A Relação de Lisboa absolveu o Santander Totta num caso em que tinha sido condenado na primeira instância pela venda de obrigações do Novo Banco que acabaram transferidas para o BES “mau” com consequente perda do investimento.

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa — datado da passada quinta-feira e a que agência Lusa teve e acesso — alterou a matéria de facto dada como provada na sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, concluindo que não houve incumprimento por parte do banco dos seus deveres enquanto intermediário financeiro.

Contactado pela Lusa, o advogado da cliente queixosa adiantou que irá recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que o acórdão da Relação “vai contra todas as decisões assumidas até aqui nas várias instâncias”, que “sempre deram razão” à sua cliente.

No acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa elimina o facto provado n.º 33 da sentença recorrida (segundo o qual o banco não teria deliberadamente transmitido os riscos reais da operação financeira) e altera o facto provado n.º 34, passando este a referir que “o irmão da autora sabia que as obrigações tinham sido transmitidas pelo BES ao Novo Banco”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“O tribunal recorrido considerou que a R. [recorrente/Santander Totta] violou o dever de informação ao não comunicar que em causa estavam obrigações transmitidas pelo BES ao Novo Banco e que havia a possibilidade de retransmissão para o BES. Com a procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto provada, passou a constar da matéria de facto provada que o irmão da A. [autora/cliente] sabia que as obrigações tinham sido transmitidas pelo BES ao Novo Banco e deixou de constar da matéria de facto provada que a R. tinha conhecimento que a obrigação vendida à A. poderia vir a ser retransmitida para o BES”, lê-se no acórdão.

Nos termos da decisão, “resulta da matéria de facto provada que, ‘considerando o perfil da pessoa que fazia a gestão dos referidos investimentos (irmão da autora), as decisões de investimento nunca partiram dos serviços de assessoria do réu [Santander Totta], que apenas prestou serviços de comercialização e custódia de títulos, sendo que, por seu lado, o perfil de investidora da autora se alterou em função dos investimentos efetuados e da carteira de títulos, tendo passado de ‘moderado’ a ‘equilibrado’ e sendo, atualmente, um perfil de ‘dinâmico””.

Dados os elevados níveis de conhecimento e experiência do irmão da autora relativamente ao tipo de investimento em causa, a Relação considera ainda que “a exigência relativamente à informação a prestar pelo R. é atenuada e que o grau de diligência da A. com vista ao seu esclarecimento é acentuado”.

Em causa estava o pagamento da quantia de 103.722,88 euros, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva civil, contados desde 9 de abril de 2015, ao qual o Santander Totta tinha sido condenado a 5 de junho de 2019 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa pela venda a uma cliente “já idosa” de obrigações do Novo Banco que acabaram por ser transferidas para o BES ‘mau’, com consequente perda do investimento.

Tal como a agência Lusa noticiou na altura, na origem do caso está um contrato de venda de obrigações do Novo Banco, assinado em 07 de abril de 2015 num balcão do Santander Totta, na sequência de “um contacto havido entre o gestor de conta e o irmão da autora”. Esta, “já idosa, pediu ao seu irmão que junto do banco réu procurasse saber de soluções para aplicar os seus meios financeiros […] desde que fossem passíveis de confiança quanto à liquidação integral na data de vencimento”, lia-se na sentença do tribunal cível de Lisboa.

Segundo referia, “o gestor de conta sugeriu e informou que se tratava de dívida do Novo Banco, S.A., e que seria sempre esta a entidade a restituir o valor a investir na data de vencimento (15 de janeiro de 2018)”, considerando na altura o juiz que o Santander Totta “deliberadamente não transmitiu os riscos reais inerentes a tal operação financeira, ocultando a verdadeira natureza do produto que veio a ser adquirido pela autora”.

O banco Santander Totta contestou a pretensão da autora, argumentando na alegação de recurso que, “se foi o irmão da autora que contactou o banco réu para a subscrição das obrigações, o que releva são os conhecimentos do irmão da autora”.

Ora, sustenta, este “tem talvez o perfil de pessoa que mais conhecimentos tem sobre banca, uma vez que é formado em economia, trabalhou num banco e foi administrador do Banco Santanter Totta durante 27 anos”.

E, segundo o banco, mesmo não imaginando o irmão da autora — “como de resto todo o mercado e o próprio Banco Santander Totta” — “que as obrigações viessem a ser transmitidas, seguramente que não foi enganado a pensar que as obrigações tinham ‘nascido’ no Novo Banco, pelo que também não é verdade que se soubesse dessa relação não teria investido”.