É consultor, formador e já trabalhou em várias empresas nas indústrias do grande consumo e edição. Em 2017, cofundou o projeto “FailProof Business Academy” para ajudar empreendedores a explorar o seu potencial e a contornar fracassos. Três anos depois, publicou um livro com o mesmo propósito: ajudar os outros a tirar partido dos falhanços. O Falhar Para Acertar chegou ao mercado no início do ano pela editora Self, com ferramentas e testes para gerir falhanços e criar negócios baseados em riscos reais.
Ao Observador, Pedro Colaço explica que assusta tanto falhar como sermos vistos pelos outros como falhados. É por isso que “há quem prefira ficar quieto e não ter grandes sonhos e objetivos, porque pelo menos não falha”. Para o autor de 43 anos, quando algo não corre bem, “o mais fácil é culpar outras coisas”, como “o ambiente, a economia, o mercado, a concorrência, o não haver dinheiro, os investidores” e é por isso que apela à importância da autorresponsabilização. “O falhanço vai estar à porta, é quase matemático. É inevitável”, diz.
Porquê um livro sobre falhanço?
O Falhar para Acertar surgiu lá atrás, com o projeto “FailProof”. Foi numa altura em que fui despedido e coloquei um bocado em causa a perspetiva que tinha sobre a minha vida profissional. Foi uma altura de viragem. Vinha desta fase e se calhar estava a precisar de exorcizar um bocado estas coisas, questões pessoais também, e depois materializou-se neste projeto, sendo que já estava a trabalhar um bocadinho a ideia do fracasso e dos empreendedores. O tema foi-se desenvolvendo, ganhando vida e corpo. Entretanto, o projeto que tinha acabou e segui na mesma com a ideia do fracasso. Já tinha muito material e comecei a afinar a abordagem, percebendo que isto tinha um duplo impacto — o impacto é sempre nas pessoas, mas depois as consequências refletem-se na vida pessoal e profissional e, naturalmente, nos negócios. Isto reflete-se muito no mundo do empreendedorismo. Há os mantras do falhanço, mas tudo isto tem a ver com a mesma coisa: a dificuldade em gerir o falhanço, aceitá-lo, ultrapassá-lo. É perfeitamente inibitório, condicionante. Foi nascendo e ganhando vida. Achei que havia utilidade para alguém, para várias pessoas.
Dedicou muito tempo ao livro, porque é que acha que as pessoas continuam a ter medo de falhar?
Isso tem a ver com duas coisas. Uma são as nossas expectativas, a dificuldade que sentimos ao traçar objetivos, ter expectativas e depois não conseguir lá chegar. É a desilusão e a frustração pessoal, a distância entre o que ficou traçado e o que atingimos. As pessoas não querem lidar com esta distância, com o buraco, com o vazio e isso custa. É a tal frustração e a dor. Depois, é o facto de estarmos inseridos numa sociedade, tem a ver com a pressão dos outros — a forma como os outros veem o que fizeste, a interpretação do que fizeste, as expectativas que criaram.
O falhanço visto pelos olhos dos outros cria uma pressão tremenda, porque já não basta o que nós achamos, quanto mais o que os outros acham e isto é um estigma que vem desde sempre. Desde crianças que nos são apontados os erros e falhas. Esses dois pesos conjugados são, de facto, uma prisão terrível, porque depois, na prática, condicionam e inibem a criatividade, inovação e empreendedorismo. É tudo limitador. Há quem diga que é um medo maior do que morrer, porque morrer é uma coisa que acontece uma vez e acabou, apesar de ser um medo a longo prazo. No curto prazo e no imediato, o falhar é uma coisa contínua, porque tens medo de falhar e de te mostrares como falhado. Às tantas, a pessoa prefere ficar quieta e não ter grandes sonhos e objetivos, porque pelo menos não falha.
Isto tem a ver com exposição da vulnerabilidade? As pessoas sentem-se mais vulneráveis?
Sim, com certeza. Temos muita dificuldade em mostrar-nos como somos. Ninguém é perfeito, as pessoas têm pontos fracos e pontos fortes, mas tendemos a esconder o lado menos bom nas nossas relações pessoais, íntimas ou profissionais (profissionais ainda mais), o lado que achamos menos positivo. Mas as pessoas são inteiras. Não queremos ser vulneráveis, porque as pessoas vulneráveis são exploradas e aproveitadas. Há estes estigmas que já vêm há muito tempo. Mesmo em termos de evolução do homem, há coisas engraçadas sobre isto.
O objetivo do livro é ajudar a combater este estigma?
