Para o FC Porto e para Sérgio Conceição, esta época tem sido uma montanha russa de emoções. Começou atribulada, com maus resultados logo em agosto — derrota na jornada inaugural em Barcelos e eliminação do playoff da Liga dos Campeões frente aos russos do Krasnodar. Acalmou depois, com uma sequência de oito vitórias consecutivas, entre as quais um 0-2 no Estádio do Luz e um confortável 3-0 frente ao Vitória de Guimarães. E voltou a ficar tremida mais tarde, depois de perdas de pontos (na Madeira frente ao Marítimo, no Jamor frente ao Belenenses e no Dragão frente ao Braga) que deixaram o clube a sete pontos de distância do rival Benfica.

Há pouco mais de duas semanas, pouca gente parecia convencida com o sucesso da época portista: por essa altura, não só os dragões estavam sete pontos atrás do principal adversário na luta pela conquista do campeonato, como tinham acabado de perder a final da Taça da Liga para o Sporting de Braga e empatado na primeira mão da meia-final da Taça de Portugal, por 1-1, frente ao modesto Académico de Viseu.

O futebol é pródigo em surpresas e em pouco mais de duas semanas tudo mudou: os sete pontos de distância para o Benfica transformaram-se em apenas um e a perda da final da Taça da Liga foi atenuada com a confirmação da ida ao Jamor e à final da Taça de Portugal. Tudo parecia sereno mas um episódio de racismo demasiado habitual nas bancadas dos estádios de futebol, desta vez no estádio Dom Afonso Henriques, em Guimarães, teve uma reação muito pouco habitual de um jogador de futebol: ouvindo cânticos que o comparavam a um primata, Moussa Marega pegou nas trouxas e foi-se embora. Irritado, ainda levou um cartão amarelo, mas marimbou-se: de repente, o futebol deixara de ser importante num jogo de futebol.

Moussa Marega esta quinta-feira na BayArena, durante o jogo que opôs o FC Porto ao Bayer Leverkusen (@ Mario Hommes/DeFodi Images via Getty Images)

O episódio passou, mas as críticas de que foram alvo o treinador do FC Porto, Sérgio Conceição, e os colegas de Marega por tentarem acalmar o avançado e impedir a sua saída de campo, seriam sombras esta noite? Na antevisão do jogo, o defesa Diogo Leite dissera: “Queremos todos voltar à normalidade. O Moussa em primeiro lugar. (…) Agora estamos focados em fazer um bom jogo amanhã”. O treinador acrescentou: “Já ouvi muitas pessoas a darem lições de moral, mas este balneário não precisa. É muito forte, unido e solidário. Estão todos a remar para o mesmo lado”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Esta quinta-feira, em Leverkusen, o caso que correu mundo garantia que a partida não seria só mais um jogo de futebol. Todos os protagonistas dos dois lados queriam, certamente, que o futebol voltasse a ser o mais importante no final dos 90 minutos. Mas dificilmente um jogo de futebol será visto, daqui em diante, “só” como um jogo de futebol. Seja do FC Porto ou de qualquer outro clube. E esse mérito ninguém tira a Moussa Marega.

A partida, contudo, era importante. Depois de ser eliminado da Liga dos Campeões, depois de passar a fase de grupos da Liga Europa, calhou ao FC Porto uma das “favas” do sorteio, uma equipa respeitada do poderoso campeonato alemão. Sérgio Conceição descreveu o Bayer Leverkusen como uma equipa “fortíssima”, “top 5 de um campeonato que já elogiei muitas vezes”. O objetivo maior dos dragões, esta noite, seria ganhar. O primeiro, sair vivo da eliminatória, com hipóteses de a resolver favoravelmente em Portugal. Marcar era importante, não perder também. O FC Porto conseguiu a primeira, não conseguiu a segunda: e apesar de se ter mantido vivo na Liga Europa, levando a resolução da eliminatória para o Estádio do Dragão, a diferença esta noite entre os dragões e os germânicos mostrou a diferença de competitividade entre os dois campeonatos.

