Está a afetar-nos a todos, irá continuar a afetar-nos a todos, não se sabe durante quanto tempo vai afetar-nos a todos. É o assunto incontornável do dia, da semana e do mês: e torna-se difícil escrever qualquer linha, qualquer parágrafo e qualquer texto sem mencionar aquela que será, já com praticamente todas as certezas, a expressão do ano 2020. O coronavírus começou como um assunto de saúde, tornou-se um assunto da cultura, do desporto, da política e da economia — e é nesta altura um assunto de toda a sociedade. Com praticamente todos os eventos desportivos suspensos, cancelados ou realizados à porta fechada pela Europa fora, a Liga Europa assistia esta quinta-feira à primeira mão dos oitavos de final da competição. Uma primeira mão cuja segunda só deverá ser disputada quando o surto estiver amenizado.

Em Linz, na Áustria, o Manchester United visitava o LASK, um adversário que surpreendeu o Sporting na fase de grupos da Liga Europa e que eliminou o AZ Alkmaar nos 16 avos, tornando-se desde já uma das surpresas das competições europeias desta temporada. Num jogo disputado à porta fechada — como outros três esta quinta-feira, sendo que outros dois foram mesmo suspenso –, o clube inglês procurava prolongar uma série de 10 jogos sem perder, sendo que sete desses foram mesmo vitórias. O bom momento da equipa de Ole Gunnar Solskjaer incluiu a eliminação do Club Brugge nos 16 avos, a progressão na Taça de Inglaterra e uma vitória no dérbi de Manchester contra o City, a segunda da temporada frente aos citizens. Um bom momento que tem sido associado, em toda a linha e por toda a gente, à chegada de Bruno Fernandes a Old Trafford.

O médio português, que entretanto já foi considerado o melhor jogador da Premier League durante o mês de fevereiro, tem colhido elogios atrás de elogios a cada jogo que passa — pela influência que tem na equipa, pela forma imediata como se adaptou ao futebol inglês e pela maneira quase natural como corre no relvado de Old Trafford, como se lá tivesse jogado a vida toda. O último elogio, que também confirma a forma como os ingleses têm interpretado a personalidade de Bruno Fernandes, veio de Alan Shearer, antigo avançado do Newcastle e da seleção inglesa que é ainda o melhor marcador de sempre da Premier League. “Quando alguém chega a um clube de futebol com aquela arrogância, no bom sentido, isso faz a diferença. Ele acredita que pode mudar as coisas e tem capacidade para o fazer. Os outros jogadores reagem à sua presença. Quando ele tem a bola os jogadores do United mexem-se. Não estávamos habituados a ver isso nos jogos do Manchester United antes”, defendeu Shearer.

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Contra o LASK, o guarda-redes David De Gea começava no banco, com Solskjaer a apostar em Sergio Romero na baliza do United. Matic, que tem sido habitualmente titular no meio-campo, cedia o lugar a Juan Mata, assim como Lindelof fazia com Bailly, e a principal surpresa aparecia na frente de ataque, já que era Odion Ighalo a aparecer no onze enquanto referência ofensiva, a render o francês Martial (que terá sofrido uma lesão no dérbi com o City). Numa primeira parte algo olvidável no que ao futebol diz respeito, o Manchester United teve alguma dificuldade em agarrar o controlo do jogo, ainda que tivesse a maioria da posse de bola, e só criou as primeiras oportunidades já depois dos 20 minutos, através de um remate de Daniel James e um cabeceamento de McTominay.

Ingleses e austríacos jogaram à porta fechada em Linz, onde o Sporting já jogou esta temporada, na fase de grupos da Liga Europa

Com Bruno Fernandes continuamente em destaque na fase criativa da equipa, a ligar o setor mais recuado ao mais adiantado, o grande momento da primeira parte ficou inteiramente reservado a Ighalo e a um minuto especial pouco antes da meia-hora. Bruno Fernandes insistiu num lance de transição, descobriu Ighalo à entrada da fora de área e o que o avançado nigeriano fez de seguida justificou por inteiro o investimento do Manchester United no passado mês de janeiro: dominou com o pé direito, passou para o esquerdo, trouxe de volta para o direito e atirou um enorme remate para abrir o marcador (28′). De um minuto para o outro, Odion Ighalo não só marcava um enorme golo na Liga Europa como marcava o quarto em oito jogos pelo clube inglês, respondendo ao mar de críticas e dúvidas que ouviu na altura em que foi anunciado como reforço de inverno dos red devils.

Na segunda parte, o Manchester United entrou claramente mais forte e assumiu os desígnios da partida logo nos instantes iniciais, algo que não tinha conseguido fazer na primeira parte. A primeira linha de construção dos ingleses foi colocada na zona do meio-campo e Bruno Fernandes, sempre de batuta na mão, era o maestro que abria espaços em profundidade tanto com Mata na direita, James na esquerda ou Ighalo na faixa central. A mobilidade do setor ofensivo do United não demorou muito a causar estragos na defensiva do LASK e Daniel James, com um bom movimento individual da esquerda para o meio depois de um passe de Ighalo, acabou por aumentar a vantagem dos ingleses com um remate rasteiro (58′) — que encerrou uma seca de 32 (!) jogos sem marcar do jovem avançado galês.

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Odion Ighalo atirou uma bola ao poste pouco depois do golo de Daniel James, na sequência de uma deliciosa assistência de Bruno Fernandes, e o LASK nunca soube recompor-se do segundo golo sofrido, saindo por completo da dinâmica que tinha apresentado até então e perdendo toda a capacidade de criar qualquer perigo junto da baliza de Romero. Num jogo onde Bruno Fernandes pouco apareceu em zonas de finalização, assumindo com naturalidade um papel mais construtivo e criativo do que propriamente conversor, o médio português acabou por ser substituído por Andreas Pereira quando faltavam cerca de 15 minutos para o final da partida e Solskjaer sentiu que a necessidade de gerir a confortável vantagem era maior do que a necessidade de a aumentar. Juan Mata (82′), Mason Greenwood (90+1′) e Andreas Pereira (90+3′), porém, ainda marcaram um golo cada um, levaram o resultado para 0-5 e confirmaram a goleada.

O Manchester United ganhou e ganhou bem e vai receber o LASK em Old Trafford — provavelmente não para a semana — com uma gorda almofada de cinco golos marcados fora sem resposta, o que deixa os ingleses praticamente apurados para os quartos de final da Liga Europa. Naquela que é claramente a melhor fase da temporada da equipa de Solskjaer, e muito graças a Bruno Fernandes e Odion Ighalo, foram precisamente os dois reforços de inverno do United que construíram o golo que abriu a convincente vitória na Áustria. Um golo que, pela qualidade do passe, pela qualidade da receção e pela qualidade do remate, merecia ter visto por todos e por qualquer um, sem exceção. Algo que nunca poderia ter acontecido esta quinta-feira. No dia em que se abriu a porta à suspensão das competições europeias, em que se pararam vários campeonatos europeus, em que se falou do adiamento do Euro 2020, ainda se jogou na Liga Europa. E milhares de adeptos perderam a oportunidade de ver ao vivo um enorme golo.