Ainda não se sabe muito bem afinal se Joseph Ratzinger (Papa emérito Bento XVI) terá contribuído ou não para o livro que chega às livrarias portuguesas na próxima quarta-feira. Certo é que o (agora) único autor de “Do Fundo dos Nossos Corações”, o cardeal guineense Robert Sarah, garante que sim e até publicou no Twitter imagens da correspondência trocada com o Papa emérito para provar que Ratzinger teve acesso, contribuiu e validou o livro que defende o celibato obrigatório. O livro surge numa altura em que o Papa Francisco tem nas mãos a hipótese de decidir em sentido contrário ao celibato obrigatório, depois do Sínodo dos Bispos de outubro, dedicado à Amazónia.

Padres casados, mulheres mais presentes — e uma estátua roubada. O que fica da reunião que pode mudar a Igreja Católica?

Numa pré-publicação exclusiva, o site 7margens divulgou esta sexta-feira na introdução do livro polémico e fica claro , desde logo, o posicionamento do lado da continuidade do celibato obrigatório como forma de “transmitir” a “fidelidade absoluta, plena, exclusiva”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na introdução que terá sido escrita por Robert Sarah e pelo Papa Emérito, os autores afirmam que a publicação segue num “espírito de caridade” num “momento em que os espíritos parecem ter-se apaziguado”, oferecendo o resultado da reflexão “num espírito de filial obediência ao Papa Francisco”. Uma espécie de contrapeso às recomendações do Sínodo que o Papa Francisco recebeu em outubro.

Os autores apontam também que foram os padres a estar no centro das preocupações na redação do livro, procurando “confortá-los, encorajá-los” e são claros: “O nosso celibato é testemunho, ou seja martírio”.

A palavra grega tem os dois significados. Durante a tempestade, nós, os sacerdotes, devemos reafirmar que estamos dispostos a perder a vida por Cristo. Dia após dia, damos esse testemunho graças ao celibato por meio do qual entregamos a nossa vida”

E interpelam quem pondera aceitar a ordenação de homens casados: “Se o celibato nos faz recuar, então receemos ouvir a sua crítica: ‘Porque temeis, homens de pouca fé?'”. Indo mais longe ainda nas críticas, escrevem os autores: “Sentimo-nos tentados a perder a confianç̧a. De todos os lados, as vagas do relativismo abatem-se sobre a barca da Igreja. Os apóstolos têm medo. A sua fé diminui. Também a Igreja parece por vezes vacilar”, afirmando que é a fé em “Jesus que conduz a barca” que lhes permite continuar porque, defendem, “só ela pode conduzi-los ao porto da salvação eterna”.

Sabemos que Jesus está aqui, connosco, na barca. Queremos transmitir-Lhe a nossa confiança e a nossa fidelidade absoluta, plena, exclusiva”

Ainda que se tenham levantado problemas sobre o envolvimento ou não do Papa emérito Bento XVI, o cardeal guineense Robert Sarah deixa claro na assinatura da introdução do livro a participação de Joseph Ratzinger, datada de setembro de 2019: “Texto escrito por Robert Sarah, lido e aprovado por Bento XVI”

Apesar de o texto estar datado de antes da realização do Sínodo dos Bispos (que decorreu entre 6 e 27 de outubro de 2019) a sua publicação acontece depois de conhecidas as conclusões desse trabalho e antes da pronúncia do Papa Francisco sobre as recomendações feitas.

O Papa pode abrir uma exceção à regra do celibato dos padres, depois de quase 200 líderes católicos terem reunido três semanas no Vaticano e aprovado um documento com recomendações ao Papa. Mesmo que não sejam acolhidas as recomendações pelo Papa Francisco o documento que resultou do Sínodo já está inscrito na história: para responder à escassez de sacerdotes, o sínodo recomendou à Igreja que permita a ordenação presbiteral de homens casados.

É expectável que Francisco se pronuncie sobre as recomendações do Sínodo ainda na primeira metade deste ano, mas enquanto isso não acontece as fações mais conservadoras da Igreja Católica vão dando sinais de desconforto com a hipótese levantada.

Polémica no Vaticano. Cardeal assegura que escreveu livro com Bento XVI, mas muda assinatura em futuras edições