Uma primeira parte com claro domínio do Bayer

Este era o terceiro grande teste recente à planificação da época dos dragões, depois das visitas ao Estádio da Luz e ao Estádio D. Afonso Henriques. Olhando para o onze de Sérgio Conceição, algumas opções levantavam dúvidas em relação ao planeamento de verão: Manafá estaria à altura de um jogo destes, depois do investimento no lateral-direito Saravia ter sido um erro só oficiosamente assumido? Sem Danilo Pereira, no banco após regressar de lesão, a dupla Uribe e Sérgio Oliveira mostrar-se-ia na Alemanha à altura das exigências? Alex Telles, sem qualquer concorrente no plantel, manteria o fulgor depois de tantos jogos? E se ninguém duvida de Marchesín, o extremo Luis Díaz, reforço que tinha a difícil tarefa de fazer esquecer Yacine Brahimi, foi um tiro em cheio ou apenas o tiro possível face aos constrangimentos financeiros da SAD portista?

A partida começou com o FC Porto com Marega e Soares na frente e os alemães com uma dupla tão ou mais imponente, composta pelo alemão Kevin Volland e pelo argentino Lucas Alario. E começou com um minuto de silêncio, depois de um ataque terrorista na Alemanha esta quarta-feira, e com cartazes nas bancadas com a inscrição “não ao racismo”.

@ Federico Gambarini/picture alliance via Getty Images

Ao longo da primeira parte, porém, assistiu-se a um domínio quase total do Bayer Leverkusen sobre o FC Porto, com os dragões a conseguirem equilibrar apenas nos primeiros minutos, quando as equipas ainda se estudavam em campo mutuamente, e na ponta final da primeira parte.

Aquilo a que se assista com o desenrolar dos minutos, quase invariavelmente, era o Bayer a circular a bola em pleno meio-campo do FC Porto. A dificuldade dos dragões em pressionar alto levava a que a defesa do Leverkusen atuasse subida, quase junto à linha intermédia do terreno. No miolo, o canhoto Kerem Demirbay servia de regista, mas também o elétrico Charles Aránguiz e o elegante Kai Havertz iam gerindo os ritmos do jogo, superiorizando-se a Sérgio Oliveira e Uribe e procurando servir duas lanças ofensivas, o alemão Kevin Volland e o argentino Lucas Alario.

O primeiro momento em que se traduziu para perigo o domínio dos alemães, que controlavam a gestão da posse de bola, foi aos 18 minutos, quando no interior da área, depois de um cruzamento atrasado para a zona de penálti, Kai Havertz disparou de pé esquerdo para a baliza de Marchesín. O guarda-redes argentino, que pouco podia fazer, viu a bola embater com estrondo no ferro da baliza dos dragões.

Doze minutos volvidos desde a primeira grande oportunidade de golo do jogo, o Bayer Leverkusen chegaria mesmo ao 1-0, à passagem da meia hora da partida. Lars Bender cruzou e, depois de um desvio de Demirbay, a bola sobrou para o oportuno Lucas Alario, que ao segundo poste empurrou de cabeça para a baliza. O FC Porto tentou reagir à desvantagem, mas excluindo um remate tímido de Sérgio Oliveira de meia distância e um grande remate de Uribe aos 43 minutos — o médio aproveitou um ressalto e, não deixando a bola cair no chão, rematou para uma grande defesa de Hrádecký —, o domínio era germânico. Ao intervalo, as estatísticas do jogo eram claras: o Bayer tinha nove remates contra três do FC Porto (o triplo, portanto), sete remates feitos no interior da área de Marchesín contra apenas um dos dragões (sete vez mais, isto é) e 73% de posse de bola, por oposição aos 27% registados pela equipa de Sérgio Conceição.