O livro pretende ajudar nesse sentido, tendo como pano de fundo os negócios, que é onde podemos criar algo com valor. Mas, no fundo, é uma questão intrinsecamente pessoal. Pretende ajudar a ultrapassar isto, dizendo “Ok, isto é um medo, isto pode ser ultrapassado, isto não é bom, isto é condicionante”. Se ultrapassares isto, podes conseguir imensas coisas, como criar negócios espetaculares e muitas pessoas têm o desejo de o fazer. É um conjunto de ações necessárias — as preventivas e as educativas — para serem aplicadas no dia-a-dia. São estratégias e táticas que usam o falhanço como um aliado e não como um inimigo. Não fujam dele, saibam que ele lá está e usem-no em vosso proveito, aproveitem-no como benefício, porque senão ficam só com o prejuízo. Já que falhas, fica com o benefício. Daí o “Falhar para acertar”, ou seja, para acertar é preciso falhar e se assumirmos que isso faz parte, estamos a utilizá-lo de uma forma inteligente e proativa.
No início do livro, escreve sobre “identificar antecipadamente os falhanços possíveis”. Isto é mesmo possível?
Claro, depende do contexto em que estamos. O livro identifica um conjunto de fracassos e motivos, divididos por áreas. São 36 que são apresentados. Isso é uma maneira de a pessoa poder olhar para aqueles principais falhanços e segmentá-los por áreas, perceber onde estão os riscos. Porque se eu entrar, imagina, num campo e souber onde estão as minas, posso evitá-las. Se não souber, vou em qualquer direção. Convém identificar onde estão os riscos. É claro que os riscos de uns podem não ser os riscos de outros e, por isso, nem tudo é válido para toda a gente. Tudo depende do contexto, mas é possível, sim, antecipar os falhanços com base, sobretudo, na experiência dos outros.
É claro que fugir de um fracasso que aconteceu não quer dizer que vais conseguir evitá-lo, mas sabes que alguém o fez e passou por ele. E isso já é um alerta. Podes sempre ultrapassá-lo de outra maneira. Não é tudo igual, mas tens o mapa do percurso que vai sendo construído. Aliás, como é que o mapa mundo existe? Existe, porque houve ao longo de centenas de anos navegadores e exploradores que foram construindo pouco a pouco, com base em erros. Foi assim que o mapa foi sendo construído. Com os fracassos é a mesma coisa, é um acumular, é um histórico de fracassos numa determinada área. Traça-se este mapa e faz-se a ação preventiva e construtiva, com base no fracasso que pretendemos evitar.
Mas se é é preciso falhar, esta ideia é um contrassenso.
Há um conceito que apresento no livro — o “à prova de falha” — que, por um lado, é isto: temos de ser inteligentes a escolher os falhanços. Há alguns aos quais nos vamos expor, porque o risco é baixo e servem de aprendizagem. Mas, em princípio, se trabalhares os fracassos a um nível mais baixo ou médio ou se te expuseres a eles, vais estar mais prevenida dos fracassos maiores. É uma questão de gerir o que são os falhanços. Se isto for feito cegamente pode acontecer o pior cenário. Tudo isto varia de caso para caso, o importante é a atitude que a pessoa tem: não fugir deles. Mas podes, ao mesmo tempo, passar por eles, aprender e prevenires-te de outros — sabendo que vais ter de passar por alguns.
Não há regras fixas. Quando traçamos um mapa, mesmo sabendo as milhas, ele não te diz se tens de ir por aqui ou por ali. O livro não tenta dar soluções definitivas, tenta obrigar-te, entre aspas, a fazer as perguntas que te vão pôr nas posições certas para lá chegar, porque, no fundo cada um joga o seu jogo.
Um dos conceitos abordados é o “negócio para todo o terreno”. Que conceito é este?
É uma analogia. Tem de ser, por um lado, sustentável, e tem de se aguentar ao longo do tempo nos mais variados e diferentes percursos e, sobretudo, aguentar muito tempo. Não é aguentar só agora, só uma prova, é aguentar várias provas. Para isso, é preciso também ser flexível e robusto, ou seja, tem de se conseguir manobrar suficientemente bem as dificuldades, os sucessos e falhanços, as oportunidades e ameaças, com capacidade de adaptação, porque a questão da adaptação está relacionada com a evolução. A capacidade de adaptação é um veículo todo o terreno que tem de se adaptar aos vários terrenos que existem.
A questão da robustez também é a mesma coisa. Mesmo sendo flexível, é preciso conjugar a flexibilidade com a robustez, ou seja, tem de ser forte o suficiente, mas não estático. Por isso é que o livro também desdobra uma série de áreas e sub-áreas, para se perceber quais são as peças que o negócio tem, onde nos podemos afinar e melhorar e fazer alterações. Se virmos um negócio como um bloco fechado é mais difícil. Um carro todo o terreno tem muitas peças, muitas rodas, muitos mecanismos e, conhecendo as partes individuais, estamos mais capazes de conseguir operá-lo e mudá-lo — e de ter a consciência, sobretudo, de que cada condutor é o principal responsável. O livro bate depois neste ponto: não é alguém que vai tratar do carro, não é alguém que tem de saber como é que a mecânica funciona, não é alguém que tem de dar um mapa do percurso, é o condutor que tem de ser o seu principal responsável. Se ele tirar de si essa responsabilidade e a der a outros, está a retirar o seu poder e, muitas vezes, é o que acontece: as pessoas desculpam-se com outras coisas.
