O Benfica gosta pouco de passagens de ano. Há um ano, depois do fim de 2018 e no início de 2019, Rui Vitória foi despedido, os encarnados estavam a sete pontos da liderança e o bicampeonato do FC Porto já era dado como adquirido. Só o passar das semanas e dos meses trouxe uma recuperação quase histórica, uma segunda volta perfeita e uma confiança praticamente inabalável e coletiva em Bruno Lage. Passou um ano. Acabou 2019, começou 2020. E o Benfica parece estar novamente a ter dificuldades em adaptar-se ao ano novo.

Em 2020, o Benfica já falhou a chegada à final da Taça da Liga e se é verdade que carimbou a presença no Jamor também é verdade que perdeu com FC Porto e Sp. Braga e desperdiçou uma vantagem de sete pontos para agora funcionar com a margem mínima de um. No meio de tudo isto, e depois de três jogos seguidos sem qualquer vitória — naquela que é já a pior fase do Benfica da era Bruno Lage –, o treinador começa a ser questionado. Não questionado na ótica de se antever uma saída, não questionado sem dar o valor da temporada passada, mas questionado pelas opções, pelos jogadores utilizados e pela forma de abordar os jogos ditos grandes.

Ficha de jogo

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Shakhtar Donetsk-Benfica, 2-1

Primeira mão dos 16 avos de final da Liga Europa

Oblasny SportKomplex Metalist, em Kharkiv (Ucrânia)

Árbitro: Bobby Madden (Escócia)

Shakhtar Donetsk: Pyatov, Bolbat, Kryvtsov, Matviyenko, Ismaily, Alan Patrick (Marcos Antônio, 80′), Stepanenko, Marlos (Konoplyanka, 83′), Kovalenko, Taison (Tetê, 90+4′), Júnior Moraes

Suplentes não utilizados: Shevchenko, Maycon, Sikan, Bondar

Treinador: Luís Castro

Benfica: Vlachodimos, Tomás Tavares, Rúben Dias, Ferro, Grimaldo, Pizzi (Samaris, 90+2′), Taarabt, Florentino, Cervi, Chiquinho (Rafa, 79′), Seferovic (Vinícius, 69′)

Suplentes não utilizados: Zlobin, Dyego Sousa, Samaris, Nuno Tavares, Jota

Treinador: Bruno Lage

Golos: Alan Patrick (56′), Pizzi (gp, 66′), Kovalenko (72′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Florentino (90+5′)

Esta quinta-feira, Bruno Lage tinha mais uma prova de fogo — pelo menos no que à opinião pública diz respeito. No regresso das competições europeias e depois de cair da Liga dos Campeões, o Benfica visitava o Shakhtar Donetsk nos 16 avos de final e numa prova onde acaba por ter a legitimidade de querer chegar longe. A prova de fogo de Lage prendia-se com o onze inicial, que acabaria por deixar a nu uma lista de prioridades que muitos dizem conhecer mas que o treinador insiste em garantir que não existe. Para os adeptos do Benfica, o onze do Benfica na Ucrânia — depois de Lage ter aproveitado os jogos da fase de grupos da Liga dos Campeões para fazer algumas poupanças — iria ditar se a equipa tem o objetivo real e claro de seguir em frente ou não. Para além disso, para lá disso, jogava-se ainda o fim ou a manutenção da atual mini crise encarnada. E o fim ou a manutenção das fragilidades defensivas que os encarnados não têm conseguido esconder nos últimos jogos.

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A resposta foi um sólido mais ou menos. Com Weigl castigado, alguma imprensa desportiva apressou-se a dizer ao longo do dia que Bruno Lage apostaria num meio-campo alternativo para poupar Taarabt: um meio-campo alternativo que, na verdade, foi o meio-campo que conquistou a Liga na temporada passada. Florentino e Samaris seriam então as apostas encarnadas para o setor intermédio — mas Lage levou o assunto pela metade. Florentino era então titular mas ao lado de Taarabt, enquanto que as surpresas apareciam mais à frente no terreno. Rafa e Vinícius eram suplentes, enquanto que Chiquinho e Seferovic surgiam no onze inicial.

O Benfica encontrava um Shakhtar Donetsk de Luís Castro que está na liderança da liga ucraniana de forma destacada mas que não fazia um jogo oficial há mais de dois meses. Em plena pausa de inverno, a equipa ucraniana recebia o Benfica depois de um longo período em que só realizou encontros particulares, numa espécie de segunda pré-temporada. Os primeiros minutos trouxeram um jogo algo expectante, com as duas equipas a estudarem-se mutuamente e a mostrarem que não queriam propriamente arriscar em demasia. Ainda assim, era o Shakhtar que ia apresentando alguma iniciativa, principalmente porque o Benfica teve algum pudor em pressionar de forma intensa nos primeiros minutos e abriu espaço à subida da equipa de Luís Castro no terreno.

No Benfica, Pizzi tombava na direita e Cervi na esquerda, com Chiquinho a atuar nas costas de Seferovic e Florentino e Taarabt numa linha mais recuada do meio-campo, ainda que sempre com o marroquino com mais propensão para avançar do que o jovem português. Cervi ajudava Grimaldo nas tarefas ofensivas mas o mesmo não acontecia do outro lado, onde Tomás Tavares tinha mais dificuldades nos confrontos com Taison e Ismaily porque Pizzi não fazia as dobras tão frequentemente. Um cenário semelhante ia ocorrendo na faixa central, onde Florentino e Samaris, apesar de estarem em bom plano individualmente e na hora da recuperação de bola, pareciam algo descoordenados e originavam diversas perdas de posse em zonas que abriam espaço ao contra-ataque adversário. Foi assim que acabou por aparecer o golo de Marlos, que terminou anulado pelo VAR por fora de jogo do avançado.

