Abrir as portas da Companhia Nacional de Bailado (CNB) a todos os que lá queiram vir, chamar novos públicos e envolvê-los na magia da dança, manter a aposta em repertórios de qualidade e acarinhar os profissionais da casa. Isto tudo ao mesmo tempo que se leva a CNB pelo país fora e se reforça a sua presença no estrangeiro. Pode parecer muito para ser concretizado, mas é algo que Sofia Campos, diretora artística da CNB, está a conseguir pôr em prática, com sucesso, desde que há cerca de um ano e meio assumiu o cargo. Os desafios serão muitos, claro, mas o entusiasmo que se lhe pressente é ainda maior.

Em entrevista ao Observador Lab, a antiga bailarina começou por deixar bem claro o que todos nós — portugueses, mas não só — podemos esperar da CNB: “Acredito que é uma companhia que nos continuará a surpreender”. Porquê? Desde logo, porque concilia forças de grandeza inegável, como sumariza quando lhe pedimos para apresentar a CNB: “É uma companhia de repertório que se distingue pela heterogeneidade das obras que apresenta e pela energia e grande versatilidade dos bailarinos que as interpretam”. Sofia Campos especifica que a “CNB tem objetivos de serviço público que se desenvolvem em diferentes dimensões”. Com efeito, por um lado, tem “uma missão de carácter mais patrimonial na preservação e divulgação do repertório da dança universal”, que vai do bailado clássico à dança moderna e contemporânea, e passa pela integração de obras de coreógrafos nacionais e estrangeiros; por outro lado, segue uma “política de incentivo a novas criações concebidas originalmente para a companhia”. É, pois, desta variedade e ecletismo que é feita a CNB, ao mesmo tempo que procura assegurar a “preservação e valorização da memória e herança culturais”, o que pode ser feito — e é — através de exposições, edições e outros formatos complementares.

Levar a dança para fora

Um movimento que tem vindo a ser cada vez mais impulsionado por Sofia Campos, e que esta espera continuar a estimular, é o de retirar a CNB do seu espaço em Lisboa e levá-la não só ao resto do país como para o mundo. “Sendo uma companhia nacional, deve fazer-se representar por todo o território nacional, contribuindo, através do trabalho que desenvolve em colaboração com parceiros locais, para uma crescente aproximação dos públicos à dança”, refere, acrescentando que “em paralelo, deve ser capaz de promover a sua internacionalização, posicionando-se de forma inequívoca num panorama e contexto mais alargados”.

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11 de março

Neste dia, estreia o novo programa da CNB: Dançar em Tempo de Guerra, com uma obra de Martha Graham e outra de Kurt Jooss, coreógrafos de referência da história da dança do século XX.

A presença da CNB em todo o país é, aliás, “uma das grandes linhas de trabalho” da atual direção, até porque “um dos compromissos da CNB é o da criação de acesso à cultura em geral, e em particular à dança, a nível nacional”. Uma das formas de concretizar este objetivo tem sido, segundo a responsável, “através da circulação de espetáculos pelos diferentes equipamentos culturais do país, mas também nas escolas”. A este propósito, explica que estão atualmente a desenvolver um projeto de circulação por vários agrupamentos escolares do país da mais recente criação da CNB para o público infantil, intitulada Planeta Dança. Além disso, organizam diversas iniciativas com a presença de bailarinos da casa, como ateliês, masterclasses e apresentação de filmes ou vídeos sobre o trabalho da CNB.

O balanço que faz deste movimento de circulação de espetáculos e atividades pelo maior número possível de locais é “muito positivo e gratificante”, com reflexo “nas sessões esgotadas na maior parte das localidades e no aumento significativo de solicitações da presença da CNB”, sublinha. O objetivo de aproximação está, pois, a ser cumprido: “Sentimos uma nova aproximação do público e dos próprios agentes culturais ao trabalho que está a ser desenvolvido pela CNB; queremos devolver a todos essa atenção e reconhecimento”.

Cativando novos públicos

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Em todas as temporadas, são criados novos projetos que, segundo Sofia Campos, “contribuem para uma relação de maior confiança e de maior proximidade com a dança”, orientados para diversos públicos. Eis alguns exemplos do que está a ser feito:

Planeta Dança: Projeto destinado a contar aos mais novos a história da dança, falar-lhes sobre o movimento, os estilos e as diferentes técnicas.

Conversas pré-espetáculo: Antes da sessão de sábado (dia 14 de março) à tarde do novo espetáculo da CNB — Dançar em Tempo de Guerra —, será iniciado, em Lisboa, um novo ciclo de conversas com pistas de interpretação da obra e do seu contexto.

Dia Mundial da Dança: O dia 29 de abril será celebrado com a partilha de novas formas de olhar a dança e o trabalho da CNB.

