O surto de pneumonia provocado por um novo coronavírus que começou em dezembro numa cidade chinesa já infetou mais de 28 mil pessoas em 24 países diferentes e já provocou a morte pelo menos 565. Porém, quase não se registam casos de infeção em crianças, o que tem levantado questões, em grande medida ainda por responder, entre a comunidade científica.
De acordo com um estudo publicado pela revista científica norte-americana Journal of the American Medical Association (JAMA), “a média de idades dos pacientes é entre os 49 e os 56 anos” e “os casos de crianças têm sido raros“. Além disso, a maioria dos casos registados em crianças têm sido mais ligeiros ou até assintomáticos.
Há várias explicações para que o novo coronavírus afete as crianças em menor medida — embora nenhuma possa para já ser definitiva, uma vez que a OMS continua sem conhecimento concreto da origem do vírus, das formas de transmissão, da gravidade da infeção e da atuação do próprio vírus. A mais simples é a de que o sistema imunitário envelhece e torna-se mais frágil, o que deixa as pessoas mais velhas mais expostas ao vírus.
“À medida que as pessoas envelhecem e se tornam mais idosas, o seu sistema imunitário fica mais debilitado, também envelhece e já não responde com a mesma eficácia que quando somos crianças“, afirma a investigadora Isabel Sola, investigadora do Laboratório de Coronavírus do Centro Nacional de Biotecnologia de Espanha, em declarações citadas pelo jornal espanhol El Confidencial.
Nova atualização. Nove portugueses em quarentena em dois cruzeiros “não têm sintomas” de coronavírus
A investigadora lembra, aliás, que não é surpreendente que haja menos crianças infetadas — e que haja “casos de crianças assintomáticas” —, uma vez que “ocorreu algo muito parecido com o SARS”, ou Síndrome Respiratória Aguda Grave, uma infeção por coronavírus que resultou num surto mundial entre 2002 e 2003.
Na altura, entre os mais de 8 mil casos de infeção, o SARS apenas atingiu 135 crianças. Em resultado do surto, nenhuma criança foi contada entre as mais de 800 mortes provocadas por aquela infeção.
Uma opinião semelhante tem o investigador Malik Peiris, chefe de virologia da Universidade de Hong Kong. “A minha opinião é que há pessoas mais novas a serem infetadas, mas têm uma doença relativamente mais ligeira“, disse Peiris, em declarações ao jornal norte-americano The New York Times. Como não há dados sobre os casos mais ligeiros, então não estão a aparecer tantas crianças nas estatísticas, argumentou o mesmo investigador.
Alguns casos registados parecem corroborar esta explicação.
Uma das crianças que constam das estatísticas é um menor de 10 anos natural da cidade chinesa de Shenzhen que viajou com a família até Wuhan, a cidade no centro do surto. Quando regressaram a casa, todos os membros da família que haviam viajado tinham contraído a doença e apresentavam sintomas graves, como febre, dor de garganta, diarreia e pneumonia, lembra o The New York Times. Já a criança era o único elemento da família a não demonstrar sintomas exteriores, embora também tivesse contraído a doença.
Outro caso trata-se de um bebé que nasceu no último domingo. A mãe tinha sido diagnosticada com coronavírus e o bebé também foi testado para a doença, tendo sido confirmado o diagnóstico. Os médicos não conseguiram ainda perceber se a criança contraiu a infeção ainda dentro do útero da mãe — o que, a confirmar-se, representa uma novidade ainda não confirmada nas formas de transmissão da doença — ou já após o parto, devido ao contacto direto com a mãe. Um exemplo de vírus que se transmite durante a gravidez é o zika, que, entre 2015 e 2016, afetou milhares de pessoas na América do Sul.
Em todo o caso, os médicos que supervisionaram o parto confirmaram que o bebé não apresentava sintomas da doença.
O facto de as pessoas mais jovens terem sintomas menos intensos — ou não terem sintomas de todo — leva, naturalmente, a que se queixem menos, o que reduz o número de crianças nas estatísticas. Mas isso também pode ser um problema.
Estar atento a sinais, evitar dramas e não mentir. Como falar com os seus filhos sobre o coronavírus
Raina MacIntyre, uma epidemiologista da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, que tem estudado a fundo o novo surto, explicou ao The New York Times as pessoas mais jovens “têm os contactos mais intensos na sociedade“. O facto de poder haver jovens infetados que não o sabem pode contribuir para a disseminação da doença, considerou a especialista.
Ao mesmo tempo, outra explicação contribui para perceber o menor número de crianças infetadas: estatisticamente, os adultos têm maior probabilidade de já ter outras doenças, como diabetes, tensão alta ou doenças cardíacas, que reduzem a capacidade do corpo humano para lidar com a infeção — e que contribuem para aprofundar os sintomas.
Mas há outros cientistas que não acreditam que a explicação esteja apenas relacionada com o sistema imunitário e com o envelhecimento natural. “É difícil para mim imaginar que haja um nível tão baixo de casos reportados de uma doença em crianças para estarmos a ouvir falar de apenas dois ou três casos”, afirmou ao mesmo jornal o pediatra especialista em doenças infecciosas Mark Deninson, considerando que os dados indicam que há “muito, muito menos crianças” infetadas e que “elas não correm tanto risco”.
Para já, a Organização Mundial da Saúde diz não ter ainda informações suficientes sobre o novo coronavírus que permitam à comunidade científica conceber uma resposta eficiente — quer no que toca à criação de uma vacina para prevenir a infeção, como no que toca ao desenvolvimento de medicamentos para combater a doença.
Para contribuir para esse esforço, a OMS anunciou esta quinta-feira que vai organizar, na próxima semana, uma conferência internacional com cientistas de todo o mundo, para discutir exclusivamente o que já se sabe e não se sabe sobre o novo vírus — e como o combater.