrículas já não serão autuadas”, remata.
Nos próximos meses, segundo o autarca, estão previstas várias reuniões entre a Câmara e as juntas de freguesia, moradores, comerciantes e todos os outros setores afetados pelo projeto. “Vamos preparar bem esta decisão. Ouvir as preocupações de todos e de que forma podem ser atendíveis. Depois sim, haverá uma apresentação formal”. Confirmada está a proibição de circulação automóvel na Baixa de Lisboa, já em Junho, a todas as viaturas anteriores a 2000, mas a intenção da autarquia é alargá-la aos veículos anteriores a 2005 já em Abril do próximo ano.
Entretanto começou também a surgir a oposição de cidadãos ao plano. Foi lançada uma petição online que argumenta que “o projecto vai arrasar o comércio na zona da Baixa e centro histórico da cidade e transformar num parque de diversões uma cidade onde é para se viver e trabalhar.”