Os festejos do primeiro golo do Bayer Leverkusen, apontado por Lucas Alario (@ INA FASSBENDER/AFP via Getty Images)

Melhorias com Nakajima e Zé Luís (e a sorte a sorrir)

Apesar das dificuldades notórias dos dragões, Sérgio Conceição não mexeu na equipa e talvez tenha estado aí um dos problemas do conjunto azul e branco. A equipa portista até entrou a pressionar um pouco mais alto, levando o jogo para fora do seu meio-campo defensivo, mas o duo de meio-campo composto por Sérgio Oliveira e Uribe — ambos em bom plano — não só não teve apoio defensivo para ajudar na pressão, como não teve um elemento extra que o ajudasse a ter mais tempo a posse da bola na zona intermediária. Os alas Corona e Luis Díaz, pouco inspirados, também pouco contribuíram para isso.

Na ausência de Otávio, e a perder ao intervalo, esperava-se que Sérgio Conceição colocasse um jogador para atuar entrelinhas, na chamada “zona 10”, fosse a opção mais provável Nakajima ou o mais jovem — e, por isso, uma aposta mais arriscada — Vítor Ferreira.

Aos 51 minutos, Sérgio Oliveira ainda criou perigo, cabeceando para o guarda-redes Hrádecký segurar depois de uma boa jogada de “Tecatito” Corona pela esquerda do ataque. Porém, três minutos depois, aos 54, Volland fez gato sapato do defesa-direito do FC Porto, Wilson Manafá, rodando sobre ele e deixando-o para trás já dentro da área portista. Vendo o avançado germânico ganhar-lhe a frente, Manafá agarrou-lhe a camisola e cometeu grande penalidade. Marchesín ainda defendeu a primeira tentativa do jovem canhoto Kai Havertz, mas o árbitro mandou repetir o lance, por entender que o guarda-redes tinha-se adiantado antes do penálti. À segunda foi de vez e Havertz fez o 2-0.

O momento em que Havertz fez o 2-0 para o Bayer Leverkusen, de grande penalidade (@ Federico Gambarini/picture alliance via Getty Images)

A noite afigurava-se cada vez mais complicada para os dragões e aos 60 minutos, após contra-ataque, o autor do segundo golo dos alemães serviu Nadiem Amiri e este, à entrada da área, com um remate forte, obrigou o guarda-redes argentino do FC Porto a esticar-se para evitar o 3-0.

Foi quando o relógio apontava os 60 minutos de jogo que Sérgio Conceição fez a primeira substituição, retirando Manafá do jogo, recuando Corona para lateral e colocando Nakajima em campo. O japonês, fresco, conseguiu ter mais impacto em zonas interiores do terreno e ajudou o conjunto portista a subir em bloco, permitindo até que o novo lateral de veia ofensiva, Corona, arriscasse subir com perigo no terreno. Apesar disso, foi o segundo elemento dos dragões a entrar, Zé Luís — substituiu Soares, que teve um jogo especialmente infeliz, incapaz de ganhar bolas divididas e incapaz de segurar a bola perante a pressão adversário —, a conseguir reduzir a desvantagem para 2-1, aos 74 minutos, de cabeça e na sequência de um livre lateral batido na direita pelo suspeito do costume Alex Telles.

O último quarto de hora de jogo prosseguiu na toada dos 15 minutos anteriores, com um FC Porto menos asfixiado e remetido à defesa mas com os alemães, ainda assim, mais dominadores. Aos 76 minutos, após bom trabalho frente a Corona pela esquerda, Volland rematou com selo de golo mas Marchesín defendeu. O guardião, que fez uma boa exibição esta noite na BayArena, voltou a segurar os dragões na eliminatória, evitando o 3-1.

@ Mario Hommes/DeFodi Images via Getty Images

Sérgio Conceição ainda retirou de campo um apagado Luis Díaz para fazer entrar Danilo, dando maior consistência ao meio-campo portista nos últimos minutos, e a sorte sorriu mesmo aos dragões. O FC Porto foi inferior mas não só perdeu pela margem mínima como conseguiu esse resultado negativo mas tangencial marcando um golo fora. Na próxima quinta-feira, há jogo decisivo no Estádio do Dragão.