O parlamento libanês concedeu esta terça-feira a sua confiança ao novo governo apesar do movimento de contestação que se prolonga desde 17 de outubro e de uma nova manifestação frente ao hemiciclo, dispersa pela polícia de intervenção. A votação final registou 63 votos favoráveis, 20 contra e uma abstenção.

Os manifestantes ocuparam as ruas desde o início da manhã para impedir os deputados de acederem ao parlamento, no centro de Beirute, e lançaram ovos e pedras em direção a várias viaturas e às barricadas de betão erguidas pela polícia, referiu a agência noticiosa AFP. A polícia respondeu com gás lacrimogéneo e canhões de água.

Com bandeiras libanesas e ecoando “não ao voto de confiança”, os manifestantes denunciaram um parlamento “ilegítimo” e um governo que dizem não responder às aspirações da contestação. No entanto, os deputados optaram por legitimar o novo executivo, após uma sessão de oito horas centrada na “declaração ministerial” que define as grandes linhas do programa governamental.

Pouco antes da votação, o primeiro-ministro Hassan Diab tinha de novo assegurado que o seu governo “adotará as reivindicações do levantamento popular, que provocou um terramoto no país”. Previamente, tinha prometido um “plano de urgência” até ao fim de fevereiro. “Por cada dia em que o plano não seja aplicado, o país sofrerá mais perdas”, frisou.

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Num país à beira do colapso económico, o inédito movimento de contestação desencadeado em 17 de outubro exige o afastamento do conjunto da classe política, acusada de corrupção e incompetência.

Na rua, os confrontos entre manifestantes e a polícia provocaram mais de 370 feridos, indicou a Cruz Vermelha libanesa, que se referiu a 45 pessoas hospitalizadas. Um deputado também foi ferido pelos manifestantes, mas participou na sessão parlamentar após passagem pelo hospital. O protesto acabou por se dissolver no final da tarde, com a organização não-governamental Human Rights Watch a criticar a atuação policial, indicou a agência noticiosa AFP. Os manifestantes exigiam um governo de tecnocratas, totalmente independente dos atuais dirigentes, e criticam um sistema político confessional que, na sua perspetiva, alimentou durante muito tempo a corrupção e o clientelismo.

A atual equipa governamental foi formada em 21 de janeiro após várias semanas de conversações entre os partidos com maioria no parlamento, em particular o Hezbollah xiita e a Corrente Patriótica Livre (CPL), do Presidente Michel Aoun.

Hassan Diab, um professor universitário pouco conhecido e antigo ministro da Educação, responsável por formar governo após a demissão do seu antecessor Saad Hariri no final de outubro sob pressão da rua, prometeu cumprir as reivindicações do movimento de protesto.

O novo executivo está confrontado com enormes desafios, num país com uma dívida que ronda os 92 mil milhões de dólares (84 mil milhões de euros), que representa mais de 150% do PIB, e que faz recear uma falta de pagamento aos credores. Em paralelo, os bancos instauraram restrições drásticas aos levantamentos em dólares, num país onde esta moeda é utilizada a par da libra libanesa, e que acelerou a depreciação da moeda nacional no mercado paralelo.

O desemprego, já muito elevado antes da contestação, em particular entre os jovens, voltou a agravar-se com a supressão de 220 mil empregos desde outubro, segundo o instituto de sondagens Infopro. Em novembro, o Banco Mundial advertiu que metade da população libanesa poderia em breve viver no limiar da pobreza. “Decerto que estamos confiantes: eles vão ajudar os bancos em vez da população”, referia um dos cartazes erguido esta terça-feira pelos manifestantes.