Acha que os empreendedores se desresponsabilizam muito?
Sim, muito, mas não são só os empreendedores, somo nós todos. Por norma, quando falhamos ou algo não corre bem, o mais fácil é culpar outras coisas. É o ambiente, a economia, o mercado, a concorrência, é o não haver dinheiro, foram os investidores, quer dizer… Há sempre uma desculpa. Foi o árbitro, por exemplo, é a mesma coisa. E temos tudo isto, porque temos dificuldade em encarar o falhanço e assumir que foi: “Ok, não consegui, não fiz bem, isto não faz de mim estúpido, nem burro, nem falhado, faz de mim uma pessoa que naquele momento não conseguiu o melhor resultado, mas faz de mim inteligente se usar isso para depois fazer algo melhor”.
Há muito esta lógica e o povo português tem muito isto da desculpabilização. A cultura americana, por exemplo, é uma máquina trituradora e está sempre a andar para a frente. Nós, aqui, andamos a carpir sobre as coisas, porque somos portugueses e isto ou aquilo e a Europa… Há que ultrapassar um bocado isto. O falhanço é para aprender e andar para a frente.
No final do livro, há 10 atitudes à prova de falha. Destas 10, quais são as mais importantes?
Depende de pessoa para pessoa, do contexto em que a pessoa está e do momento. Para determinados objetivos e desafios, podem ser mais úteis determinadas atitudes. Agora, há uma que acho que é basilar — a resiliência. A vida tem sempre altos e baixos, existirão sempre falhas e a resiliência é aquilo que te permite voltar acima depois de ir abaixo. E isso é absolutamente fulcral, porque se não tiveres isso, nenhuma das outras atitudes pode florescer. É claro que as outras também ajudam, se tiveres paixão, pode ajudar-te a reerguer e etc. Mas a resiliência é uma atitude basilar para lidar com o fracasso.
E além da resiliência?
As outras entreajudam-se muito.
Acha que é mesmo possível fazer um produto à prova de falha?
É possível, porque o “à prova de falha” não quer dizer que não falhe, mas que vai recuperar da falha, é um conceito elástico. Nesse conceito, é possível. Uma coisa que nunca falhe, não. A falha vai estar sempre presente do ponto de vista do utilizador, da própria empresa, do que seja. É algo que vai estar em adaptação e que não vai morrer nunca, mas vai ter altos e baixos, garantidamente, porque vai sobreviver às falhas e conseguir adaptar-se quando há falhas, não vai morrer. Nesse conceito de “à prova de falha”, vai ficar com riscos, vai ficar danificado, vai ficar moído? É capaz… Mas vai ser arranjado e melhorado e acho que é possível um produto dessa natureza.
Escreve que os jornalistas se focam muito no sucesso, mas é difícil encontrar pessoas que deem a cara por projetos que não tenham corrido tão bem. Como é que se poderia dar a volta a isto?
De várias maneiras, como com iniciativas ou eventos que falem sobre isso, com a partilha de experiências. E há alguns exemplos, como o “FuckUp Nights”, ao qual estive associado numa fase inicial, há o evento do “Fail Big”, há coisas que puxam para isto, mas, no fundo, a questão é muito pessoal. O que acontece é que a pessoa, qualquer um de nós, só tende a partilhar o insucesso quando já está numa posição de equilíbrio ou de sucesso. É mais fácil, custa menos. Agora, se estiveres no poço, é mais difícil falares, o que é perfeitamente normal. Mas isto tem a ver com a perspetiva que temos do poço. Isto é uma questão cultural e vai ser muito difícil mudá-la agora. Qualquer iniciativa, evento, conversas ou temas que falem sobre o assunto, que desmistifiquem esta ideia, facilitam. E quando as pessoas se autorresponsabilizarem, não é? Porque, muitas vezes, vão culpar os outros.
O segredo está sempre nos líderes?
O segredo está sempre nas pessoas e o empreendedor é quem tem o poder. O poder e a responsabilidade, a capacidade de adaptação, este poder que falo no livro, que é um misto das capacidades com atitudes. E essa pessoa sente-se um líder. É essa pessoa que vai ser seguida, que vai traçar o rumo. Se há alguma desresponsabilização, incapacidade ou falta de atitude, o reflexo vai ser absolutamente inevitável. O falhanço vai estar à porta, é quase matemático. É inevitável.