O ex-chefe da Missão Diplomática da Comissão Europeia em Bissau Miguel Amado e o antigo embaixador português na Guiné-Bissau Francisco Henriques da Silva defenderam esta terça-feira uma maior presença da comunidade internacional no país, para evitar “uma confusão muito grande”.

“Era bom que os representantes das organizações internacionais intergovernamentais, como a União Europeia e as Nações Unidas, tivessem uma voz ativa e forte, e estabelecessem condições para que pudessem estar presentes na Guiné-Bissau”, afirmou à Lusa Miguel Amado, advertindo que, “de outra maneira, isto dá uma confusão muito grande”.

As declarações surgem quando a Guiné-Bissau vive um novo momento de tensão política, depois de o autoproclamado Presidente, Umaro Sissoco Embaló, ter demitido Aristides Gomes do cargo de primeiro-ministro e nomeado Nuno Nabian.

Para Miguel Amado, a comunidade internacional irá apenas reconhecer a legitimidade de um chefe de Estado eleito por um processo que tenha cumprido e respeitado por completo o processo eleitoral, algo que “logo ao início não foi respeitado”.

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Nesse sentido, o antigo chefe da Missão Diplomática da Comissão Europeia em Bissau apontou que é fundamental que a situação seja esclarecida, uma vez que pode estar em causa a aplicação de sanções.

Nestas situações, “normalmente a comunidade internacional corta as ajudas ao desenvolvimento” e “só a ajuda humanitária fica”, referiu.

A aplicação de sanções é um dos cenários admitidos pela Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), que voltou a ameaçar impô-las a quem atente contra a ordem constitucional estabelecida na Guiné-Bissau, tendo acusado os militares de se imiscuírem nos assuntos políticos.

Assim, Miguel Amado relembra que uma posição da comunidade internacional tem de ser “muito forte e muito bem direcionada, com mensagens muito concretas”. “De outra maneira não vai haver entendimento”, sublinhou Miguel Amado, cuja missão relativa à Guiné-Bissau foi de dois anos e meio.

Por seu turno, Francisco Henriques da Silva reconheceu que não estava “dentro dos pormenores” da política interna guineense, mas admitiu que, a seu ver, a Guiné-Bissau representa atualmente “um Estado falhado”.

Tem de se assumir isso. Os próprios guineenses têm de compreender que são um Estado falhado e que assim não vão a parte nenhuma. Tem de haver um entendimento”, defendeu Francisco Henriques da Silva.

Para o antigo embaixador em Bissau, este entendimento “tem de passar, talvez, por algum apoio, alguma cooperação externa”.

No entanto, Francisco Henriques da Silva adverte que para isso acontecer tem de ser a Guiné-Bissau a pedir a intervenção. “Têm de perceber que são soberanos e precisam de ajuda externa”, vincou o diplomata.

Num quadro mais geral, Francisco Henriques da Silva apontou que a Guiné-Bissau tem “de se libertar um pouco da tutela dos militares”, sublinhando que estes “têm um peso excessivo na sociedade guineense”.

Este peso vem do tempo da luta e perdurou através das décadas que se seguiram, mas isso não é solução”, considerou.

Francisco Henriques da Silva e Miguel Amado falaram à Lusa à margem da apresentação do livro “Memórias Diplomaticamente (In)Correctas”, da autoria do primeiro.

O livro, que compila várias histórias vividas pelo antigo embaixador, resulta de um trabalho de dois anos.

“É o conjunto de relatos da minha vida em 1974, quando entrei no Ministério [dos Negócios Estrangeiros], até 1997, que foi o ano em que parti como embaixador. Até então fui secretário da embaixada, fui cônsul, fui conselheiro… Os episódios desses 23 ou 24 anos estão relatados neste primeiro livro”, explicou Francisco Henriques da Silva, referindo que a obra é o resultado de “muitos apontamentos, muitas notas” que foi escrevendo durante a sua carreira.

Francisco Henriques da Silva esteve na Guiné-Bissau como combatente, no Exército, onde foi oficial de infantaria, tendo voltado ao país 30 anos depois, como embaixador, onde presenciou “toda a guerra civil”.