Ensaio Geral Solidário: Iniciativa pioneira criada em 2011 e com um enorme sucesso junto do público. A CNB oferece a bilheteira do ensaio geral a instituições de solidariedade social, chamando públicos que, de outra forma, poderiam não contactar com o trabalho da companhia.

Por todo o país: A companhia continuará a marcar presença no território nacional com espetáculos, masterclasses, residências artísticas e oficinas.

Em busca do mundo

Sair de Portugal e mostrar a CNB ao mundo tem sido outro dos propósitos de Sofia Campos, que tem registado “o interesse crescente de programadores internacionais, que até ao momento desconheciam a CNB”. Para que isso aconteça, reconhece que é necessário um “trabalho muito intenso, implica uma enorme dedicação, muitas viagens e reuniões, uma constante atualização do que de novo estamos a produzir”, refere. “Temos uma companhia nacional com uma ótima qualidade, mas que precisa de um pensamento mais global, e menos local, para conquistar esse espaço na cena internacional”, reforça.

Casa grande e cheia de gente

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Fundada em 1977, a CNB tem a sua sede de trabalho diário no Teatro Camões, em Lisboa, e integra o Opart – Organismo de Produção Artística, juntamente com o Teatro Nacional de São Carlos. São muitos e oriundos de áreas distintas os profissionais que integram a companhia: além de um elenco artístico fixo de bailarinos — que se encontram distribuídos por categorias, desde estagiário a bailarino principal — trabalham ainda na CNB diversos professores e ensaiadores, bem como elementos das equipas de produção, comunicação, técnica, cena, manutenção, ateliê de costura e gabinete de fisioterapia. Juntos “contribuem diariamente com empenho, dedicação e a qualidade do seu trabalho para o melhor desenvolvimento e crescimento desta companhia que é de todos”, destaca Sofia Campos.

Os resultados deste empenho não se fazem esperar, e recentemente a CNB foi convidada a abrir o Festival Pays de Danses 2020, um festival internacional de dança realizado em Liège, Bélgica, que decorreu entre 30 de janeiro e 21 de fevereiro. Foi a primeira vez que a companhia marcou presença neste evento, tendo sido surpreendida por duas sessões esgotadas. “A receção do público e da crítica foi maravilhosa”, relata.

Três histórias de reconhecimento e proximidade

Entre o muito que está a ser feito nesta etapa de renovação na CNB, Sofia Campos sublinha a “dimensão humana e emocional” que caracteriza o caminho que está a ser traçado para a companhia. A esse propósito, conta-nos três pequenas histórias:

1 – Os rostos da companhia

“Porque trabalhar na CNB deve ser um trabalho de equipa, e porque uma equipa é feita de pessoas com diferentes capacidades, gosto de dedicar particular atenção à dimensão humana destes grandes projetos. Assim, numa perspetiva de valorizar a equipa e o seu trabalho, decidi criar três situações no âmbito da comunicação: colocar os bailarinos como protagonistas da nova imagem criada para cada espetáculo; abrir as duas primeiras agendas de programação desta temporada com uma fotografia de grupo com as várias equipas e ainda criar um caderno que acompanha o programa de sala e que, a cada edição, se dedica a um elemento da CNB, o qual, em conversa, desvenda um pouco mais de si e do seu trabalho.”

2 – Público que escolhe estar presente

“No ano passado, no Dia Mundial da Dança, abrimos as portas do Teatro Camões para celebrar a dança — a CNB com o público. Desenhámos um programa que oferecia aos visitantes a oportunidade de ver os bastidores, o dia a dia de uma companhia como esta e os espaços onde trabalha. A forma calorosa como o público marcou presença foi positivamente surpreendente, tendo enchido uma sala para assistir a uma aula dos bailarinos em palco. Vieram até escolas de fora de Lisboa, públicos de todas as idades. Foi um momento de confirmação da curiosidade, mas sobretudo do carinho pela CNB. Dificilmente esquecerei este momento em que as pessoas nos estavam a dizer que querem estar com a companhia e que querem fazer parte desta história.”

3 – Um espetador atento

“Estou presente em praticamente todos os espetáculos da companhia, e quando são no Teatro Camões, costumo estar no foyer antes de começarem. Gosto de conhecer o público e, na medida do possível, saber um pouco mais de cada pessoa que naquele dia escolhe estar com a CNB. Começo a conhecer alguns espetadores habituais e eles a mim. E há um senhor — espetador assíduo, que vem ver tudo e, nalguns casos, mais do que uma vez — que faz sempre questão de me cumprimentar e agradecer o trabalho que estamos a desenvolver. Diz-me que agora se vê e ouve falar da companhia em todo o lado, que isso é motivo de orgulho e que se sente a diferença, mas que há uma coisa que, para ele, é determinante: é saber que a diretora artística da CNB está sempre ali atenta ao ‘seu’ público e a recebê-lo. Fico feliz sempre que mo diz, pois significa que a mensagem está a passar: que quem vem à CNB está sempre em boa companhia.”