A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) defendeu esta terça-feira que é preciso melhorar o Estatuto da Vítima de Crime considerando que tem muitas omissões e partes confusas.

“O grande desafio a esta legislatura é revisitar o Estatuto da Vítima e melhorá-lo”, defendeu esta terça-feira o coordenador de operações da associação da associação durante um seminário dedicado ao tema “os direitos das vítimas: desafios e compromissos para a XIV legislatura”.

Segundo Francisco Marques, quando se fala de direitos de todas as vítimas de crime e não só das de violência doméstica o quadro legislativo não é bom, designadamente o Estatuto de Vítima de Crime, que veio transpor a diretiva europeia de 2012. “O Estatuto trazendo algumas novidades tem partes confusas, meramente formais em termos de transposição de direitos, partes vagas e muitas omissões”, frisou, considerando que tal como está redigido significa que parte dos direitos são “metidos na gaveta”.

No entender da APAV, o local correto para aplicar o Estatuto da Vítima, publicado há quatro anos e meio, seria no Código de Processo Penal e não numa nova peça legislativa. Francisco Marques deu como exemplo a existência frequente de casos de vítimas que não são notificadas da decisão final do inquérito, ao contrário do que está previsto no estatuto.

Do ponto de vista do direito da vítima à indemnização, também ao contrário do previsto, a transposição da diretiva é apenas uma questão formal, não tendo sequer sido criado um fundo para esta matéria, tal como já acontece noutros países.

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Francisco Marques defendeu que o estatuto da vítima é também vago em matéria de acesso a serviços de apoio e em matéria de avaliação individual das necessidades especificas de proteção das vítimas de crime.

Outro dos aspetos focados prende-se com as vítimas especialmente vulneráveis. A diretiva refere que devem ser ouvidas por alguém qualificado, mas, segundo Francisco Marques, o legislador fez tábua rasa quanto a isso relativamente à audição de crianças ou de pessoas com deficiência. “Continuamos a ver as inquirições a serem conduzidas de uma forma não adequada na recolha da prova e de não proteção da vítima”, disse. “Tendo em conta alguns destes exemplos de falhas e lacunas o legislador tem muito trabalho pela frente”, frisou.

Francisco Marques alertou para a necessidade de mitigar hierarquias do tipo de vítimas, considerando que todas devem ter um patamar mínimo de proteção de direitos e não apenas algumas como as de violência doméstica.

“Pelo menos esse patamar tem de estar garantido. Se percebemos que ao nível da proteção as vítimas de violência doméstica têm [esse patamar mínimo] as outras não têm o mesmo direito e beneficio”, alertou, defendendo que o quadro legal em vigor deve corrigir estas assimetrias de tratamento.

A diretiva europeia existe desde outubro de 2012 e é um instrumento legal vinculativo para os Estados-membros, no qual a União Europeia preconiza um conjunto alargado de direitos das vítimas de crimes.

Em Portugal, a diretiva foi transposta para o ordenamento jurídico nacional com a aprovação da Lei n.º 130/2015, que procedeu à 23.ª alteração ao Código de Processo Penal e aprovou o Estatuto da Vítima.