Polícias moçambicanos recebem ordens que nem sempre respeitam a lei, mas que acabam por executar por não vislumbrarem outra alternativa, disse à Lusa o presidente de uma associação do setor, ao comentar o caso do homicídio de um observador eleitoral.

Os polícias recebem ordens ilegais“, quando deviam “trabalhar com base na lei e não em orientações” dos superiores que suscitam dúvidas, frisou Nazário Muanambane, inspetor da Polícia da República de Moçambique (PRM) e presidente da Associação Moçambicana de Defesa dos Direitos dos Polícias (Amopaip).

“Provavelmente”, os agentes suspeitos de matar Anastácio Matavel, em Gaza, há quatro meses, receberam “orientações superiores”, e “pelo ‘modus operandi’ como o crime aconteceu”, pode-se “presumir isso”, que houve orientações de um superior hierárquico, declarou. Em causa, o facto de serem agentes “devidamente identificados e devidamente escalados [para serviço] que cometeram essa infração”, acrescentou.

O presidente da Amopaip assume que a violação da lei em nome de ordens superiores é uma realidade na polícia, defendendo um trabalho profundo para inverter a situação.

“A sociedade tem sido informada sobre vários casos de abusos dos direitos humanos cometidos por polícias a mando dos seus superiores hierárquicos, são situações cometidas fora da lei e que mancham a polícia”, referiu. Da sua experiência pessoal, explica que seguir algumas ordens tem trazido resultados amargos.

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“Nas visitas que efetuamos às cadeias, temos encontrado centenas de colegas detidos ou em cumprimento de pena por envolvimento em vários tipos de crimes, alguns em obediência a ordens superiores”, concluiu.

Anastácio Matavel, dirigente do grupo de observação eleitoral da Sala da Paz, foi baleado no dia 7 de outubro na via pública, em Gaza (sul do país), em pleno dia, uma semana antes das eleições gerais de 15 outubro em Moçambique. Em novembro, o Ministério Público acusou oito arguidos pelo crime, incluindo cinco agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM).

No dia 27 de dezembro, foram publicados despachos assinados pelo comandante-geral da PRM, Bernardino Rafael, promovendo a escalões superiores três dos cinco agentes, provocando reações negativas no seio da opinião pública nacional. Na quinta-feira, o porta-voz do Comando Geral da Polícia, Orlando Mudumane, disse à Lusa que as promoções foram um erro, tendo sido revogadas.

O homicídio de Anastácio Matavel provocou repúdio e condenação em Moçambique e fora do país, por se tratar de um ativista da sociedade civil envolvido na observação eleitoral e que morreu durante a campanha para as eleições, numa província conhecida pela intolerância política contra opositores da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder.