Não é propriamente fácil de explicar. No basebol, um desporto com escassa ou nenhuma repercussão em Portugal, existe uma expressão para um hábito que parece ilegal mas que quando realizado de acordo com a regras é perfeitamente legal: sign stealing. Algo como roubo de sinais. Ora, a ideia é perceber, antes de uma jogada, qual é o sinal feito pelo catcher ao pitcher — ou seja, pelo jogador que apanha a bola ao que lança a bola. Se este sinal, que normalmente revela a forma como a bola vai sair da mão do lançador, for intercetado por um jogador adversário, esse mesmo jogador pode transmitir discretamente a informação ao colega de equipa que está de taco na mão à espera de bater. Assim, embora controverso, o sign stealing é legal e útil. O problema é quando deixa de ser legal e permanece apenas útil.

Em 2017, os Houston Astros conquistaram a World Series, o campeonato de basebol dos Estados Unidos, pela primeira vez na própria história. A vitória frente aos Los Angeles Dodgers foi a confirmação de que eram a equipa mais poderosa, mais temida e mais respeitada do basebol norte-americano — o que não os impedia de serem, ao mesmo tempo, a equipa sobre a qual recaíam as maiores dúvidas sobre fairplay, conduta desportiva e práticas pouco legais. Dois anos depois, no passado mês de outubro, os Astros regressaram à final da World Series: desta vez, os Washington Nationals conquistaram um troféu, numa derrota que foi apenas o início de um calvário que a equipa de Houston ainda só agora começou a percorrer.

Mike Fiers foi lançador dos Houston Astros entre 2015 e 2017 e acabou por revelar o esquema ilegal da equipa

Um mês depois da final perdida para os Nationals, os Houston Astros foram atingidos com uma reportagem do site The Athletic que revelava todos os esquemas ilegais que levaram à campanha vitoriosa da equipa em 2017. Na investigação, o lançador Mike Fiers, que jogou nos Astros entre 2015 e 2017, revelava que existia uma câmara instalada no Minute Maid Park, o estádio da equipa, que foca diretamente o catcher adversário e envia as imagens para um monitor perto do banco dos Astros. A equipa técnica e os jogadores analisavam as imagens desse ecrã, tentavam descodificar os sinais dos elementos adversários e depois batiam nos caixotes do lixo em formato de código, para avisar o batedor sobre o tipo de bola que iria aparecer. Este tipo de sign stealing, que utiliza tecnologia e recursos externos, é a exceção à regra: e destruiu tudo o que os Astros tinham conquistado nos últimos anos.

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A Major League Baseball (MLB), a liga de basebol dos Estados Unidos, abriu de imediato uma investigação e confirmou as informações divulgadas pelo The Athletic. A MLB anunciou que encontrou provas de que os Astros utilizaram um sistema ilegal de sign stealing durante a temporada de 2017, em que conquistaram a World Series, e parte da temporada de 2018. Sobre 2019, o ano em que voltaram a chegar à final nacional, não foram encontradas provas de batota. Num castigo sem precedentes, a MLB decidiu suspender Jeff Luhnow e AJ Hinch, diretor-geral e treinador dos Astros, e multar a equipa em cinco milhões de dólares, o valor máximo previsto nos regulamentos. Depois de confirmada a suspensão, a direção dos Astros despediu definitivamente Luhnow e Hinch, pediu desculpa pelo escândalo e garantiu não ter tido conhecimento do que estava a ser feito durante os jogos. Quanto aos jogadores, passaram todos incólumes, já que a MLB lhes garantiu imunidade caso cooperassem com a investigação.

Em 2017, os Houston Astros conquistaram a World Series pela primeira vez na história da equipa

O caso já explodiu em novembro mas só agora começa a ter as repercussões mais sérias. Primeiro, tem ficado cada vez mais patente que todas as equipas, todos os jogadores e todos os envolvidos no basebol norte-americano estavam a par do esquema usado pelos Astros, o que invalida a versão do dono da equipa, Jim Crane, de que não tinha conhecimento de nada; segundo, o escândalo vem dar razão ao New York Yankees, uma das primeiras equipas a levantar dúvidas e a pedir uma investigação à MLB, algo que o treinador AJ Hinch classificou na altura como “ridículo”; terceiro, os jogadores das outras equipas têm-se mostrado visivelmente incomodados com o facto de nenhum atleta dos Houston Astros ter sido castigado, mesmo quando ficou provado que todos sabiam do método de sign stealing utilizado.

Justin Turner, jogador dos Los Angeles Dodgers que perdeu a World Series para os Astros em 2017, foi um dos primeiros a mostrar-se incrédulo com a decisão da MLB de não castigar os jogadores. “Agora toda a gente que fizer batota para ganhar a World Series pode viver com isso sem problemas. Pode pensar: ‘Oh, é na boa, só aqueles dois tipos é que ficaram desempregados. Eu ainda posso dizer que sou campeão para o resto da minha vida’. Acho que ninguém sabe os fatos. Acho que toda a gente quer ouvir todos os factos. E acho que a MLB não fez um bom trabalho ao revelar todos os factos. Acho que há muita coisa que ainda não sabemos”, disse o jogador de 35 anos.

Também Mike Trout, considerado o melhor jogador de basebol da atualidade, defendeu que o episódio “é triste para a modalidade”. “É difícil. Eles fizeram batota. Não concordo com os castigos, com o facto de os jogadores não terem tido nada. Foi uma coisa liderada pelos jogadores (…) Muitos de nós perdemos respeito por alguns deles”, disse o jogador dos Los Angeles Angels.