Florentino falhou um passe para Taarabt no meio-campo e Alan Patrick aproveitou para conduzir uma transição rápida. Abriu em Junior Moraes na esquerda e o avançado rematou para a defesa de Vlachodimos; na recarga, sem oposição, Marlos rematou para abrir o marcador, mas o lance acabou então anulado por posição irregular (21′). O período que se seguiu ao golo anulado pelo VAR foi mesmo o de maior superioridade do Shakhtar, com Vlachodimos a evitar o golo de Kovalenko com uma grande defesa logo depois do recomeçar da partida (24′). Esse período de maior dificuldade, aliado à forma como surgiu o golo de Marlos, terá levado Bruno Lage a colocar Cervi na faixa central, nas costas de Seferovic, Pizzi na esquerda e Chiquinho na direita, para o argentino ajudar nas tarefas defensivas na zona depois dos centrais.

O Benfica acabou por conseguir empreender uma reação já na fase final da primeira parte, com Pizzi a ter nos pés a melhor oportunidade encarnada ao rematar ao lado já dentro da grande área (44′), mas foi para o intervalo ainda sem golos e com o Shakhtar enquanto dono das principais ocorrências da partida. No primeiro tempo, o Benfica não rematou à baliza, Seferovic mal tocou na bola, Pizzi estava novamente desinspirado e Chiquinho não tinha posse suficiente para desequilibrar: as linhas estavam demasiado recuadas e compactas, mais preocupadas com o jogo entrelinhas do adversário do que com a necessidade de avançar. E o principal problema era que o Shakhtar conseguia entrar sem grandes dificuldades entre os setores encarnados, falhando apenas no último passe.

O Benfica regressou para a segunda parte tal e qual como se tinha apresentado durante a maioria do tempo da primeira: pouco intenso, com uma fraca reação à perda de bola e com uma escassez de agressividade que permitia ao Shakhtar trocar de flanco diversas vezes durante a transição ofensiva. Nos primeiros dez minutos da segunda parte, os ucranianos tiveram três oportunidades claras para abrir o marcador, primeiro por Junior Moraes para uma grande defesa de Vlachodimos (46′), depois com Ismaily a acertar no poste (51′) e ainda com Marlos a obrigar o guarda-redes grego a mais uma enorme defesa (55′). Ferro era novamente o elemento ‘menos’ da defesa encarnada mas nenhum dos quatro jogadores mais recuados do Benfica estava propriamente bem, com especial destaque para Rúben Dias, que estava bem menos assertivo do que é habitual.

Vlachodimos ia sendo o salvador do Benfica, tal como já se tem tornado normal nos últimos jogos, mas não conseguiu evitar o primeiro golo do Shakhtar. Depois de uma arrancada de Ismaily na esquerda, Marlos e Junior Moraes tiveram todo o tempo do mundo para combinar e esperar por Alan Patrick, que vindo de trás atirou rasteiro e de primeira para abrir o marcador (56′). O Benfica vivia um período de clara instabilidade e falta de discernimento, perdia muitas bolas na zona de construção e não conseguia afastar a pressão ucraniana, que chegava com relativa facilidade ao último terço encarnado. Ainda assim, e praticamente do nada, a equipa de Bruno Lage conseguiu chegar ao empate.

Numa jogada digna de filme de Hollywood, Tomás Tavares entrou na grande área, tirou dois adversários do caminho e assistiu Cervi, que não conseguiu fazer o remate final. Na recarga, o lateral direito empurrou para dentro da baliza, mas o lance foi imediatamente para revisão do VAR por dúvidas quanto à posição do argentino. Depois de uma longa ponderação, depois de o árbitro analisar as imagens, o escocês Bobby Madden surpreendeu Kharkiv ao anular o golo mas assinalar grande penalidade sobre Cervi. Na conversão, Pizzi empatou a partida (66′). Bruno Lage lançou Carlos Vinícius para o lugar de Seferovic quase de imediato mas o Shakhtar não tirou o pé do acelerador, colocando-se novamente numa zona muito adiantada do terreno e chegando novamente à vantagem com alguma naturalidade.

Rúben Dias voltou a perder a bola, desta vez tombado na direita, e Taison e Junior Moraes combinaram para assistir Kovalenko, que apareceu de trás e surpreendeu a defesa encarnada com um remate de primeira que não deu hipótese a Vlachodimos (72′). Até ao final, Bruno Lage ainda lançou Rafa e Samaris, o Benfica teve alguma posse de bola nos derradeiros instantes mas acabou por nunca chegar perto do empate, passando até os últimos segundos já à espera do fim do jogo para não arriscar sofrer o terceiro golo.

O Benfica soma o quarto jogo seguido sem ganhar para todas as competições, sendo que três desses resultados são derrotas, e parte em desvantagem para a segunda mão dos 16 avos da Liga Europa, ainda que o golo marcado fora deixe tudo em aberto para a conclusão da eliminatória na Luz. Resultado à parte, a verdade é que os encarnados voltaram a protagonizar uma exibição muito abaixo do exigido, com muitas perdas de bola, diversos erros de transição e uma defesa desconcentrada, pouco entrosada e sem agressividade. Depois de várias semanas em que se falou da mau momento de forma de Ferro — e sem que o jovem central tenha estado bem na Ucrânia –, esta quinta-feira foi Rúben Dias, em especial, que deixou muito a desejar na respetiva exibição, desde os erros na construção à perda de bola que originou o segundo golo. E Odysseas Vlachodimos, que voltou a estar em grande destaque e é cada vez mais o elemento mais importante do Benfica, merecia algo mais.